A última semana foi marcada por novas manifestações que terminaram com forte repressão policial. Professores das redes estadual e municipal de vários estados, muitos em greve, aproveitaram o dia do professor para cobrar maior valorização do ensino por parte dos governos. No Rio de Janeiro, a passeata terminou em violência da polícia contra os black bloc. O resultado deste que pode ser considerado um dos protestos mais tensos desde o início das manifestações de junho, é um jovem baleado, 190 pessoas detidas, das quais 64 foram presas. A polícia precisou de quatro ônibus para levar os manifestantes a diversas delegacias.
Em São Paulo, o sindicato dos professores (Apeosep) se restringiu a organizar uma festa. Coube aos estudantes da USP saírem às ruas para protestar. Os estudantes ocuparam a reitoria, entraram em greve, fizeram barricadas empilhando cadeiras nas portas das salas e trancaram alguns portões de acesso à universidade. Eles exigem eleições diretas para reitor e a saída da Polícia Militar do campus. Assim como no Rio, a polícia reprimiu a manifestação quando jovens ligados ao black bloc passaram a pichar algumas paredes. Foi aí que o confronto começou, terminando com 56 detidos.
Como se vê, os black bloc têm se integrado a várias manifestações. Mas o que é, afinal, o black bloc? O black bloc não é uma organização, mas uma tática utilizada por vários grupos que não mantêm, necessariamente, estreita ligação entre si. A própria forma de ação varia entre um grupo e outro. Pode haver vários grupos black bloc dentro de uma única manifestação. Uma identidade entre eles é a postura anticapitalista. Outra característica comum é o fato de não usarem armas de fogo. Objetos simples, muitas vezes encontrados pelo caminho, são transformados em armas improvisadas (pedras, extintores de incêndio, placas de trânsito, vergalhões de aço encontrados em canteiros de obras, etc.).
O termo black bloc surgiu como tática de autodefesa na década de 1980, quando grupos de jovens alemães empobrecidos passaram a ocupar prédios vazios e serem, por isso, duramente reprimidos pela polícia. Durante mais de uma década os diversos grupos que surgiram mantiveram ações isoladas. A grande aparição pública dos grupos adeptos à tática do black bloc ocorreu somente em 1999, na manifestação contra a OMC (Organização Mundial do Comércio) em Seatle. De lá para cá, a tática foi se espalhando pelo mundo, tendo surgido com mais força no Brasil durante as manifestações de junho deste ano.
A tática da ação direta violenta faz parte da história de luta de classes. Os jacobinos, compostos por pequeno-burgueses que, nos fins do século XVIII, lutavam pelo extermínio dos nobres, agiam dessa forma. No século XIX o movimento blanquista defendia que a revolução se daria através de um golpe de Estado violento realizado por um grupo relativamente pequeno de conspiradores altamente organizados de maneira clandestina, promovendo, também, ações de violência direta. Na Rússia, o grupo Narodnaia Volia (Vontade do Povo), composto por jovens burgueses unidos pelo ódio à autocracia, organizou vários atentados contra autoridades, chegando a assassinar o czar Alexandre II em 1881.
Como se vê, os ancestrais da burguesia, esta burguesia que atualmente acusa os black bloc de violência contra seu patrimônio, somente se tornaram classe dominante por meio do uso de muita violência contra as outras classes, não apenas contra aquelas que a dominavam, mas também contra aquela que tentava dela se libertar, a classe trabalhadora. Afinal, o que dizer de guilhotinar reis, o que dizer de incendiar camponeses nas cabanas que se recusavam a abandonar? Comparada com a violência que conduziu a burguesia ao poder, a violência realizada pelos black bloc representa uma brincadeira infantil.
O que incomoda a burguesia não é o uso da ação direta violenta em si mesma. Esta forma de ação é sua velha conhecida. Não lhe pode causar maior espanto. O que a incomoda é o fato desta ação ter assumido nova forma. O que agora está sendo violentado não são reis, czares, camponeses ou artesãos medievais, mas a própria propriedade capitalista.
Analisando a ação dos black bloc no interior de um processo histórico mais longo, ela só pode ser compreendida como a reação de uma juventude sem qualquer perspectiva de vida no capitalismo, uma reação à violência aberta realizada cotidianamente pelo Estado burguês. Mas a reação dos black bloc representa ainda as primeiras formas da violência revolucionária, carregadas de certa inocência juvenil, representa apenas os primeiros sinais da violência definitiva realizada pela classe operária, da violência que, usando uma expressão de Marx, é “a parteira de toda a velha sociedade que está prenhe de uma nova”. A violência utilizada pela burguesia durante séculos está se voltando contra ela própria.
Os burgueses, ao verem jovens da favela de Manguinhos (RJ) atacando a sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) e carros policiais (conforme foto acima) exclamam, indignados, por meio de seus porta-vozes: “Que juventude violenta! Atacam o patrimônio! Vândalos!” Esses senhores esquecem que esse “patrimônio” foi, nesta semana, instrumento de tortura e assassinato cruel e covarde de um jovem de 18 anos, Paulo Roberto Menezes.
No entanto, para esses ilustres senhores isso não importa. Afinal, o que significa a vida de um jovem da periferia se comparada a suas vitrines, seus bancos, seus luxuosos carros e todas as coisas que compõem seu valioso patrimônio? Para eles a vida desse jovem não vale nada. Nessa sociedade caótica, decadente e esquizofrênica, nessa sociedade criada e defendida por esses ilustres senhores, as coisas passaram a ter mais valor que a vida humana.
Uma declaração do integrante de um grupo black bloc pode servir para ensinar estes senhores: “Não somos violentos, jamais atacamos pessoas”…
O desenvolvimento dos black bloc no Brasil pode representar o anúncio de novos tempos e pode anunciar, contraditoriamente, tempos menos violentos.