Alguns companheiros defendem que “A Embraer é nossa!”, que a Embraer tem que ser “estatal” etc. Em nome da soberania nacional, da defesa nacional e da tecnologia nacional, defendem que a empresa deve continuar “pertencendo” aos brasileiros. Mas, de quais brasileiros estão falando? Dos burgueses ou dos trabalhadores? De qual Estado estão falando, do que é um “comitê gestor dos negócios burgueses”, ou de neutro e abstrato (utópico) Estado que atenderia a todas as classes?
A Embraer, a rigor, não é estatal. Ela foi privatizada em 1994 por FHC. Ela é hoje uma sociedade anônima, uma empresa de capital aberto e pulverizado, negociado nas bolsas brasileira (B3) e norte-americana (NYSE). 49% das ações da Embraer são comercializadas em São Paulo e 51% em Nova Iorque. A Embraer tem mais de 740 milhões de ações (títulos de propriedade) na mão de 37 mil acionistas (entre pessoas jurídicas, físicas e investidores institucionais/fundos). O maior acionista individual é a gestora de investimentos Brandes Investiments, norte-americana. A Brandes detém 14,4% das ações da companhia, seguida pela inglesa Mondrian Investiments (10,12%), pela BNDESPar (5,37%) e pela também norte-americana Blackrock Inc. (5,02%).
O governo brasileiro tem uma participação de apenas 5,4% desses papéis, por meio do BNDESpar (BNDES Participações, o braço de investimentos acionários do banco). Mas, além disso, essa participação tem o valor de “golden share”. Essa “ação dourada” ou “participação dourada” significa que o governo tem o poder de veto sobre decisões estratégicas. Isso todavia não significa que a Empresa seja nacional, que produza voltada a interesses nacionais, interesses que não sejam propriamente o lucro e a extração/acumulação de mais-valia. O governo tem apenas um assento (em 11) no Conselho de Administração da Empresa. Não é o governo que decide o que vai ser produzido nem como. A produção é ordenada de acordo com princípios de alta concorrência capitalista no mercado internacional, ao qual a Embraer dirige sua produção. Com a golden share, o governo tem poder de veto sobre fechamento da empresa e transferência de tecnologia, mas isso não muda o fato de que seu foco é a exploração da classe operária e de que seu lucro é o grande interesse da esmagadora maioria de acionistas privados (internacionais).
Poderíamos ser contra a privatização, caso fosse claro que isso acarretaria em piora nas condições de vida da classe trabalhadora. Não seria por conta de uma abstrata necessidade “nacional”, mas por algo muito concreto: o emprego e o salário da nossa classe. Acontece que, como falamos, a privatização já ocorreu e a empresa já é absolutamente submetida à concorrência do grande mercado capitalista mundial. A pressão por trabalho é definida por esse elemento, e não por qualquer norte nacionalista. Por isso, a tendência de piora das condições de vida, determinada pelo movimento internacional do capital, já é a condicionante principal, permanente e decisiva do processo de trabalho na Embraer.
É compreensível que companheiros tenham medo do que pode ocorrer com seus empregos caso haja fusão com a Boeing. Mas cabe questionar: o mesmo medo não se instalaria se fosse a compra por uma empresa brasileira? Foi assim durante a fusão dos bancos Itaú e Unibanco. Está sendo assim na fusão da Suzano com a Fibria, duas empresas nacionais do setor de papel/celulose. Mesmo que a Embraer não seja vendida, quem garante que os empregos serão mantidos? Na concorrência capitalista de peixes-grandes internacionais, quem garante que o isolamento da Embraer é melhor para ela? Na verdade, isso tudo é um problema dos capitalistas. Assumir essa lógica é rebaixar o horizonte da classe trabalhadora. Os trabalhadores não são capazes de pegar o capital pelos chifres e ordenar que caminhe a seu favor. Alterações na divisão das ações de uma empresa não modificam leis do capitalismo. No caso Embraer-Boeing, um capitalista engole o outro, simples assim.
O palavrório sobre o suposto caráter nacional da Embraer é uma desculpa para capitular a uma política nacionalista de tipo pequeno-burguês, que quebra a independência da classe operária. Tal política nacionalista, presente na maioria dos sindicatos hoje (e tão chauvinista quanto a dos sindicatos europeus), apaga ou confunde o conteúdo da divisão de classes interno ao país e à empresa; cria o espantalho do imperialismo de forma abstrata e termina por pedir salvação ao governo burguês de plantão (a Temer). “Temer, vete a venda da Embraer” é uma cópia do “Dilma, vete o corte de empregos”. Essa política é absolutamente errada na medida em que quebra as forças da nossa classe e cria ilusão num elemento externo a ela – e justamente em seu maior inimigo, o seu próprio governo burguês, em sua própria burguesa. É o fim da independência de classe, em nome de uma suposta “independência nacional”. Os companheiros têm de decidir se são a favor da independência de classe ou da suposta “independência nacional”. Não há meio termo.
O uso da política de “independência nacional” para abstrair contradições internas ao nosso país tem uma origem muito clara: o stalinismo. Desde lá, diversos sociólogos (e nisso, afastados do marxismo e próximos dessa ciência burguesa, a sociologia) tentam conciliar as falidas teses stalinistas com algo mais requintado. É a longa tradição que vai desde Caio Prado Jr., passa pela CEPAL e chega nos teóricos da dependência. São formas centristas que temem abandonar totalmente o stalinismo. Assim, negam o marxismo, valem-se do empirismo e recaem na sociologia.
A questão é não apagar as contradições entre classes que já existem e estão muito bem delimitadas internamente ao país e à empresa. A questão é conseguir aprofundar essas delimitações no caráter dialético-transitório do Programa de Transição. O central é defender intransigentemente empregos e salários, abrindo a dualidade de poder no local de trabalho (comitês de fábrica). Não se deve usar supostas questões democráticas não resolvidas para abstrair os problemas concretos e reais da nossa classe.
Em momentos agudos, como o de guerras, a luta pela soberania nacional, pela “tecnologia estratégica interna ao país”, pela defesa das indústrias A&D (aeroespaciais e defesa) leva os partidos de esquerda a defender suas burguesias criticamente. Disso para se apoiar criticamente créditos de guerra é um passo. É fácil ridicularizar os erros da social-democracia alemã em 1914. O difícil é explicar como a maioria da tradicional esquerda alemã (supostamente marxista) e a esmagadora maioria da classe operária desse país ficaram reféns dessa política nacionalista.
O central para a classe operária não é saber a cor da bandeira do patrão. A compra da Embraer pela Boeing é parte do processo de expropriação capitalista, processo que cria ao mesmo tempo condições internacionais para a revolução socialista. Que impacto não teria sobre os operários da Boeing dos EUA a tomada da Boeing brasileira pelos operários daqui (e vice-versa)? A grande questão para a classe operária é desenvolver uma política realmente proletária, que não admite qualquer demissão, seja no chão da fábrica, seja no administrativo ou na engenharia, e caminhe para a abertura de formas de poder operário.
Enquanto os operários e engenheiros da Embraer, sejam eles brasileiros ou norte-americanos, continuarem sendo doutrinados e domesticados na defesa dessa ou daquela divisão acionária, mais estarão paralisados quanto ao fundamental. E o fundamental é a defesa intransigente dos empregos e salários. Não se deve confiar, ter ilusão ou expectativa no governo burguês de plantão. Ele não é um aliado na luta contra o grande capital. Precisamos manter as divisas tradicionais da nossa classe, que dizem que “os trabalhadores só podem confiar em suas próprias forças”, e, ainda, “que o maior inimigo está em nosso próprio país”.
Aquilo que precisa ser dito ao governo brasileiro e aos proprietários da Embraer e da Boeing é o seguinte:
A divisão dos acionistas, dos proprietários de capital, é problema de vocês, mas quem controla as máquinas e desenvolve a tecnologia somos nós, operários, técnicos e engenheiros! Não deixaremos que mexam em nossos empregos e salários! Resistiremos por eles até as últimas consequências! As plantas e os postos de trabalho ficam, independente do proprietário! Nenhuma demissão ou rebaixamento salarial! Nenhuma confiança ou esperança no governo brasileiro!