Transição Socialista

Os 25 anos da constituição “cidadã”

Na semana passada fez aniversário de 25 anos a Constituição Federal promulgada em 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”. Em solenidade na OAB de Brasília no começo deste mês estiveram presentes e foram homenageados Luis Inácio Lula da Silva, Michel Temer, José Sarney, Mario Covas Neto, Nelson Jobim, entre outros. Lula, cujo partido votou contra a aprovação da constituição em 1988, afirmou que esta representou “o encontro do Brasil com a democracia”.

Entretanto, uma semana após a solenidade em Brasília, a dois jovens presos em São Paulo, acusados de participar do Black Bloc, foi imputado crime de acordo com a Lei de Segurança Nacional, redigida no período militar. Tal lei prevê, entre outros absurdos, julgamento dos acusados por tribunal militar. O caso, que não foi adiante, chamou a atenção por revelar alguns dispositivos legais bem camuflados entre a retórica humanista de 1988.

Uma semana após a solenidade em Brasília, a Polícia Militar realizou novas apreensões de computadores, celulares, pen-drives etc. na casa de uma dezena de jovens cariocas, acusados de serem membros dos Black Blocs. O crime da maioria deles foi ter participado das passeatas em apoio à greve dos professores cariocas. Nesta operação, diferentemente da anterior (pós 7 de setembro), os jovens não foram presos, “apenas” fichados e interrogados.

Uma semana após a solenidade em Brasília, revelou-se que Amarildo de Souza, o ajudante de pedreiro carioca desaparecido, fora realmente sequestrado, torturado e morto pela Polícia Militar. Revelou-se existir outro “Amarildo”, ainda desconhecido, que passou pelas torturas da UPP no mesmo dia. Quantos existirão? Para piorar, revelou-se que o Major Edson Santos, na época comandante da UPP, buscou combinar os depoimentos dos PMs envolvidos para forjar uma história e livrar-se.

“Encerramos, em 5 de outubro de 1988, uma longa noite de atritos neste país”, afirmou Lula, de forma hipócrita, na solenidade em Brasília.

A longa noite de atritos, na verdade, nunca acabou neste país — e isso se deve, em grande parte, a Lula e ao PT. Ela se manteve para a maioria dos trabalhadores brasileiros, sobretudo para os operários, que apesar da retórica e da politicagem de Lula continuaram a trabalhar cada vez mais, incessantemente, sob ritmo e pressão crescentes, numa ditadura permanente do capital. Marx afirmou certa vez: dentro da fábrica “só se admite a negócios”, lá não regem leis democráticas ou constituições, apenas a lei da exploração do capital, o assedio e o terror por mais trabalho.

Mas a longa noite podia realmente ter acabado, fosse outro caminho tomado entre 1978-1982. Lula e o PT monopolizaram a disposição de luta dos trabalhadores e a voltaram para uma não contradição com o capital; bloquearam a construção de uma alternativa revolucionária independente, garantindo a transição sem maiores dificuldades entre o moribundo regime militar e a natimorta democracia. Com essa oposição leal, constitui-se a farsa dos anos subsequentes, desde a campanha pelas Diretas-Já (emenda Dante de Oliveira) em 1984 até a Constituinte de 1987/88.

O que não se comenta, entretanto, é que importantes intelectuais — como o historiador e marxista francês Pierre Broué — julgavam ser possível a transição socialista naquele final da década de 1970 e começo de 1980. Julgavam que no Brasil não era necessária uma “transição democrático-burguesa” e era possível naquele ascenso a criação de Conselhos Operários para a derrubada do poder burguês, assim como a formação de um partido revolucionário independente. Infelizmente essa posição foi minoritária entre a esquerda, que ainda hoje reluta em fazer autocrítica — quando não é saudosista ou busca parodiar aqueles feitos.

Se a longa noite se manteve no local mais importante para o capital — dentro da fábrica — é evidente que hoje se espalha para toda a sociedade. Isso é de inteira responsabilidade desses senhores homenageados, que, cientes disso, se necessário, não hesitarão um segundo em fazer cair (feito um viaduto) a tarde do Brasil. Mas hoje, quando se esgota o ciclo democrático-burguês iniciado na década de 1980, é novamente possível escolher entre a manutenção da longa noite ou a aurora socialista, basta saber lutar no escuro.