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Bolsonaro quase foi eleito no primeiro turno graças aos petistas. Bolsonaro é produto dos petistas. Toda vez que Dilma estava ameaçada de cair pelo ódio legítimo da população trabalhadora, o PT agitava o espantalho do “fascismo”. A função desse espantalho era assustar a esquerda e impedi-la de ter uma ação independente do PT; impedi-la de somar-se à revolta popular contra o PT e assim criar uma alternativa de verdade no país.
No vazio da esquerda, a chamada “direita” cresceu. Mas, no espectro partidário, não se trata de uma direita consistente, e sim de setores desclassificados, corrompidos, aventureiros, oportunistas. Já do ponto de vista social, trata-se do proletariado, revoltado com o regime democrático burguês. Basta ver que a maior parcela do voto a Bolsonaro foi do setor social que recebe de 2 a 5 salários mínimos, ou seja, a massa trabalhadora brasileira que mal reproduz sua própria força de trabalho. Não se trata de “fascismo”, que, aliás, não tem bases materiais e sociais tão consistentes em nosso país devido à sua formação econômica, ou seja, à pouca relevância de uma ‘classe pequeno-burguesa consistente. O grosso do voto em Bolsonaro não é um movimento da pequena-burguesia, pequena proprietária, para extermínio das organizações revolucionárias e comunistas de esquerda (até porque estas praticamente inexistem), mas um apoio político do proletariado, de característica eleitoral, volúvel e volátil.
O regime democrático-burguês e o PT se confundem. O PT tornou-se cedo a alma deste regime democrático. Por trás de Collor, de Itamar, de Sarney, de FHC, esteve sempre o PT atuando na política fundamental, a política mais importante, a da luta de classes, paralisando a classe trabalhadora.
A transição fria e sem percalços do regime militar para o regime democrático-burguês só foi possível graças ao controle social que o PT e a CUT exerceram sobre a classe trabalhadora. O PT controlou a temperatura da luta de classes, sobre a qual repousou o regime. Cada regime político corresponde a um grau de violência, a uma temperatura da luta de classes, e essa temperatura emana dos conflitos e tensões no local da produção, no processo de trabalho, na exploração cotidiana. Aí está a verdadeira política — o resto é teatro e cretinismo parlamentar.
A classe trabalhadora, desde a fratura social de junho de 2013, que iniciou a queda do PT, vem ascendendo em greves cada vez mais numerosas e mais “econômicas”, em defesa de suas condições de vida, ultrapassando a vontade das burocracias sindicais. E a panela de pressão apita: para além do descontentamento no local de trabalho, as ruas estão cada vez mais cheias, repentina e inesperadamente demais para a burguesia. A ascensão só não é mais rápida porque praticamente inexiste um partido revolucionário e um movimento sindical combativo no Brasil (devido ao PT).
Mas retornemos: a falência do PT, expressa nas eleições de 2016, confirmada nesta atual, leva necessariamente à falência conjunta do regime democrático-burguês. Seja como aparente coadjuvante (na oposição), seja como protagonista (no governo), o PT foi a coluna vertebral do regime democrático-burguês. Eis por que a polarização hoje é entre petismo e anti petismo. Não é entre petismo e psdbismo ou qualquer outra coisa. A verdade deste período histórico se revela a nu. Todos os coadjuvantes do PT vão para a lata de lixo da história, junto com este regime. E como o PT é a alma do regime, é ele quem produz e controla os elementos de negação do regime. Ele se diferencia de si mesmo, projeta para fora de si a sua própria imagem autoritária idealizada, encarnada em outro ser (Bolsonaro/PSL), para depois melhor se realizar ele mesmo, PT, nesse novo autoritarismo ideal. Pai, filho e espírito santo.
A negação do regime democrático-burguês, por parte da burguesia, tem de ser mais autoritária. A temperatura da luta de classes exige um regime com tendências bonapartistas. Não dá mais pra aguentar, pensa a burguesia, massas surgindo na rua semi-espontaneamente algumas vezes por ano. Foi assim com as ocupações de escolas, foi assim na morte da Marielle Franco, foi assim com o apoio social à greve do caminhoneiros, foi assim até, em parte, no #elenão (mais sequestrado pelos petistas, mas de amplitude social inegável). O fantasma de junho de 2013 retorna. Não dá pra aguentar, pensa a burguesia, a “indisposição” crescente da classe trabalhadora nos locais de trabalho, que “atrapalham” ou “atrasam” o “aumento da produtividade” (leia-se, exploração). Antes um fim com terror do que um terror sem fim, pensa a burguesia.
O PT, por ser ele próprio quem produz a negação deste regime, por ser quem criou o espantalho bufão Bolsonaro, é quem tem melhores condições para realizar a transição do falido regime democrático-burguês para um regime autoritário. Ele tem os sindicatos, verdadeiras máfias controlada por gângsters; tem um partido enorme, com enraizamento social em diversas estruturas do Estado, em todos os seus âmbitos; tem parlamentares em grande número e rabo preso com a escória partidária nacional, todos envoltos em corrupção, cúmplices nos mesmos processos e irmãos em necessidades escusas.
Se Haddad for eleito, tudo será feito para reverter a prisão com condenação em segunda instância. Haddad na presidência do país e Toffoli na presidência do STF, secundado por Lewandowski e Gilmar Mendes, farão o grande lobby. Assim, Lula será solto até o final de 2019 e se tornará um super-ministro de Haddad, que assumirá finalmente, sem subterfúgios, o papel de fantoche. A vingança de Lula será maligna. Alguém acha que o PT e Lula não caçarão todos aqueles que, em todas as instituições, lhe caçam hoje? Alguém acha que o PT será democrático, republicano? Pura inocência. É questão de sobrevivência: matar ou morrer. E, para os petistas, a questão é material: é o dinheiro que corre o Estado e que lhes alimenta. Nenhuma burocracia abdica de suas posições materiais por convencimento, nem deixa de lutar por elas como por sua vida.
“Hoje é o dia da caça, amanhã o do caçador” — canta Lula todo dia em sua prisão em Curitiba.
Ministério Público Federal — o “quarto poder” — algo eminentemente democrático-burguês, republicano, será devassado. Os juízes de baixo escalão (“juizecos”, falam os amigos de Lula), como Moro, serão perseguidos. O baixo escalão dessas coorporações é o mais próximo socialmente da população trabalhadora, e, por isso, sofreu o impulso de 2013. Bem como sofreram os parlamentares que derrubaram Dilma, a maioria deles da base partidária do PT (inclusive Bolsonaro).
As massas proletárias expressaram em 2013 o cansaço com o regime democrático-burguês, essa ditadura do capital disfarçada. Já os setores pequeno-burgueses instalados no Estado, pressionados pelas massas proletárias, expressaram o receio diante da transformação de regime em perspectiva, que se desenha no horizonte. Essa burocracia também não quer perder suas bases materiais, e percebe que a transformação do regime democrático-burguês em regime autoritário-burguês — a “venezuelização” do Brasil — lhe custará caro.
A principal diferença entre PT e Bolsonaro é que as propostas autoritárias do PT são mais factíveis e realizáveis, e as de Bolsonaro aparecem como delirantes. Mourão, vice de Bolsonaro, fala de fazer uma “Constituição de notáveis”, enxuta como a norte-americana. É estúpido, não apenas porque o modelo constituinte dos EUA, altamente federalizado, não condiz em nada com a tradição brasileira, mas também porque tal proposta aparece como sem sustentação social mínima. Já Haddad, que não é tão burro, fala de fazer uma constituinte mas esconde os notáveis; de forma mais habilidosa não desmoraliza a própria proposta.
Do ponto de vista econômico, qual a grande diferença? Paulo Guedes é da mesmíssima escola econômica de Joaquim Levy, ex-ministro da fazenda de Dilma. E lembremos: todas, absolutamente todas as propostas nefastas de reformas de Temer (previdência, trabalhista, teto de gastos etc.) são, na realidade, propostas de Dilma e de Levy. E são essas reformas que Paulo Guedes quer continuar e aprofundar. A única diferença é que até Joaquim Levy era intelectualmente mais destacado do que Paulo Guedes, considerado medíocre nos seus próprios meios. Aqui, como em tudo, Bolsonaro e seu time aparecem como menos competentes, como um bando de trapalhões (mais do que Dilma e sua trupe!), Mas alguém em sã consciência acha que o programa econômico de Haddad dará uma guinada à esquerda? Até o coitado do Márcio Pochmann já foi escanteado, num aceno ainda mais claro de Haddad aos mercados…
“Ah, mas e quanto à violência? Bolsonaro é um pregador aberto do ódio, um defensor da polícia que mais mata no mundo. É carta branca para a polícia matar”. E por acaso a polícia já não tem carta branca para matar? E o número de jovens negros encarcerados não triplicou nos anos do PT? E não foi o PT quem treinou o exército no Haiti só para invadir militarmente as favelas brasileiras (invasão cujo resultado final é exatamente a intervenção militar permanente que hoje vive o Rio de Janeiro)? “E quanto aos direitos das mulheres?” Ora, não foi Dilma que vetou a legalização do aborto?
A verdade é que Bolsonaro é uma cópia mal-feita do PT. Ele fala o que o PT não tem coragem. Mas o PT faz o que Bolsonaro talvez não consiga. Veja-se que o partido de Bolsonaro está em frangalhos mesmo antes de ser eleito. No estado de SP, a secretária-geral acabou de ser afastada de seu cargo. No MS também ocorreu algo similar. O general Mourão e o Paulo Guedes receberam um “cala-boca” de Bolsonaro. A este só lhe resta sua própria família como núcleo de confiança. Nem o presidente do partido é de total confiança. O partido está infestado de oportunistas e vigaristas da pior espécie. E mais: se eleito, Bolsonaro terá necessariamente de se coligar a outros gânsgsters do centrão para governar. Senão, será derrubado. Tomará mais muitas “facadas”, pois a chantagem será permanente. O toma-lá-da-cá continuará. E quando tiver de fazer a reforma da previdência? Sua base social, num país já dividido — com metade da população querendo derrubá-lo —, diminuirá ainda mais.
O baixo escalão do lumpensinato político tomará o poder com Bolsonaro, mas essa já era a tendência com o PT. Isso já estava em grande medida realizado pelo PT, cuja ação política resultou em Eduardo Cunha. Bolsonaro é um fraco príncipe do lumpemproletariado. Lula é mais competente, é o rei, o imperador.
Se Haddad vencer, o país ficará ingovernável já no primeiro dia, pois hoje o antipetismo, cuja raiz é 2013, é mais dinâmico do que o petismo. Se Bolsonaro vencer, o país se acalmará por curto tempo; as massas terão curta experiência com Bolsonaro e logo se descontentarão. Um pouco como a população da cidade de São Paulo hoje odeia João Dória, que venceu Haddad no primeiro turno de 2016 (e é possível que esse ódio faça com que João Dória não seja eleito governador neste segundo turno. Tomara!). Se Bolsonaro entrar, o país deve esfriar por pouco tempo, mas nada será resolvido. Um pouco corno aconteceu quando Dilma caiu. A população deu uma trégua a Temer, mas isso durou pouco e logo preparou-se sua queda, que só não ocorreu porque as grandes centrais sindicais, a começar pela CUT, não deixaram. Bolsonaro, se eleito, só não será derrubado se a CUT e o PT (com ajuda de seus satélites) controlarem as massas.
Ainda que vejamos um risco autoritário igual ou até maior no PT do que em Bolsonaro — enquanto algo mais consistente, capaz de ser efetivamente realizado no médio prazo —, nós obviamente não votaremos em nenhum desses partidos.
Primeiro porque a tarefa fundamental de nossa época histórica é construir um partido revolucionário, algo que o PT impede e bloqueia há décadas no Brasil. Não caímos na chantagem do PT até hoje, e não é agora que cairemos. Não estamos impressionados com os fenômenos, nem com medo. Marx falava que a dialética é revolucionária porque ela não se deixa impressionar por nada e capta as coisas no fluxo do seu movimento.
Em segundo lugar, não votaremos em nenhum deles porque a crise social que está para se abrir, com a tendência de mudança de regime, é imprevisível, e é impossível ter clareza de qual dos dois candidatos acelerará o caos. As condições são péssimas, adversas. Temos de tirar o atraso da construção do partido antes que o caos se instale, senão não há chance histórica para o proletariado.
A única coisa que é possível saber é que a mudança de regime não passará sem percalços. A crise econômica mundial que se avizinha, que acertará em cheio a economia brasileira já totalmente paralisada, abrirá o abismo em meio à tendência de transição de regime. Em condições assim, uma brecha única e histórica para o proletariado e sua vanguarda poderá surgir. Nós não estaremos amarrados ao PT — e essa é condição fundamental para apresentar uma saída para a classe trabalhadora.
Nós teremos as mãos livres. E nos prepararemos para derrubar o próximo governo, venha quem vier.
Nem Haddad, nem Bolsonaro! Voto nulo por um partido revolucionário!