Transição Socialista

Novo ciclo ou últimos sinais do velho?

As últimas pesquisas do Datafolha revelam uma tendência inquestionável. A probabilidade de Marina Silva vencer as eleições presidenciais deste ano é cada vez maior. Em apenas 11 dias (do dia 8 a 19 de agosto) Marina já havia superado 13 pontos percentuais de desvantagem que tinha em relação à atual presidente Dilma, empatando com esta que tinha a primeira colocação de maneira isolada. Nesses 11 dias Marina melhorou sua situação também no segundo turno. Se na pesquisa anterior Marina vencia Dilma com uma margem apertada de 4%, agora essa diferença aumentou para 10%. Na última semana Marina parou de crescer nas pesquisas, mas continuou mantendo a perspectiva de vitória no segundo turno.

Diante disso é fundamental perguntar o que significaria a vitória de Marina Silva. Parte da mídia, burguesa, ainda meio atordoada, coloca Marina como uma incógnita. Mas será que há em sua candidatura algo muito novo e desconhecido? Marina defende, por um lado, a ampliação do bolsa-família, do “Minha Casa, Minha Vida” e das PPPs (Parcerias Público- Privadas), todos programas petistas. Por outro lado, não satisfeita com os privilégios concedidos pelo PT ao grande capital, Marina promete, ainda, tomar medidas para aumentar a participação do capital bancário no sistema de crédito e conceder autonomia ao Banco Central, propostas amplamente defendidas pelos capitalistas. Como se vê, além de ser um pouco do mesmo daquilo que o PT vem fazendo, um eventual governo de Marina pode significar o aumento dos benefícios, já enormes, do governo ao grande capital.

Roberto Setubal, presidente-executivo do Itaú Unibanco, maior banco privado do país, não tem as dúvidas que parte da mídia burguesa possui. Setubal declarou no dia 03 de setembro que a vitória de Marina é uma “evolução natural” e “que poderá marcar um novo ciclo no país”. Que novo ciclo seria esse pensado por Setubal? Ele próprio responde: “são necessárias ações efetivas” para recolocar o país no rumo. Ou seja, para Setubal o Brasil já esteve no caminho certo com FHC e Lula, mas perdeu o rumo com Dilma. Isso fica claro quando o presidente do banco elogia esses dois governos e critica o atual. Em suma, para Setubal, Marina retomaria o caminho tucano/petista supostamente abandonado por Dilma.

Setubal parece se contradizer. Afinal, o ciclo representado por uma possível vitória de Marina seria realmente novo ou representaria o retorno do velho lulismo? O conselheiro econômico da campanha de Marina, Eduardo Giannetti da Fonseca, dá um claro sinal a esse respeito: caso vença as eleições, Marina será obrigada a governar com o PT e com o PSDB, afirma o economista. Ou seja, nada de muito novo se anuncia com Marina.

Entretanto, o que precisa ser explicado não é o apoio da burguesia à candidatura de Marina. Isso já é de domínio público. A atitude de Setubal demonstra que setores do capital já têm, em certa medida, o controle do mandato de Marina. O que precisa ser compreendido é o apoio de grande parte dos eleitores àquela que estava escondida atrás do falecido Eduardo Campos.

O que explicaria o fenômeno eleitoral chamado Marina Silva? Alguns explicam a força de sua imagem como produto de características comuns com outros dois expoentes eleitorais da história do Brasil pós-ditadura militar. Apesar de petista histórica, Marina aparece nessas eleições como uma candidata quase sem partido. Depois de militar por cerca de 30 anos do PT, depois de romper com esse partido filiar-se e candidatar-se pelo Partido Verde, depois de fracassar ao tentar legalizar a Rede de Sustentabilidade, Marina aparece atualmente sem forte vínculo partidário, tendo se filiado ao PSB há cerca de um ano, em outubro de 2013. Essa fragilidade partidária de Marina aproxima sua imagem àquela de Fernando Collor nas eleições de 1989, pretendendo assumir ares de renovação, o que, aliás, se adapta muito bem à aversão de boa parte da população aos partidos políticos, aversão essa já manifestada nos levantes de junho de 2013.

Além de passar à margem dessa repulsa aos partidos políticos, Marina possui a seu favor uma característica de outro fenômeno eleitoral pós-ditadura, o ex-presidente Lula. Tanto Marina quanto Lula tiveram infância pobre. Ela nasceu numa casa sobre palafitas em Seringal Bagaço, no interior do Acre, foi empregada doméstica, o que, como Lula, identifica Marina com milhões de pessoas que vieram do norte e nordeste do país tentar a sorte na região sul e sudeste.

Marina aparece como a candidata do “novo”, como uma suposta alternativa a esse capitalismo selvagem ao defender um “capitalismo sustentável”. Dilma não possui nenhuma dessas características. Ela representa a continuidade, está filiada a um dos maiores partidos do país e nasceu no sul do país.

No entanto, essas são apenas imagens ilusórias, reflexos enganosos projetados pelos personagens desse teatro eleitoral. Todas essas características da candidatura de Marina, apesar de garantirem boa parte da aprovação pública de sua campanha, acabam ocultando seu significado político mais profundo. Fundamentalmente, o sucesso de Marina representa a falência absoluta da burguesia em dominar a classe trabalhadora por meio de seus próprios representantes. Na última década a classe dominante tem sido obrigada a lançar mão de candidatos travestidos de esquerda. Vacila entre Marina, Lula e Dilma. Aécio, seu representante natural, representa quase nada.

Outro aspecto importante dessas eleições é o fato do PT poder ser derrotado por uma ex-petista, que chegou a ser ministra de Lula. Uma possível derrota do PT pode significar uma grave fratura no seu projeto de poder, cuja expectativa era a de se manter mais de 20 anos consecutivos no governo federal desde a chegada de Lula à Presidência da República em 2003. Uma derrota do PT significaria um relativo desmonte da burocracia estatal petista e sua substituição por outra, significaria uma relativa mudança dos grupos econômicos capitalistas que participam da partilha dos recursos do Estado brasileiro, o que traria à tona, inevitavelmente, novas e explosivas contradições entre diferentes interesses burgueses. Basta lembrar a denúncia de Roberto Jefferson em 2005 que, ao ser exposto como corrupto em esquemas dos Correios, abriu as profundas feridas do escândalo do mensalão.

Se o PT conseguiu soterrar a crise do mensalão, conduzindo-a para o local seguro dos tribunais burgueses, se o PT conseguiu se manter após as manifestações de junho de 2013, quando Dilma se equilibrava diante de uma queda de 50% na aprovação de seu governo, se o PT se sustentou no poder em meio a tudo isso, cabe agora perguntar se esse partido será capaz de superar o fenômeno Marina, uma concorrente que, pela primeira vez desde a década de 1980, impede o PT de atacar o adversário como sendo um ilustre representante da elite branca do sul/sudeste. A candidata branca da região sul agora é a candidata do PT.

Se o PT, com sua vasta burocracia sindical e partidária, não conseguiu tapar devidamente os poros pelos quais vazaram os inúmeros escândalos de corrupção da era Lula/Dilma, poderiam Marina e seu frágil partido impedir o aprofundamento desse processo, já em curso, de rápida degradação da imagem pública do Estado burguês? Ao invés de um primeiro sinal de um novo ciclo, como imagina Setubal, Marina representaria, talvez, os últimos sinais de um velho e moribundo ciclo, o ciclo de mais de 30 anos nos quais a classe trabalhadora esteve dominada pelo PT.