Estamos a poucos dias da abertura da Copa do Mundo e o país continua parecendo uma bomba-relógio, contando minutos para explodir. O evento tem apenas acelerado as enormes contradições que hoje transpassam a tensa realidade brasileira, sobretudo nas grandes metrópoles. As greves nos sistemas de transporte que o digam.
Mas quando falamos de uma “bomba-relógio”, temos de precisá-lo: não significa, necessariamente, que uma explosão, um afluxo de massas, um estouro de revolta estabelecerá imediatamente uma situação revolucionária. As condições para uma situação revolucionárias são mais profundas e devem ser melhor analisadas. Lembremos alguns elementos.
Segundo a clássica caracterização marxista, uma conjuntura política caminha para uma situação revolucionária quando os seguintes elementos se fazem presentes: 1. a incapacidade dos “de cima” governarem como antes; 2. a não aceitação dos “de baixo” de serem governados como antes; 3. a abertura da dualidade de poderes, ou seja, formas de controle e gestão exercidas pelos trabalhadores, opostas às formas do capital (sobretudo a partir de ocupações de empresas em pontos determinantes da economia).
Com esses três elementos entramos numa conjuntura pré-revolucionária, que pode se estender por um período relativamente longo — entre vários meses a, possivelmente, alguns anos — de mobilizações das massas trabalhadoras. Caso não canalizadas corretamente, as energias da classe trabalhadora no processo de lutas se esgotam. Portanto, o elemento fundamental na transformação da situação pré-revolucionária em situação revolucionária é a existência de uma organização revolucionária com influência nos setores de vanguarda da classe trabalhadora, capaz de canalizar corretamente as energias das massas contra o poder burguês. O partido, portanto, é o 4 elemento, fundamental para a mudança qualitativa.
Temos hoje no Brasil os dois primeiros elementos e, parece, podemos avançar para o terceiro a médio/longo prazo.
A incapacidade da burguesia manter a dominação sobre a classe trabalhadora brasileira como antes é inegável. Isso não está vinculado apenas a junho de 2013. A rigor, esta vinculado à ausência de projeto burguês para o Brasil nas últimas décadas.
Basta lembrar que há 50 anos o governo brasileiro, num impulso de desenvolvimento nacional, seguindo o que lhe destinou o grande capital, criava no “meio do nada”, com tecnologia de ponta, uma nova capital. Brasília foi construída em 5 anos. Evidentemente, seus gastos foram altos (estima-se cerca de 180 bilhões de reais hoje), afinal, não se funda uma capital de outra maneira. De qualquer forma, em poucos anos foi criado um novo pólo econômico, hoje o quarto maior do país.
E o que faz a burguesia brasileira hoje? Em mais de 7 anos é incapaz de construir estádios de futebol para a realização da Copa do Mundo! Essa mesma burguesia gasta mais de 30 bilhões de reais na construção de estádios de futebol que em pouco tempo serão elefantes brancos, incapazes de articular qualquer produção de riquezas a médio ou longo prazo. A burguesia caminha a sabor dos ventos, sem saber para onde ir, nos conduzindo à catástrofe completa.
Essa mesma burguesia hoje desindustrializa o Brasil. Visando concentrar a produção industrial somente na Ásia, ela condena o país ao papel de “Celeiro do Mundo”. Somente entre 1985 e 2000 a queda da participação da indústria no PIB foi tal que nos fez retroceder aos patamares da década de 1950. Às favas com a formação da mão de obra, com as escolas, colégios técnicos e universidades, o que interessa é o agronegócio.
A essa incapacidade estrutural da dominação burguesa soma-se agora a incapacidade conjuntural. A conjuntura aberta em junho de 2013 não fez senão expor a situação limite em que se encontrava a economia e a política brasileira há alguns anos. Com a chegada do PT ao poder, a burguesia brasileira gastou sua última carta de dominação sobre a classe trabalhadora. A forma específica de dominação política da burguesia iniciada após a saída dos militares, a forma “democrática”, tornou-se a cada dia mais insustentável, até estourar no primeiro sinal de crise econômica mais profunda na frágil economia nacional.
Agora, chega-se ao ponto em que a rejeição da população à política institucional atinge níveis recordes. Os candidatos burgueses, como pode-se observar, há meses sangram dia a dia nas pesquisas de intenção de voto, incapazes que são de dar resposta aos problemas da população. Dilma perdeu 10 pontos entre fevereiro e junho e agora está com 34% de intenções de voto, segundo pesquisa do datafolha. E os demais candidatos burgueses não lucram com a queda da candidata do PT, pelo contrário, caem conjuntamente. Na totalidade do país, a percentagem dos que tencionam votar nulo ou branco é de 30% — ou seja, apenas 4 pontos abaixo da presidente. No sudeste, principal região econômica do país, nulos e brancos marcam 32% — 6% acima de Dilma e Aécio nessa região (ambos empatados tecnicamente em 26%).
Nulos e brancos já registram um recorde histórico, batendo a marca da eleição de 1989. Lá, deve-se lembrar, a burguesia, já sem qualquer projeto histórico e também sem qualquer caminho para a conjuntura, resolveu se lançar numa aventura. Elegeu Fernando Collor. A mediocridade, a incompetência e a desmoralização da burguesia enquanto classe se revelam em situações como as atuais e isso deve ser aproveitado pela classe trabalhadora.
Explicitamente desde junho de 2013 os trabalhadores demonstram não querer continuar a serem dominados como antes. Mas o que se passa é mais que “os de baixo não aceitarem”, está se passando uma mudança qualitativa. As manifestações que antes eram apenas super-estruturais, mais pequeno-burguesas em junho de 2013, agora começam a chacoalhar setores importantes da circulação do capital. Em pouco tempo, sem dúvida, elas estourarão também em importantes setores da produção (como já têm apontado greves na produção, ainda que localizadas e em empresas pequenas). A luta na produção, no chão de fábrica, é condição para criação do poder da classe trabalhadora.
A classe trabalhadora tem uma situação histórica em suas mãos que não pode deixar escapar, pois se o fizer ela pode demorar a retornar. É claro que, antes de tudo, aproveitar este momento significa ele ser aproveitado pela organização revolucionária da classe trabalhadora. A função de criar e estabelecer tal organização com influência entre a vanguarda da classe é ainda a tarefa número um do movimento revolucionário. Entretanto, isso não depende só da astúcia ou habilidade da esquerda, mas também de seu programa. Enquanto a esquerda mantiver seu programa social-democrata de meras propostas para supostamente gerir o Estado burguês melhor que a própria burguesia, a via para a construção de uma efetiva organização revolucionária entre a classe trabalhadora estará obstruída.