Este é o nosso sétimo texto de crítica ao programa apresentado pelo PSTU para debate no Polo Socialista. Veja os nossos seis primeiros textos aqui. O texto de programa do PSTU, por sua vez, pode ser encontrado aqui.
Na sequência de seu texto de programa, o PSTU alonga-se a respeito de reivindicações democráticas das minorias oprimidas. É a maior seção do documento (vai da página 17 à 22). O fato de se alongar tanto em reivindicações democráticas sem apresentar no conjunto do documento reivindicações transitórias (socialistas) diz bastante a respeito do que tratamos.
Após o longo trecho sobre reivindicações democráticas, somos levados de volta ao tema do estatismo nacionalista. Agora, entretanto, sob um novo enfoque: a luta contra as privatizações. O PSTU em alguma medida acredita que as estatizações são um passo para o socialismo. Diz o seu documento:
“As privatizações são defendidas pela burguesia para ‘aumentar a eficiência’, para ‘evitar os prejuízos’. As estatais foram privatizadas a preço de banana, como foi a Vale do Rio Doce, a Telebrás, a Eletrobrás e está sendo [sic] os Correios. A Vale foi vendida por R$ 3,3 bilhões, quando somente as suas reservas minerais eram calculadas em mais de R$ 100 bilhões à época. Só em 2021, a Vale distribuiu R$ 41 bilhões de dividendos a seus acionistas. A Petrobrás está sendo privatizada lentamente, já tendo os fundos de investimentos estrangeiros o peso maior de suas ações” [página 23].
Como já trabalhamos em outro texto, Marx tinha uma concepção bastante diferente sobre estatizações e privatizações. Aqui, vale repetir o central:
Para Marx, as estatizações, quando ocorrem, são produto de uma necessidade comum da classe capitalista. Em situações onde há pouco desenvolvimento de capital ou pouca rentabilidade para os capitalistas individuais, os custos de determinadas empreitadas são socializados entre a classe capitalista, até que tais empreitadas se tornem rentáveis. A determinada obra estatal, no médio e longo prazos, desenvolverá forças produtivas e criará possibilidades de rentabilidade para diversos capitais (seja diretamente naquele ramo, seja em ramos adjacentes ou vinculados). Para Marx, quando, depois de um determinado tempo, tal obra estatal se torna economicamente rentável, é possível erguê-la à forma propriamente capitalista (ou seja, privatizá-la). Em síntese: decidir se uma empresa é estatal ou privada é um problema essencialmente da classe capitalista. Diz Marx:
“O abandono dos trabalhos públicos pelo Estado e sua elevação [Übergehn] ao domínio das obras empreendidas pelo próprio capital [ou seja, a privatização] indicam o grau em que a comunidade real [determinada região ou país] já se constituiu na forma de capital. Um país, por exemplo os Estados Unidos, pode sentir na própria esfera produtiva a necessidade de ferrovias; no entanto, a vantagem imediata que resulta para a produção pode ser muito pequena e o investimento tende a virar um fundo perdido. Então o capital o coloca [o investimento] sobre os ombros do Estado […], tal trabalho geralmente é útil [ou seja, não lucrativo] e ao mesmo tempo cria as condições gerais de produção, portanto, não como uma condição especial para qualquer capitalista.” [Ver segunda seção dos chamados Grundrisse, “o processo de circulação do capital”, item “Circulação do capital”]
Marx, sempre coerente com a estratégia de derrubada do Estado capitalista, nunca considerou a estatização uma medida socialista (mas, sim, capitalista). Não é papel dos comunistas gerir bem o Estado e estatizar tudo o que veem pela frente, mas instituir um poder operário contraposto ao poder oficial de Estado, criando as condições para derrubá-lo. Os revolucionários que defendem estatizações deveriam responder por que os maiores “estatistas” brasileiros foram sempre ditadores que perseguiram comunistas (Getúlio Vargas e militares do pós-1964, por exemplo).
Vale destacar que a ideia de que estatizações são um passo para o socialismo tem origem exata na social-democracia alemã (Segunda Internacional) do final da década de 1870 e início da de 1880. Particularmente, tal concepção se desenvolveu no setor do Partido Social Democrata Alemão advindo da tradição lassalleana. Estes consideravam as medidas de monopólio estatal implementadas por Otto von Bismarck um avanço – mesmo que inconsciente ou a contragosto – rumo ao socialismo. À época de Marx, os maiores representantes teóricos alemães dessas concepções eram justamente o nacionalista e antiliberal Johann Karl Rodbertus e o economista Adolph Wagner (sujeitos contra os quais Marx e Engels lutaram durante décadas). Todos os argumentos da nossa “esquerda” – inclusive o de que as condições de trabalho são melhores em empresas estatais – já eram esgrimidos pela ala lassalleana do partido alemão. Mesmo a chamada ala “marxista” (Kautsky, Bebel, Bernstein) manteve uma posição dúbia, contraditória, frente ao Socialismo de Estado de Bismarck (quanto a isso, ver o cap. VI do esclarecedor livro The Outlawed Party, de Vernon L. Litdke, publicado em 1966).
Graças ao predomínio da ala nacionalista-estatista lassalleana (sobretudo os parlamentares), em 1914 a social-democracia Alemã votou pelos créditos da Primeira Guerra Mundial.