Por Hector Benoit
Reproduzimos texto de Hector Benoit em resposta ao artigo “Por que a candidatura Boulos/Erundina é um catalisador eleitoral?”, de Valério Arcary, publicado na revista Fórum em 24/09/2020.
Em seu texto, constata Valério, em primeiro lugar, “uma surpresa” em São Paulo. Segundo as pesquisas, a candidatura Boulos/Erundina está na frente do PT, diz ele. Ora, isso não é surpresa alguma; já Antônio Palocci, quando estava sendo julgado pela comissão de ética do PT, escreveu uma carta pedindo para se desfiliar do PT e profetizou: “o PT vai virar uma seita”. Pois é, o PT em São Paulo, apesar de certas dificuldades, sempre saía de cara com pelo menos uns 15% de intenção de voto. Agora está com 2%, ao lado do PSTU. Se isso é surpresa para o Valério, era uma previsão tão clara que, faz tempo, Palocci já a tinha anunciado, mesmo na cadeia.
A seguir, Arcary reafirma o título do seu artigo, e repete que a candidatura Boulos/Erundina cumpre um “papel de catalisador”. A etimologia dessa palavra, “catalisador”, nos revela muito sobre o oportunismo do PT, do Psol e de Arcary. Qual sua etimologia, seu sentido originário? A palavra é tradução ou adaptação da palavra grega “katálysis”, isto é, “ação de dissolver” (cf. Bailly, ou Liddell-Scott ou ainda Chantraine, dicionários consagrados de Grego Antigo). Por exemplo, numa armada, trata-se de um processo que “dissolve a armada”. Portanto, trata-se de “destruir um exército”, ou seja, de entregar a batalha ao inimigo, de bater em retirada! Vejam-se os múltiplos exemplos dessa palavra nos textos bélicos de Xenofonte (como se sabe, um grego com grande experiência militar e autor de textos célebres sobre batalhas do século IV a.C.).
Mais tarde, bem mais tarde, no século XIX, um químico sueco, J. Jacob Berzelius, utilizou essa palavra em Química. E o sentido, mesmo em Química, é aquele de aumentar a velocidade numa reação com uma ação de dissolver. Por exemplo, um catalisador adaptado num escapamento de um carro solta os gases do motor do automóvel, ou os dissolve.
Sem dúvida, é perfeita a palavra escolhida por Arcary: o Psol é sim um “catalisador”. Ou seja, solta gases tóxicos (para servir à burguesia). O Psol solta os gases tóxicos que sobram ainda na esquerda brasileira, dissolvendo-a. Mais precisamente, ao soltar os gases tóxicos que podem atormentar a burguesia, que ainda possam ser perigosos contra ela, a candidatura de Boulos/Erundina é realmente destruidora, liquidacionista etc. Ela parece acelerar algo, mas na realidade só dissolve ainda mais nessa própria aceleração.
Nisso também ela copia o que antes fez o PT. Muitos ao final dos anos 1970 e início dos 1980 acharam que o PT ia ser um “catalisador”, um “atalho” para construir um partido revolucionário. A esquerda, inclusive a trotskista, fez “entrismo” para se “catalisar”. E deu no que deu: ela se dissolveu e a ordem burguesa foi reforçada.
O PT, portanto, já foi um catalisador. Ele, ao menos, era o catalisador original; tinha ainda lá, no começo, uma base social muito forte na classe operária, surgida nas greves de 1978-79-80. O Psol, por sua vez, foi um racha do PT que só cresceu depois que boa parte dos operários e marxistas que (estranhamente) ainda restavam nesse partido perceberam, devido ao escândalo do mensalão, que ele era, realmente, um agente que não defendia a classe operária e os trabalhadores em geral. O Psol surgiu nesse processo, e obteve o registro eleitoral em 15 de setembro de 2005, com três cores significativas: o vermelho (representando o socialismo, pero no mucho), o amarelo e o laranja (que amenizavam o vermelho e provêm exatamente da tradição social-democrata posterior à traição histórica dessa corrente em 1914), e ainda tinha um Sol sorridente como símbolo…
Seria o PSOL um partido socialista “democrático”, democrático-burguês? No começo, parecia até meio radical, com discursos inflamados de pequeno-burgueses, servidores públicos (na sua maioria). Ou estudantes universitários privilegiados. Mas seu radicalismo verbal coincidia com posições e lutas bastante distantes das preocupações da classe operária e do proletariado. Ou seja, era uma cópia piorada do PT, uma paródia deste, um catalisador piorado. O PT enganava melhor do que o Psol. Tem de ser muito inocente para acreditar que as massas optarão pela cópia em vez do original. Se o Psol ocupa certo espaço do PT, hoje, não se trata de uma “reorganização pela esquerda”, como diz Valério, mas apenas a apropriação de parte do espólio burguês e já podre do PT.
Com ações como a de Valério Arcary e Boulos, o que se trata de dissolver é a célebre indicação daqueles que, desde o século XIX, diziam que a construção de um partido operário, que leva à libertação dos trabalhadores, tem de ser obra da própria classe trabalhadora, construída pela própria classe trabalhadora, aliada a todos os explorados, numa ação que só pode partir deles próprios e valer para eles mesmos.
O PT, apesar da base operária das greves, nasceu repleto de pequeno-burgueses que foram tomando a direção do partido e, muito cedo, mostrou que era apenas um CATALISADOR, liquidador dos sonhos do proletariado brasileiro e latino-americano. Já no final dos anos 1980 e início dos anos 90, poucos núcleos operários do PT ainda funcionavam fora de períodos eleitorais. Os operários e proletários desapareceram dos núcleos do PT, que só funcionavam ainda perto dos períodos de eleição, e eram, na verdade, comitês de candidatos, cheios de oportunistas que sonhavam com cargos ou gabinetes de empregos.
Valério Arcary, não menos que o PT, segue uma trajetória de CATALISADOR, ou seja, dissolve os gases tóxicos que podem envenenar a burguesia. Valério ajudou a enfraquecer o PSTU, o qual, por mais frágil que fosse e ainda é, tinha e ainda tem honestos lutadores, bem como uma base operária importante em algumas regiões. Valério Arcary, exercendo seu papel de CATALISADOR, dirigiu um racha que ocorreu há 4 anos no PSTU. Junto a outros catalisadores, levou uma parte bastante significativa do PSTU para o PSol. Mas tão claro foi seu papel de catalisador, que a maioria dos militantes que ele conduziu ao Psol hoje simplesmente se perdeu, afastando-se de sua corrente política ou de qualquer militância partidária direta. Incansável, mesmo no Psol Valério Arcary seguiu seu ofício de catalisador. Na convenção do partido em 2018 fez oposição a Plínio de Arruda Sampaio, um respeitado intelectual marxista, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Para quê? Para apoiar a corrente mais petista do PSol, liderada agora pelo “sem teto” (com bom teto) e psicanalista Boulos, em mais uma aventura catalisadora!
Seria muito bom se o psicanalista Boulos fizesse uma análise da trajetória estranha de Valério Arcary e seus gases catalisadores.