Eduardo Campos desejava construir, nesta eleição, a imagem da terceira via entre PT e PSDB. Em suas declarações, dizia que uma vitória sua “iria mandar Sarney e Renan para o oposição” como símbolo de que “a fartura em Brasília acabou”. Em sua última entrevista, um dia antes do acidente que o vitimou, Campos defendeu que os políticos deveriam “ouvir o clamor das ruas” de junho de 2013.
Por trás de suas palavras duras contra a “velha política”, por trás de seu chamado aos levantes de junho, arqueava-se um hábil estrategista político capaz de unificar um partido tão heterogêneo quanto o PSB, conciliando alianças regionais antagônicas como as firmadas em São Paulo e no Rio: PSDB e PT. Do mesmo modo, como explicar a costura com setores do agronegócio tendo como candidata a vice, Marina Silva? A elasticidade de Campos permitia também defender medidas populistas como o passe-livre para todos os estudantes do país e outras absolutamente voltadas para o grande capital, como o rígido controle da inflação e a autonomia do Banco Central. Sua habilidade fez dele, em certo momento do governo Lula, o preferido do ex-presidente para a eleição de 2018, ao passo que no início deste ano se tornaria aliado muito próximo de Aécio, contra o PT.
É certo, que em seu cálculo político, Campos considerava a espera por 2018 muito arriscada mediante o fracasso do Brasil dilmista. Sua habilidade e seu ecletismo podiam ser vistos com admiração – se encarados dentro dos parâmetros da política burguesa – e, de algum modo, rememoravam a capacidade de liderança de seu avô, Miguel Arraes, figura próxima de Jango e das célebres reformas de base; no entanto, tais ingredientes não o colocavam muito além de uma variante populista de Aécio, também herdeiro político de seu avô, Tancredo Neves.
Sua morte repentina o faz valer mais nesta eleição do que em toda a sua carreira política anterior, deixando, como seu legado, suas palavras e, assim, o benefício da dúvida: no poder, iria de fato ouvir o clamor das ruas? iria de fato enviar Sarney e sua corja para a oposição?
O último ato do candidato morto, seu velório em Recife, reuniu mais de cem mil pessoas, assumindo um caráter de comoção nacional, fazendo de suas palavras a promessa de um projeto quase messiânico a ser cumprido. Cabe à “dona Renata”, ao PSB e, sobretudo, à sua vice, Marina Silva a “providência divina” de tornar realidade as suas palavras.
A pesquisa do DataFolha desta segunda-feira, já demonstra o impacto deste desígnio. A eleição que parecia relativamente controlada, ou ao menos o jogo era jogado com a dupla PT-PMDB dando as cartas, agora abre-se franco, com uma única certeza: o 2o. turno. Isto por si só desestabiliza o aparato petista. No entanto, o legado de Campos vai além, Marina ultrapassou Aécio e, nas projeções de 2o. turno, venceria Dilma. Ainda que haja uma forte dose de comoção a ser neutralizada – como querer fazer crer as campanhas de Dilma e Aécio – o jogo eleitoral pende favorável para Marina. E seu ascenso relâmpago põe em prática a expectativa inicial de Campos ao formalizar a terceira via, absorvendo parte dos votos nulos e indecisos.
O que esperar de Marina? É difícil dizer, pois, como Campos, ela é uma criatura política gestada sob o lulismo, mas que foi dele separado. Se Campos teve oportunidade prática de mostrar os seus traços característicos, Marina hoje nem sequer tem um partido, a REDE vive como um corpo estranho no PSB, colocando em evidência sua fragilidade organizativa. Do ponto-de-vista programático, Marina vem de um neo-populismo ancorado no discurso sobre a ecologia e as práticas sustentáveis. Muito pouco para que a juventude e a classe trabalhadora tenham aí uma ferramenta de luta. Basta recordar que na Europa, onde os “verdes” existem desde a derrota de maio de 1968, o que se viu foi seu apoio, nos momentos de crise recente, às reformas e cortes que atingem aos trabalhadores e retiram, sobretudo, aos jovens qualquer perspectiva de futuro.
Ainda assim, é preciso reconhecer o caráter excepcional que este pleito passa a ter, sobretudo se pensarmos que PT e PMDB entram no ringue acuados e representado o papel daquilo tudo a ser descartado, sem que, no entanto, exista uma transição segura e absolutamente controlada – representada pela candidatura de Aécio Neves. Mais do que uma terceira via, Marina é empurrada pelas forças das circunstâncias a um papel de salvador que nem mesmo ela poderia esperar. O que virá, então? Provavelmente novas contradições que Marina, a Rede e o PSB dificilmente conseguirão superar.