Na primeira semana de julho, Donald Trump tomou conta das manchetes depois de anunciar uma taxação sumária de 50% sobre as mercadorias brasileiras importadas pelas empresas americanas. Antes disso, as exportações brasileiras já estavam sendo tributadas em 10% desde abril. A política tarifária do presidente dos Estados Unidos já é aplicada para inúmeros países desde o início de seu segundo mandato. O que surpreende a opinião pública dessa vez, além do exagerado nível de imposto aplicado, foram as demais alegações para justificar a medida.
Em primeiro lugar, o dado falso de que os EUA sustentam um prolongado déficit comercial com o Brasil em suas relações bilaterais. É falso porque, há 16 anos, as exportações brasileiras são superadas pelas importações de mercadorias americanas ano após ano, chegando ao montante negativo de US$90 bilhões. Considerando desde 1997, o único período de superávit brasileiro foi nos anos de boom das commodities, no acumulado positivo de US$49,6 bilhões.
Em segundo lugar, a suposta “caça às bruxas” do STF contra Jair Bolsonaro. Em carta enviada ao governo brasileiro, Trump opõe-se ao julgamento do ex-presidente diante das robustas acusações de tentativa de golpe de Estado empreendida pela claque bolsonarista. “Este julgamento não deveria estar acontecendo”. As ações do judiciário, nas palavras do presidente americano, representam “ataques insidiosos do Brasil às eleições livres e à liberdade de expressão”.
Do ponto de vista da conjuntura brasileira, o pano de fundo dessa sobretaxa é claro para quem acompanhou os últimos fatos da política nacional. O clã bolsonarista está cercado de provas e evidências que o incriminam na justiça em virtude da fracassada tentativa de golpe após as eleições de 2022. A pauta da anistia perde cada vez mais fôlego no Congresso e tem poucas chances de vingar no Supremo. Os impostos sobre a mercadoria brasileira exportada para os EUA eram as cartas finais de Bolsonaro para chantagear o judiciário e o legislativo do país em busca de uma flexibilização ou até mesmo anulação dos processos judiciais em curso. Vejamos, por exemplo, seu último pronunciamento público feito no dia 17 de julho: “vamos supor que ele [Trump] queira anistiar, é muito? Porque, se continuar esses 50%, tem gente que acha que não vai sofrer, todo mundo vai sofrer!”. É evidente que o ex-presidente não se farta de produzir provas contra si mesmo.
Teria Trump decretado uma tarifa de 50%, com efeitos relevantes no comércio bilateral Brasil-EUA, apenas para salvar a pele de Bolsonaro numa investigação bastante avançada contra o ex-presidente? Não acreditamos. A carta do presidente americano cita a suposta “censura” do STF contra empresas americanas do ramo digital, com forte atuação nas plataformas e redes sociais. Falamos de corporações como Meta, Google, Amazon, Tesla, entre outras, somando um valor de mercado de aproximadamente US$15 trilhões. Grupos que financiaram e apoiaram politicamente a candidatura do republicano em 2024, tendo cadeiras especiais inclusive em sua cerimônia de posse. Grupos que entraram em rota de colisão com o judiciário brasileiro após medidas de restrição e regulação dos conteúdos publicados nas mídias sociais controladas por eles. Enfatizamos a revisão do Marco Civil da Internet, que agora enquadra as “Big Techs” num mecanismo muito mais rigoroso de checagem. Isso significa gastos e investimentos maiores em instrumentos de proteção e controle de publicação. Isso significa custos maiores. Isso significa lucros menores. É como se essas empresas estivessem gastando mais sem a contrapartida de mais publicações, mais patrocínio e mais engajamento. É mais custo apenas para controlar e checar o que elas já têm em seus ambientes digitais. Para se ter uma ideia, a taxa de lucro de companhias como Google e Meta é de 30%. Outros grupos que já possuem recursos de controle e checagem e que se responsabilizam pelo conteúdo circulado têm margem de “apenas” 10%.
Não, Trump não morre de amores por Bolsonaro a ponto de colocar em risco um fluxo comercial de bilhões de dólares entre Brasil e EUA. Suas ações são guiadas por um setor influente da burguesia americana e mundial que hoje possui corredor livre para defender seus interesses de classe diretamente com o governo. Não é um raio laranja em céu azul. Trata-se, na realidade, de mais um exemplo do poder executivo funcionando como um balcão de negócios da burguesia.
Mas, os tiros começam a sair pela culatra. Aqui e nos EUA.
No Brasil, azedou a relação do clã bolsonarista com o agronegócio, parcela da burguesia que mais se engajou com seu projeto político nos últimos anos. A razão não é difícil de encontrar. A agroexportação tem papel importante na pauta de mercadorias vendidas aos EUA. Laranja, carne bovina, café, celulose. Do dia para a noite, gigantes como Cutrale, JBS, Grupo Três Corações, Suzano passaram a contabilizar em seus livros contábeis um custo adicional de 50% sobre suas margens de lucro. No capitalismo, não há relação de amor que seja maior do que aquela que um burguês nutre pelo seu dinheiro. Em questão de poucos dias, a bancada ruralista passou a suar frio com a hipótese de os empresários do setor terem seus rendimentos comprometidos em razão de uma chantagem barata do governo americano para livrar a cara de Jair Bolsonaro. Hoje, já pedem para que a diplomacia brasileira, junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, se esforce para ao menos adiar a data de vigência das novas tarifas. O ex-presidente está agora escanteado pelos capitalistas que mais o apoiaram e o financiaram.
O tiro saiu pela culatra também do ponto de vista judicial. Um dia depois de seu pronunciamento, o ministro Alexandre de Moraes determinou uma medida cautelar, deixando Bolsonaro com tornozeleira eletrônica. O motivo? Obstrução de justiça e interferência deliberada nas investigações penais contra ele pelas acusações da tentativa de golpe de Estado, valendo-se inclusive do suporte de Eduardo Bolsonaro (o “03”) in loco para fazer lobby com o governo americano. Como falamos, tratou-se de um caso de sincericídio que mais uma vez o incrimina.
Nos EUA, a Câmara de Comércio (U.S Chamber) já se posicionou contrária ao tarifaço e pede aos dois governos “que se engajem em negociações de alto nível a fim de evitar a implementação da tarifa de 50%”. Diplomacias a parte, o que importa é saber que a Chamber é uma entidade representativa de mais de 6,5 mil empresas americanas, muitas delas cujos donos certamente apoiaram Donald Trump. O atual presidente, portanto, começa a se queimar com outros segmentos burgueses em seu país, colocando riscos concretos para sua sustentação política nos próximos meses.
E no meio do fogo cruzado em que trumpistas e bolsonaristas se meteram, o governo Lula aproveita a unidade de apoio da burguesia, que participa ativamente das tratativas para reverter o tarifaço. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços já vem fazendo reuniões com industriais e líderes do agronegócio para pensar na melhor resposta em defesa de seus interesses. Não nos parece plausível a adoção de uma reciprocidade dos mesmos 50%. Até porque, os EUA são relevantes fornecedores de matérias-primas para as empresas brasileiras, em especial motores, maquinários e gás natural. Ou seja, o Brasil compra mercadorias que sustentam o departamento I da nossa economia (aquele responsável pela produção de meios de produção). Lembremos, além disso, que as cadeias produtivas são fragmentadas em diversos países. Atualmente é praticamente impossível haver uma verticalização totalmente nacional da produção, ainda mais em se tratando de ramos industriais. O Brasil não é capaz de, em poucas semanas, reverter o quadro e produzir localmente aquilo que hoje ele importa. Devolver o tarifaço numa retaliação direta significa, com isso, criar um custo adicional sobre as matérias-primas sem ter uma compensação interna capaz de aliviar essa pressão. A reciprocidade, portanto, joga contra os lucros dos capitalistas locais, o que poderia rasgar a costura do governo com o empresariado. Tudo indica que a primeira tentativa será de estancar a sangria e adiar a aplicação da tarifa, apelando para as negociações diplomáticas e contando com a rejeição de setores da burguesia americana aos impostos de Trump. Em meio a isso, o Ministério da Fazenda já prepara medidas de crédito para eventual apoio aos segmentos afetados. No discurso, falam que não vão deixar o trabalhador na mão, que vão olhar para o pequeno agricultor, para o pequeno empreendedor, para o informal, para todo mundo. A velha tática de colocar as classes no mesmo balaio conceitual de “povo”. Sabe-se, no entanto, que a preocupação número 1 do governo do PT é de salvar a pele dos capitalistas que financiam suas campanhas e que controlam e planejam o ritmo da economia nacional.
Mas e quanto aos reais interesses do proletariado? Trata-se de um problema de classes de natureza internacional. São os empregos e os salários dos trabalhadores brasileiros e americanos que estão em jogo, influenciados pelo xadrez das burguesias dos dois países.
Nos EUA, a inflação começou a aumentar, chegando ao acumulado de 2,7% em junho versus 2,4% em maio. Com um imposto de 50% sobre a mercadoria brasileira, o cafezinho e o suco de laranja ficam mais caros. Mas também a carne, o papel higiênico. O trabalhador americano começa a sentir na pele os efeitos do tarifaço aplicado ao mundo inteiro, com seu salário valendo menos e seu poder de compra sendo corroído. Mas, também seus empregos começam a ser ameaçados. Para se ter uma ideia, só na produção de suco de laranja, mais de 200 mil pessoas estão empregadas direta e indiretamente por lá. Na hipótese de restrição do envio de laranja brasileira para lá, a produção paralisa e a cadeia se interrompe. Começam as negociações de cortes salariais e layoffs.
No Brasil, o peão também paga o ônus de um imposto que, por interesse da gangue bolsonarista e dos barões da tecnologia dos EUA, coloca em risco seus empregos em razão de uma paralisação da produção devido a um virtual bloqueio comercial. E paralisa porque do dia para a noite as empresas brasileiras recebem um custo alfandegário adicional em 50% sobre o valor da mercadoria vendida. É o fechamento de um mercado consumidor que torna inútil a produção regular para os EUA. E aí, no fim do dia, a burguesia faz o cálculo dos cortes salariais e de funcionários nos centavos quando percebe que suas mercadorias se tornam imprestáveis no mercado.
Diante do que está exposto, a primeira posição dos revolucionários é de ser contra as tentativas de interferência de Trump tanto no processo judicial contra Jair Bolsonaro, quanto para ajudar a burguesia das Big Techs. Os trabalhadores brasileiros e americanos não podem sofrer em razão da chantagem bolsonarista pela anistia, tampouco por conta dos interesses de lucro dos barões da tecnologia dos EUA. Perder meu emprego, cortar meu salário, pagar mais caro pela comida para o Jair não ir para o xadrez? Para preservar os lucros de Jeff Bezos, Mark Zuckerberg e a turma toda do Vale do Silício? Bolsonaro tem mais é que ser condenado em definitivo e ser colocado na cela comum. As Big Techs que se virem com os conteúdos que circulam nas redes sociais.
CONTRA A INTERFERÊNCIA DE TRUMP NO JULGAMENTO DE BOLSONARO!
CONTRA A INTERFERÊNCIA DE TRUMP NA REGULAÇÃO DAS REDES!
EM DEFESA DA CONDENAÇÃO E PRISÃO DEFINITIVA DE BOLSONARO!