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A imagem com que Bolsonaro se elegeu se estilhaçou definitivamente entre amplos setores populares. Ainda que nem todos protestem, agora praticamente ninguém mais põe a mão no fogo pelo presidente. A divulgação dos escândalos com vacinas, somada aos atos do dia 03/07, cristalizou um novo humor público geral, um novo consenso social contra o presidente. A última pesquisa realizada nos dias 7 e 8 de julho pelo Datafolha indica a maior queda de popularidade do governo desde o início de seu mandato. Hoje, 70% da população acha que Bolsonaro é corrupto e a rejeição do presidente atingiu 51%.
Entretanto, percebe-se também nas ruas, agora, um limite. Ao que parece, os atos, em tal formato, não crescerão muito mais. A dimensão da população com potencial de ir às ruas, todavia, não se esgotou. Apesar de ninguém mais pôr a mão no fogo por Bolsonaro, parcelas significativas dos trabalhadores ainda estão neutras, não se manifestam. Por que? Teria sido atingido um limite máximo, objetivo, desse tipo de pauta “política” (o impeachment)?
Pensamos que não. Na realidade, a história recente comprova que não. Os dois primeiros atos contra Dilma, em 2015, foram maiores do que todos os atos até agora contra Bolsonaro. Sobretudo em São Paulo, a presença das periferias foi maior. E eram atos tão “meramente políticos” – pela queda de Dilma – quanto estes. Por que então esse setor social não se movimenta agora?
Em primeiro lugar, é evidente, há ainda um temor quanto ao vírus da Covid. Uma parcela significativa da população ainda não se vacinou e tem ainda relativo receio de protestar. Soma-se a isso a acelerada degradação das condições de vida da maioria da população, com o aumento acintoso da miséria. O grosso da população tem hoje menos recursos para se dar ao luxo de ir numa manifestação de final de semana, bem como está mais esgotado por condições de trabalho pioradas.
Mas há, também, um fator claramente político: um grosso setor dos trabalhadores ainda se encontra paralisado, em confusão política. A parcela dos “bolsonaristas arrependidos” nos atos ainda é pequena (e possivelmente mais concentrada em camadas mais bem remuneradas dos trabalhadores, “profissionais liberais” etc.). Como a chamada “esquerda socialista”, dita de oposição ao PT, se negou a disputar o legítimo ódio popular contra Dilma em 2015 e 2016, a chamada “direita” (em geral, grupos que nem existiam) cresceu rapidamente, elegeu representantes etc. Hoje, quando a “direita” vai à falência, se desmoraliza (ainda bem!), a “esquerda socialista” simplesmente não tem laços com amplas camadas da população trabalhadora; e não é por isso capaz de fazê-la tirar mais rapidamente conclusões sobre toda a história recente. O processo de vinda de amplos setores da classe trabalhadora para protestos contra a “direita” demora mais do que deveria. Os erros no passado, a capitulação ao PT, cobram alto preço, inclusive trazendo o risco deste movimento ser derrotado.
Alguns agrupamentos defendem que os atos devem ser puristas, só da suposta “esquerda”, e apoiaram ações como as praticadas pelo PCO no último ato nacional – a agressão de meia dúzia de militantes do PSDB, em SP, e à militantes do PDT, em Santa Catarina.
É preciso que fique claro: esse tipo de esquerdismo certamente atrapalha a massificação dos atos. A questão fundamental do momento é aplicar a tática da frente única para derrubar Bolsonaro. Para derrubar o presidente, hoje, é válida a unidade com todos os setores, mesmo liberais, na medida em que trazem mais gente para as ruas. Derrubar o presidente é uma tática correta pois faz crescer a confusão no seio da burguesia; fragiliza sua dominação como classe, e, por tudo isso, cria melhores condições para a luta proletária.
O critério usado por aqueles que rejeitam estar ao lado de partidos de direita é absolutamente falso, pois parte da ideia de que o PT é de esquerda. O PT, que governou o Estado federal capitalista brasileiro por mais tempo que o PSDB, que no poder controlou a classe trabalhadora e os “movimentos sociais” como em décadas não se via (permitindo o maior grau de exploração dos trabalhadores pelo capital desde o “milagre econômico” da ditadura militar, como comprovam os dados de produtividade), que militarizou as favelas cariocas, que usou o exército no Haiti, que usou Lei de Segurança Nacional contra manifestantes em 2013 e 2014, que triplicou a população carcerária, que bateu recordes de desmatamento da Amazônia, que fez com que os banqueiros e industriais “lucrassem como nunca”… Esse partido não pode ser considerado de “esquerda” por alguém com o mínimo de compromisso com a realidade! O PT é um partido de direita, burguês, plenamente capitalista.
É preciso dizer claramente: aqueles que hoje apoiam tais ações esquerdistas corroboram para manter Bolsonaro no poder até 2022. Todo o desejo dos setores oportunistas e subservientes ao PT é que não haja impeachment e que Lula concorra com Bolsonaro nas eleições de 2022 (pois contra outros candidatos, Lula corre grande risco de perder). Na verdade, tais setores, quando falam de “perda de independência de classe” na ida às ruas com setores liberais são na verdade o que querem um governo do PT, espaço nesse governo, verbas desse governo. São, na verdade, os mais dispostos à venda da independência da classe trabalhadora. O PCO assume a maior coerência entre esses grupos, pois tem a coragem de expressar claramente sua subserviência ao PT (levando sua repulsiva faixa “Lula presidente”).
Os lutadores honestos que hoje são tragados para a confusão política deliberada e provocada pelos oportunistas de plantão, devem hoje se perguntar no que resulta a sua política: no apoio à tática petista, de sangrar Bolsonaro até 2022 (fazendo cálculos eleitorais em cima de centenas de milhares de mortos) ou na derrubada efetiva e imediata de Bolsonaro pela pressão das ruas e dos locais de trabalho.
Se o movimento hoje tem risco de estagnar, é preciso refletir seriamente sobre como resolver tal problema. Além de quebrar o esquerdismo, é preciso preparar conscientemente um salto de qualidade do conjunto do movimento. Isso consiste em buscar os setores mais amplos de trabalhadores onde eles estão.
O movimento atual das ruas deve ser utilizado conscientemente para ajudar a colocar em movimento os batalhões da classe trabalhadora. Não há contradição entre lutar pelo impeachment e batalhar para que as categorias da classe trabalhadora entrem em movimento. Nada impede, inclusive, que à pauta do impeachment se somem pautas prementes do conjunto do proletariado, como a luta contra a reforma administrativa de Bolsonaro (que ataca violentamente os servidores públicos), seja a luta contra a carestia de vida em geral, que atinge graves proporções (inflação, demissões, desemprego etc.).
Nessa situação, é preciso ser realista. O que está colocado como possibilidade no horizonte não é uma “greve geral”. Essa palavra de ordem, que na tradição marxista antecede a própria tomada do poder, é a paralisação do conjunto dos trabalhadores por vários dias, assentando um golpe quase mortal no poder oficial. Isso não é possível hoje na dimensão da contradição dada pela conjuntura e na ausência de formas de poder proletário.
O que está colocado como possibilidade real hoje ainda é mais modesto: a paralisação nacional de um dia. Inicialmente uma, mas a se replicar até colocar a classe trabalhadora em movimento, criando novas possibilidades. Como exemplo, temos as paralisações que ocorreram contra Temer. Agora, entretanto, elas podem se fundir com um verdadeiro movimento de massas nas ruas (algo que antes praticamente inexistiu). A junção desses dois fatores – paralisações nos locais de trabalho e movimento de massas nas ruas – pode criar algo de impacto social absolutamente novo, não visto nos últimos muitos anos.
A bola está com as frentes que organizam os atos contra Bolsonaro. Elas são compostas por grandes e poderosas centrais sindicais. Se elas realmente quiserem derrubar o presidente, este é o momento. E ele passará (e talvez não retorne). A economia pode se aquecer relativamente nos próximos meses (com a melhora de setores represados pela pandemia), devido ao avanço da vacinação, e o calendário eleitoral pode se impor como fato consumado em poucos meses. Isso tudo pode impedir na prática, em pouco tempo, a retirada do presidente.
Agora é o momento de agir, dar o salto de qualidade, levar o movimento das ruas para os locais de trabalho. As atuais frentes já têm capacidade para isso. Se não o fizerem, passarão claramente o seguinte recado à nação: “preferimos lidar com Bolsonaro na urna”. Todo seu protesto contra Bolsonaro, nos últimos anos, se mostrará falso.
Impeachment já!
Bolsonaro na prisão!
Abaixo o esquerdismo que quer esvaziar os atos!
Parar os locais de trabalho contra Bolsonaro e a carestia de vida!