Este é o nosso sexto texto de crítica ao programa apresentado pelo PSTU para debate no Polo Socialista. Veja os nossos cinco primeiros textos aqui. O texto do programa do PSTU, por sua vez, pode ser encontrado aqui.
No item que trata sobre habitação, chamado “Habitação para todos (desenvolver com os companheiros dos movimentos populares) [sic]”, o PSTU descreve verdadeiros e graves problemas da habitação da parcela mais pobre do proletariado brasileiro: déficit habitacional, ocupações irregulares, falta de saneamento, esgoto, abastecimento de água, iluminação, acesso, serviços sociais etc.
Frente a isso, a proposta do PSTU, em linhas gerais, é um plano de obras públicas para criar habitações, saneamento etc. (absorvendo em sua construção mão de obra); a desapropriação dos imóveis dos grandes proprietários, que vivem da especulação imobiliária; a legalização das ocupações. Os impostos que o governo anualmente isenta às grandes empresas (R$ 346,6 bilhões) financiariam tais ações. Ver, para tudo isso, a página 14 do texto de programa.
Em outra ocasião (veja aqui), já tratamos das críticas de Marx e Engels aos projetos de criação de casas para todos os trabalhadores. Aqui apenas reproduziremos o central.
A “reforma urbana” e a “construção de novas moradias através de um plano de habitação popular” são medidas taxadas como burguesas ou pequeno-burguesas por Engels, em sua Contribuição ao Problema da Habitação (1872/73). Engels revela que tais concepções são proudhonianas (referentes a P.-J. Proudhon, socialista pré-marxista). Segundo Engels, a construção de moradias populares pode apenas, em última instância, ajudar a diminuir o valor da força de trabalho, diminuindo consequentemente os salários (ainda que não a condição de vida da população). Não à toa, em sua obra, Engels critica essa concepção num item denominado “Como a burguesia resolve o problema da habitação”. Vejamos o que nos diz:
“Suponhamos que numa região industrial determinada seja normal que cada operário possua sua casinha. Nesse caso, a classe operária dessa região está alojada gratuitamente; as despesas de habitação já não entram no valor de sua força de trabalho. Mas qualquer redução dos gastos de produção da força de trabalho, isto é, toda redução por um longo período dos meios de manutenção do operário equivale, em virtude das ‘férreas leis da doutrina da economia nacional’, a uma redução igual do valor da força de trabalho e leva, no final das contas, a um rebaixamento correspondente do salário. O salário desceria assim, em média, numa proporção igual à economia realizada sobre o aluguel corrente, isto é, o operário pagaria o aluguel não como antes, em dinheiro, ao proprietário, mas sob a forma de trabalho não pago apropriado pelo fabricante para o qual trabalha. Dessa maneira, as economias investidas pelo operário na casinha se converteriam, em certa medida, no capital, mas não para ele e sim para o capitalista de quem é assalariado.” (o grifo negrito é de Engels)
Engels, ao final do livro, é taxativo: “essa proposta [reforma urbana], com o desenvolvimento atual da grande indústria, é tão absurda como reacionária, e o restabelecimento da propriedade individual de cada um sobre sua habitação seria um retrocesso”. Antes, na primeira parte do livro, Engels já citara e defendera um jornal marxista espanhol, que, contra Proudhon, esclarecera que dar casas aos trabalhadores os deixaria mais conservadores. Diz Engels: “Os chefes mais inteligentes das classes dominantes dirigiram sempre seus esforços no sentido de aumentar o número de pequenos proprietários [de casas], a fim de se criar um exército [pequeno-burguês] contra o proletariado”.
Caso um parcela significativa da classe trabalhadora tenha habitação, isso não impossibilitará que novas camadas sejam lançadas às condições precárias de habitação, pelo simples fato de que essa medida não impede o funcionamento da lei geral da acumulação capitalista (ver O Capital, livro 1, cap. XXIII). Assim como ocorreria com a jornada de 6h trabalhadores – que, sob a miserável situação brasileira, disseminaria as horas extras –, com o aumento do número de casas próprias uma maior parte do proletariado complementaria sua renda por meio do aluguel de sua propriedade. Eis por que Engels afirma se tratar de um “pequeno-aburguesamento” do proletariado.
A condenação das condições precárias de moradia não nos deve conduzir a uma solução pragmática de teor social-democrática, mas à busca de reivindicações que ampliem as contradições com o capitalismo, levando à sua superação.