Assim Dilma Rousseff caracterizou as ações dos ‘black blocs’, em entrevista recente a rádios bahianas. Nas palavras da presidente, essas manifestações ‘destroem patrimônio público e privado, provocam ferimentos, machucam e mostram, não a civilização e a liberdade da democracia, mas a barbárie’.
Chama atenção a diferença entre o discurso atual da presidente e seu pronunciamento acuado no auge das manifestações, em junho. Naquela ocasião – embora atos mais violentos acontecessem com frequência muito maior por todo o país – a presidente condenava a violência mas aplaudia as manifestações, respondendo com uma série de promessas para acalmar as ruas.
Quatro meses depois, nada restou do ‘pacto’ então proposto por Dilma – a constituinte para a reforma política naufragou em 24 horas e se transformou em plebiscito que também não foi adiante, os investimentos maciços em educação, saúde e mobilidade urbana, tudo não passou de palavras ao vento. Quanto à ‘agenda positiva’ de Renan Calheiros e do Senado, que seria votada antes do recesso de julho – se é que alguém em algum momento levou aquilo a sério – já se sabe que nenhuma de suas propostas será sequer votada até o fim do ano.
Ao contrário do discurso conciliador de junho, a burguesia agora aproveita o momentâneo refluxo para atacar o movimento de massas, restringir direitos e perseguir manifestantes. Se naquele momento as ruas fizeram Geraldo Alckmin vetar o uso de balas de borracha pela PM paulista, no início de outubro ele pode discretamente reinserí-las no arsenal anti-manifestações.
Os governos e toda a imprensa fingem desconhecer a origem do ódio legítimo da juventude e fazem de tudo para taxar os manifestantes como bandidos. Toda a violência cotidiana a que a maioria é submetida – a corrupção impune, o caos dos transportes, a precariedade das escolas, a repressão policial, os acidentes de trabalho, o assédio dos chefes, a jornada extenuante, os baixos salários – tudo isso é abstraído e só resta ‘um bando de arruaceiros’ querendo ‘quebra-quebra’ e nada mais.
Na semana passada, a revolta da Zona Norte paulistana contra o assassinato arbitrário do jovem Douglas Rodrigues só foi respondida com mais repressão. A polícia atacou brutalmente os moradores – inclusive com armas de fogo, como mostram os vídeos no youtube –, acusou as manifestações de terem participação do PCC, e o governo estadual aproveitou para pedir apoio da Polícia Rodoviária Federal no policiamento da rodovia Fernão Dias.
O atual discurso policialesco de Dilma acompanha não apenas um endurecimento da repressão nas manifestações, mas uma intensificação do monitoramento de militantes e uma verdadeira campanha para que o poder Judiciário estabeleça penas mais severas.
No último dia 31, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se reuniu com os secretários de Segurança Pública de SP, Fernando Grella, e do RJ, José Mario Beltrame, para unir esforços na repressão às manifestações. A proposta é unificar os protocolos de ação das polícias militares e coordenar as inteligências estaduais e federal. Os secretários reivindicaram ainda do ministro uma revisão da legislação federal, prevendo penas maiores para os crimes de lesão corporal e dano qualificado – em que os manifestantes normalmente são enquadrados.
O discurso de Dilma fez coro com a reivindicação dos secretários de Segurança Pública. Segundo a presidente, as ações dos black blocs ‘têm que ser coibidas pelo executivo, através das suas polícias, e têm que ser coibidas pelo judiciário, que não pode tratar essas questões como sendo manifestações de pessoas democráticas – elas não são democráticas’.
Também estava convenientemente alinhado com a proposta o coronel da PM paulista Reynaldo Simões Rossi, que no papel de ‘vítima dos vândalos’ havia afirmado em depoimento à Rede Globo: ‘só uma mudança legislativa e um conjunto de ações que transcendam ações de polícia vão poder resolver esse problema’.
Duas semanas antes, dia 16, o governador Geraldo Alckmin havia reunido representantes da PM, Polícia Civil e Ministério Público de São Paulo numa força-tarefa para reprimir ações de ‘vandalismo’. Lembrando a retórica ‘anti-terrorista’ dos militares, o governo estadual pretende enquadrar manifestantes na Lei da Organização Criminosa, que prevê penas de 3 a 8 anos de prisão. ‘Eles são uma organização criminosa? Sim. E nossa função é provar isso’, declarou o diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais, Wagner Giudice.
Como se vê, a polícia, mesmo assumindo não ter provas, já toma de antemão os manifestantes como crime organizado.
Para onde vai o Brasil?
A volta das manifestações de massa após 25 anos trouxe definitivamente à tona a crise da dominação burguesa no Brasil. A democracia representativa burguesa se esgotou, com todas as principais forças políticas passando pelo poder e se mostrando como o mesmo. Toda a ilusão uma vez depositada no PT foi destruída pela história, e hoje nenhuma organização pode ocupar o seu lugar.
Por um lado essa situação apresenta, muito mais do que no período anterior, a possibilidade de construir uma organização revolucionária. A democracia burguesa, todos os seus partidos e instituições estão extremamente desgastados e desacreditados, e uma nova perspectiva pode ser apresentada para as massas.
Por outro lado, incapaz de governar como antes, a burguesia tende a usar cada vez mais a força para controlar a sociedade. Se a oportunidade histórica não for aproveitada, talvez em pouco tempo não seja nenhum exagero gritar de volta:
– Fascista!