O Corneta
Os trabalhadores de São José dos Pinhais, no Paraná, decidiram dar um basta em tanto descaso depois do anúncio de novas 747 demissões, iniciando a greve no dia 21 de julho. Um operário da Renault que foi demitido, do setor de montagem, terceiro turno, atendeu o Corneta e respondeu nossas perguntas.
É… Em primeiro lugar mesmo, pessoal, tá feio, ainda bem que eu levo sorte aqui, minha mulher tá trabalhando, né? Mas se não fosse, agora eu tava passando dificuldade, entendeu?
É complicado, como está a atual situação do mercado de trabalho, por causa dessa pandemia fechou tudo […] nós estamos jogados.
É nisso que eu fico ligado. Eu vi recentemente uma pesquisa aí que os mais ricos tão ficando cada vez mais ricos, aí o que eles estão querendo fazer, redução de custos justamente nessa época da pandemia. Injustificável.
Ah, lá dentro é pauleira, é bem puxado, nós fazemos um carro por minuto, a operação no carro você tem que fazer em segundos e tem diversas operações, não dá tempo nem de beber água de direito. Um galão de água do seu lado, assim, você não pode ir no banheiro também, você tem que chamar o sênior pra ir no banheiro, segurar, e a cobrança só tem quando você erra alguma operação, manda o defeito…
É o seguinte, do rodízio que nós fazia lá de posto, que dependendo do posto que você fizesse, você podia tá suscetível a doença ocupacional. Porque era muito movimento repetitivo, de ficar arqueado ou de se abaixar, e pense bem, isso no caso do terceiro turno é seis horas, o primeiro e o segundo que era oito horas de trabalho e ficar direto assim, é foda.
Ah, então, eu trabalhei segunda, no caso, né? Do dia vinte pro dia vinte e um, o terceiro turno, daí vim pra casa, foi a tarde lá pras dezessete horas, recebi o email de desligamento. E sobre os meus colegas de linha, eles tão apoiando nós, todos eles, mas eu vejo que no grupo aqui do sindicato que tem bastante operário que não quer, fica fazendo fervo, assim.
Ah, e sobre meu sentimento em favor da greve, é, eu torço, né? Pra que o sindicato consiga reverter as demissões em massa. Se ele conseguir vai ser uma marca histórica, porque nessa pandemia aí tá difícil, né? Mas se isso conseguir, olha, eu tiro o chapéu, né?
Então, pra quem ficou, esses dias parados estão sendo descontados, né? O holerite deles vieram zerado esse mês e tem outra também, se o sindicato perder essa luta, ocorre que a empresa daqui dois anos vai terceirizar postos de trabalho, já tem um número X já, e também pros funcionários novos que entrar vai ter vinte e cinco por cento de redução do salário.
Sim, isso aí eu fiquei de cara, que a Renault por causa do CEO brasileiro, eles falaram que sofreram por causa disso aí, e também outra, eles falaram que tiveram queda de vendas lá na Europa, no mundo a fora e eles fizeram uma reestruturação mundial da aliança, né? Renault, Mitsubishi e Nissan. Daí eles falaram que ia mandar quinze mil pessoas embora mundialmente, sendo dez mil na França e o restante no redor do mundo, eu acho. E nós sabíamos que ia vim pra cá, né? Mas o que eles fizeram na época de pandemia, isso é inaceitável […].
Ah, eu acho que hoje em dia é o sindicato, né? O sindicato dos metalúrgicos de Curitiba que é forte, é o mais forte que tem aqui, né? Ele que sempre defende, briga pelo salário com a empresa. Fora isso, se não tivesse ele ia ser difícil, entendeu? Porque tem empresa aqui que não tem sindicato, e o salário é o empresário que manda e a justiça não vai fazer nada.
A Renault aqui, antes da pandemia, nossa, tava lucrando bastante […] aqui em Curitiba. Era um dos melhores anos pra ela, chegou a ficar em quarto no mercado automobilístico em vendas, e isso foi um passo gigante pra ela, entendeu? Em relação aos outros que você falou, eu acho que é administração, né? Também uma má administração, pode ser, mas a Renault, não, a Renault tava lucrando, nossa, lucrou muito. E agora, por causa dessa reestruturação mundial aí dessa pandemia, ela tá ligando que tá perdendo também.
Ah, o sindicato tá fazendo a frente, ele que fala pras pessoas que os empregos deles também tão ameaçados, se eles ficarem […] na empresa, entendeu? E eles apoiam nós também, os que saíram, no caso, depois nós somos tudo unido, né? […] Porque se o sindicato perder, quem ficar lá também corre o risco de ser mandado embora e piorar a situação pra eles lá.
Sim, houve, desligamento das pessoas que era temporária, que tava por contrato, trezentos e cinquenta pessoas que não foram efetivadas, que foram desligadas. Tudo por causa disso também, o terceiro turno tava rodando cheio, daí aconteceu isso, a empresa foi lá e desligou trezentos e cinquenta postos que era por contrato e ficou o restante rodando e com a metade da capacidade da linha […].
Aconteceu de março pra abril esses desligamentos. No começo da pandemia.
Deu 1100 já. 1100 pessoas.
Sim, foi desligamento de qualquer pessoa, mas a maioria era lesionado, mas teve de tudo.
Setores mais atacados foram montagem, carroceria e pintura, ou seja, mais quem trabalhava no chão de fábrica mesmo…. O RH não [risos].
Então, tava funcionando sim, mas só por dois meses, a empresa não quis renovar essa MP.
Ah, então, uma coisa que eu não concordei muito é com as mudanças que teve nas leis trabalhistas e também é o que ele pretende implantar, carteira verde amarela, eu também não concordo, fora isso eu não sei, entendeu…
Posso falar é que num pode abaixar a cabeça, né? Tem que erguer a cabeça também e bola pra frente, entendeu? Tem a vida inteira ainda, tem novos desafios, oportunidade não faltará no futuro, entendeu? É só ter fé, acreditar e esperar que tudo melhore e pra nós aqui também o sindicato fazer alguma coisa, entendeu, Até passar essa pandemia aí […].