Transição Socialista

A questão de Cuba e a “unificação” de 1963

O documento abaixo foi publicado no livro Trotskyism versus revisionism: A documentary history, volume IV, New Park Publications, Londres, 1974. Trata-se de importante texto, no qual Gerry Healy — em nome do Comitê Central da Liga Socialista dos Trabalhadores (Socialist Labour League, SLL), na época seção inglesa do Comitê Internacional da IV Internacional — refutava as posições de Hansen e do Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party, SWP), na época a seção dos EUA. Em 1963, o SWP se unificou com os seguidores de Michel Pablo. O documento mostra como Hansen e o SWP, abandonando os princípios de 1953, capitulavam diante do castrismo, reconhecendo em Cuba um Estado Operário. São particularmente importantes os argumentos metodológicos de Healy. Mostrava o dirigente inglês que todas as análises de Hansen são embasadas no mais rasteiro empirismo e como este desemboca no oportunismo político.

Oportunismo e Empirismo

Comitê Nacional da Socialist Labour League, 23 de março de 1963.

Apenas aprendendo a assimilar o resultado do desenvolvimento da filosofia nos últimos dois mil e quinhentos anos é que ela [a ciência econômica] estará apta a livrar-se, por um lado, de qualquer filosofia natural e isolada, estranha e externa a ela, assim como, por outro lado, do seu mesquinho método especulativo, herdado do empirismo inglês.

Nesta passagem fica claro como Engels considerava o empirismo uma barreira à concepção dialética de mundo. O discurso de Hansen sobre o “empirismo consistente” é absolutamente absurdo. A tese central do empirismo, a confiança nos “fatos conforme eles são percebidos”, é inconsistente.

O empirismo — e seu irmão caçula do outro lado do Atlântico, o pragmatismo — recusa-se a admitir a possibilidade de responder à questão: “qual é a natureza do mundo exterior objetivamente existente?” Assim, eles abrem caminho para o idealismo subjetivo, que explica o mundo a partir da opinião individual. O empirismo, ignorando a história da filosofia, rejeita a teoria dialética do conhecimento, como se esta fosse “metafísica”. Apenas a visão materialista dialética pode explicar o mundo, porque ela inclui uma explicação materialista do desenvolvimento dos nossos conceitos, bem como do mundo material que eles refletem. O empirismo deve ser rejeitado e não tornado “consistente”. Há muitos aspectos nesse erro metodológico de Hansen. Em seus últimos escritos, Trotsky advertiu a direção do SWP sobre a necessidade de realizarem um esforço teórico contra a filosofia “americana” do pragmatismo, o desenvolvimento mais recente do empirismo; se isto não fosse feito, afirmava Trotsky, não  haveria um desenvolvimento real do marxismo nos EUA. Hoje, Hansen e Cannon  estão “confirmando” as advertências de Trotsky de modo negativo. Nas discussões que dizem respeito ao futuro da IV Internacional, Hansen lidera a tendência que defende a “unificação” — em cima de um acordo político puramente prático nas tarefas mais imediatas — com uma tendência revisionista. Partindo desse ponto de vista, ele se nega a examinar a história da cisão[1] e as diferenças entre as tendências. Isso é apenas parte da substituição das análises científicas pelo impressionismo (veja Trotskyism Betrayed e a resposta de C.S. ao artigo Report to the Plenun de J.H.[2], Boletim Internacional n°11). Qual é a base metodológica da posição de Hansen? A questão principal, para ele, é sempre “o que funcionará melhor?” — baseada na estreita visão das aparências políticas mais imediatas. Esse é o ponto central do pragmatismo, o desenvolvimento “americano” do empirismo realizado por Pierce, James e Dewey. Isso leva Hansen a defender a unidade com o grupo de Pablo, já que “funcionaria” melhor para atrair as pessoas que se aproximam da esquerda — mesmo que as causas da cisão nunca sejam esclarecidas. Conforme explicamos em documentos anteriores, tal proposta destrói a base teórica do movimento. Os conceitos e os métodos incorretos do nosso trabalho político só podem ser supera- dos através do trabalho teórico e prático conscientes, e não os varrendo para debaixo do tapete.

O pragmatismo e a crise cubana

A carta de Cannon para Dobbs, na qual a crise cubana é resumida, poderia servir igualmente como modelo do método pragmático. Após uma vida inteira dedicada à luta pelo marxismo revolucionário, particularmente contra o stalinismo, ele nega sua trajetória toda em duas páginas com uma política que os patéticos ensaios “teóricos” de Hansen pretendem justificar: “O que mais ele poderia ter feito sob as circunstâncias dadas?” pergunta Cannon. E quais eram essas “circunstâncias dadas”?

1. Foi estabelecido um bloqueio naval americano para chocar-se com os navios soviéticos, o que aumentaria a possibilidade de uma guerra nuclear. Kennedy afirmou claramente que os EUA não impediriam o uso de medidas ainda mais drásticas;

2. O pentágono estava pronto para bombardear e invadir Cuba, esmagando a revolução. Os jornais relatavam que essa era uma ação que havia sido considerada desde o início, e que seria colocada em prática caso Moscou não recuasse em relação às suas bases de mísseis.

Cannon substitui a análise do caráter de classe das forças sociais e das tendências políticas por preceitos pragmáticos. As então chamadas “circunstâncias dadas” (equivalentes aos “fatos” de Hansen) são o produto da política de colaboração de classes de Kruschev e da burocracia stalinista com o imperialismo americano. Nós devemos avaliar a conduta de Kruschev como parte do processo que produziu tais circunstâncias. Apenas dessa forma os marxistas poderão compreender seu programa político em relação a outras tendências de classe.

Empirismo versus Política Revolucionária

A carta de Cannon sobre Cuba ilustra bem o caráter de classe do empirismo e do pragmatismo, aquelas tendências da filosofia que aceitam o “fato dado” etc. Essa aceitação se torna, inevitavelmente, o que Trotsky certa vez chamou de “culto do fato consumado”. Com efeito, isso significa aceitar formas de consciência adaptadas à estrutura existente, como a da burocracia soviética e do movimento sindical. Estes desenvolvem suas ideias como formas de racionalizar e justificar sua própria posição  intermediária  entre o capitalismo e a classe trabalhadora. A justificativa de Cannon sobre Kruschev, assim como as recentes contribuições de Murry Weiss justificando a burocracia stalinista, bem como, ainda, a constante fuga das discussões, por parte do porta-voz do SWP e dos pablistas, a respeito da necessidade de uma revolução política e da construção de partidos revolucionários nos estados operários, são o abandono da política revolucionária principista, que é, por sua vez, a consequência da substituição do materialismo dialético pelo empirismo. A análise dialética consiste em ver os fatos no contexto de uma série de processos correlacionados, não como fatos acabados, entidades independentes sobre as quais as decisões “práticas” devem ser tomadas. Na esfera política, isso significa submeter cada situação ao desenvolvimento internacional da luta de classes, avaliar o programa das várias forças políticas existentes na- quele momento com base em sua relação com as forças da luta de classes, além da sua relação com todo o movimento anterior. Por isso, é totalmente absurdo colocar o problema cubano como Cannon o coloca — “O que mais ele poderia ter feito sob as circunstâncias dadas?”. Considerando suas consequências lógicas, esse tipo de argumento poderia ser usado para justificar qualquer coisa. Não é nem mesmo surpreendente, uma vez que a amplitude deste afastamento teórico do marxismo é compreendida, que Cannon afirme um absurdo como “(…) aqueles que não foram afetados pela propaganda imperialista respiram, creio eu, aliviados com a situação e agradecem a Kruschev por ter agido com base na razão. Bertrand Russell e Nehru se expressaram baseados nessa linha”. Quem poderia imaginar que, ao mesmo tempo, Nehru era o chefe de um governo envolvido em um conflito armado, com o apoio imperialista, contra a república da China? No decorrer desse conflito foram feitas prisões em massa de comunistas indianos. E, ao mesmo tempo, Kruschev fornecia aviões de combate para o governo indiano! Sem dúvida, Nehru exaltou Kruschev (assim como a Kennedy Macmillan) por essa amostra de “sabedoria” prática. Talvez Cannon perguntas- se: “O que mais ele poderia ter feito sob as circunstâncias dadas?” O método de Cannon leva a esse fim não por uma artimanha do desenvolvimento lógico, mas porque as forças que ele defende estão, na realidade, amarradas ao imperialismo e suas necessidades atuais. O trotskismo não poderia estar imune às leis da história mais do que qualquer outra fase do desenvolvimento do marxismo ou do movimento operário. Uma vez que o movimento teórico cessa, ele se torna vítima das ideologias dominantes de seu tempo, por mais gradual e sutil que seja seu processo e por mais venerável que seja o “quadro”.

O método de Hansen

O documento Cuba — The Acid Test[3], de Hansen, é uma importante contribuição à discussão internacional. Ele deixa explícitas as bases empiristas e anti-dialéticas do método das tendências políticas oportunistas do SWP; bem como sua posição sem princípios e a-histórica na questão da unificação e do desenvolvimento do movimento trotskista mundial. Desde o começo da discussão, a SLL, descrita por Hansen como “os sectários ultra-esquerdistas”, insiste que as diferenças básicas de método fundamentam diferentes linhas políticas e ações para as organizações. Hansen agora confirma isso. Sua insistência sobre “os fatos”, como sendo os mesmos para o empirismo e para o marxismo, é efetivamente respondida por Lukács:

Sem dúvida, esses fatos não estão apenas em constante mudança, mas tam- bém eles são — precisamente na estrutura de sua objetividade — os produtos de uma época historicamente determinada: o capitalismo. Consequentemente, essa ‘ciência’, que reconhece como fundamental ao seu valor enquanto tal o fenômeno imediatamente dado e o toma como ponto de partida para sua conceituação científica objetiva, essa  ciência se encontra simples e definitivamente no terreno da sociedade capitalista, aceitando acriticamente sua essência, sua estrutura ‘objetiva’, suas leis, enquanto um fundamento inalterável  da  ciência.  A fim de avançar desses ‘fatos’ para os fatos no real sentido do mundo, deve-se penetrar nas suas condições históricas como tais e abandonar o ponto de vista que parte deles enquanto imediatamente dados: eles devem ser submetidos à análise histórico-dialética… (História e Consciência de Classe).

Como suporte à sua capitulação ao empirismo, Hansen cita o veredicto de Hegel:

Genericamente falando, o empirismo encontra a verdade na aparência do mundo; mesmo isso permitindo um mundo suprasensível, ele detém o conhecimento de que este mundo é impossível,  restringindo-nos  ao  campo  da percepção-sensitiva. Essa doutrina, quando sistematicamente  desenvolvi- da, produz o que tem sido recentemente chamado de materialismo. O materialismo desse tipo considera a matéria, como matéria, como o genuíno mundo objetivo. (A Lógica de Hegel, traduzido da Encyclopaedia of the Philosophical Sciences, p. 80).

A oposição de Hegel ao empirismo é correta em um sentido. Se “o empirismo sistematicamente desenvolvido” levasse ao materialismo dialético, como poderia Hegel, o Idealista Absoluto, figurar tão decisivamente no desenvolvimento do marxismo? O “materialismo” ao qual o empirismo leva, de acordo com Hegel, é evidentemente um materialismo mecânico, que permanece incapaz de explicar o papel da consciência e da unidade material do mundo, incluindo a ação e o pensamento humanos. A “deficiência de todo o materialismo até agora existente”, como diz Marx, significa que ele não pode ser tornado consistente e que abre a porta para o dualismo e para o idealismo subjetivo. Hegel superou a dicotomia entre o subjetivo e o objetivo, introduzindo uma concepção unificada de um todo dialeticamente interconectado ao fazer do espírito a matéria de toda a realidade. Marx teve apenas que “colocá-lo de cabeça para cima” para chegar ao materialismo dialético. Foi dessa forma, na verdade, que o materialismo dialético se desenvolveu — através da contradição, e não através da fórmula lógica mecânica de Hansen de “empirismo sistematicamente desenvolvido”. A relação entre empirismo e materialismo dialético tem uma história, que mostra a luta do materialismo dialético contra os empiristas e seu desenvolvimento no positivismo e no pragmatismo. É contrário ao método do marxismo examinar o empirismo por seus “pontos fortes e fracos”. Como uma tendência filosófica, ele formou as bases mais sólidas para ataques pseudo-científicos ao materialismo desde a época de Marx, sendo que na política ele sempre representou a base filosófica do oportunismo.

Hansen evita esse tipo de discussão citando Hegel e procurando introduzir sua própria paráfrase de Hegel. Hegel disse que o desenvolvimento sistemático do empirismo resultou no “materialismo”, falando, naturalmente, do materialismo de seu próprio período. Nós devemos avaliar historicamente o que Hegel pretendeu dizer ao afirmar que o “desenvolvimento sistemático do empirismo” conduziu ao materialismo, e que este “considera a matéria, como matéria, como o genuíno mundo objetivo”. O materialismo vulgar daquela época tinha uma visão metafísica de mundo, considerando os fatos dados pela experiência como fixos, mortos, produtos acabados, que interagem segundo princípios mecânicos, com a mente refletindo essa realidade de modo mecânico e morto. Hansen, seguramente, tem de concordar que era esse o tipo de materialismo que Hegel ataca aqui. Hegel muito dificilmente teria considerado a teoria do materialismo dialético como produto do “desenvolvimento sistemático do empirismo”. O método de pensar do materialismo dialético nasceu apenas depois de Hegel, através de um esforço contrário ao idealismo dialético de Hegel. E ainda assim, Hansen, com uma artimanha fraudulenta e grosseira, usa as citações de Hegel para identificar o “empirismo sistematicamente desenvolvido” com o materialismo dialético:

Eu diria que ‘Lênin e outros’ não trazem de Hegel a oposição ao empirismo nos campos do idealismo e da religião. Por outro lado, o marxismo compartilha com Hegel a posição de que o empirismo vulgar é arbitrário, estreito e não dialético. Mas e o “empirismo sistematicamente desenvolvido”? Essa é a visão  segundo a qual  o  ‘mundo  objetivo  genuíno’, o mundo material, tem primazia sobre o pensamento e onde uma relação dialética existe entre eles. O que é isso senão o materialismo dialético?

“Fatos” são abstrações

A frase vital “onde uma relação dialética existe entre eles” (matéria e pensamento) é introduzida de forma externa por Hansen. Ele salta todo o  desenvolvimento do materialismo dialético passando por cima da escola hegeliana, para, assim, “colocar Hegel de cabeça para cima, ou melhor, de cabeça para baixo!” Todo o respeito que Hansen tem pelos “fatos” parece não tê-lo ajudado a  prosseguir do simples “fato” de que as ideias têm uma história, que são parte do processo social-histórico, e que o materialismo vulgar da burguesia não pode ser sistematicamente desenvolvido até chegar  ao materialismo dialético por uma mera canetada. Para alcançar tal resultado foram necessários muitos anos de luta, de conflito teórico e prático junto ao desenvolvimento da sociedade burguesa durante a primeira metade do século XIX. Quando atacamos o empirismo, atacamos o método de análise que diz que todas as afirmações, para serem significativas, devem se referir a dados observáveis e mensuráveis na sua for- ma imediatamente dada. De acordo com esse método, qualquer conceito “abstrato” que reflita as implicações gerais e históricas desses “fatos” é in- significante. Ele negligencia completa- mente que os nossos conceitos gerais refletem as leis de desenvolvimento e a interconexão dos processos que esses “fatos” ajudam a construir. Na verdade, os assim chamados fatos da experiência concreta são, eles próprios, abstrações desse processo. Eles são o resultado da primeira aproximação de nossos cérebros com as inter-relações essenciais, leis do movimento, contradições do eternamente mutável e complexo mundo da matéria… do qual eles, os fatos, formam parte. Apenas elevadas abstrações, numa teoria superior, podem nos revelar os significados desses fatos. Aquilo que Lênin chama de “análise concreta de uma situação concreta” é o oposto do empirismo. Para ser concreta, a análise deve considerar os fatos dados em sua inter-conexão histórica e deve começar com as descobertas teóricas no estudo da sociedade, com a necessidade de fazer uma análise do caráter de classe de cada evento, de cada fenômeno. O empirista, que pretende restringir-se ao fundamento dos “fatos”, acaba apenas impondo aos “fatos” uma série de conexões cujas bases são ilusórias. Segundo Hansen e os pablistas, a nova realidade atual é uma lista de abstrações, como “a revolução colonial”, “o processo de desestalinização”, “forças  que  se  movem à esquerda”, “pressão das massas” etc. Como todas as afirmações sobre fenômenos sociais, elas não têm significado algum, a menos que possuam um conteúdo de classe específico, que se refiram à luta de classes e à exploração, sendo esses, sim, o conteúdo de todo fenômeno social. Essa descoberta de Marx   é o ponto teórico central esquecido por Hansen com todo o seu discurso sobre “os fatos”.

Empirismo: um método burguês

Todos esses argumentos de que “os fatos” são a realidade objetiva e que nós devemos “partir deles”, são, na verdade, uma preparação para justificar políticas de adaptação a lideranças alheias à classe trabalhadora.

O empirismo, já que “parte dos fatos”, nunca irá além deles e aceita o mundo como é. Esse método burguês de pensamento enxerga o mundo do ponto de vista do “indivíduo isolado na sociedade civil”.

Ao invés de colocar a situação objetiva como um problema a ser resolvi- do sob a luz da experiência histórica da classe trabalhadora, generalizada na teoria e prática do marxismo, o empirismo toma “os fatos” como eles são. Eles são produzidos sob circunstâncias que estão além do nosso controle.

O  marxismo  arma  a  vanguarda da classe trabalhadora em sua luta por uma ação do movimento operário independente da burguesia; o empirismo a adapta à situação existente — ao capitalismo e aos seus agentes no interior das organizações da classe trabalhadora.

“No começo foi a ação”, cita Hansen. Mas, para os marxistas, a ação não é uma adaptação cega aos “fatos”, mas sim o trabalho dirigido teoricamente para a ruptura da classe trabalhadora com as lideranças pequeno-burguesas. A pro- posta de “unir-se na ação” orientada por essas direções, na busca meramente  por “ajudar a construir um partido socialista revolucionário durante o próprio processo da revolução” é a renúncia ao marxismo e a abdicação à responsabilidade em favor da pequena-burguesia.

Hansen diz:

Se podemos  expressar  nossa  opinião, é exagero dizer que alguém se encontra “prostrado diante de líderes nacionalistas e pequeno-burgueses de Cuba e da Argélia” pelo simples fato de se recusar  a seguir a ideia do Comitê Nacional da SLL, segundo a qual um trotskista pode livrar-se de qualquer responsabilidade futura ao colocar a etiqueta de  “traição” em tudo o que esses líderes fazem. É um erro de primeira ordem acreditar que o nacionalismo pequeno-burguês não possui nenhuma diferenciação ou contradição interna e não pode, possivelmente, ser afetado pelas forças de massa que o empurram para frente.

Em primeiro lugar, ninguém disse que não há nenhuma diferenciação  dentro  do movimento nacionalista pequeno- burguês ou que ele permanece intacto às pressões de massa. Quem é que negou isso? O que está em questão é o método com que esse “fato” é analisado e qual   a consequência disso para a construção de partidos revolucionários independentes que possam liderar a luta da classe trabalhadora. Hansen e os pablistas, de outro modo, usam o “fato” dessas mudanças à “esquerda” para justificar a capitulação a essas forças. Poderíamos considerar essa questão isolada das diferenças sobre método e filosofia? Certamente não: a análise marxista de toda a época moderna estabeleceu que direções políticas que representam cama- das sociais alheias à classe trabalhadora podem ir apenas até certo ponto na luta contra o imperialismo. Os limites objetivos da sua revolução podem até mesmo, eventualmente, leva-los a virar-se contra a classe trabalhadora, cujas reivindicações são independentes e correspondem à revolução socialista internacional. Apenas o caminho da construção de partidos independentes da classe trabalhadora, com o objetivo de estabelecer   a ditadura do proletariado, baseado no programa da Revolução Permanente, pode evitar que cada revolução nacional se transforme numa nova forma de estabilização do imperialismo  mundial.  A luta  para  criar  partidos  como  esses é uma luta contra tendências oportunistas e  contrarrevolucionárias  dentro do movimento, principalmente contra o stalinismo, que submete a classe trabalhadora aos nacionalistas, burgueses e pequeno-burgueses na base da teoria das “duas etapas”, que se assemelha mais à linha da burocracia stalinista de um entendimento internacional com o imperialismo. Seguindo os “fatos” estabelecidos através das lutas e do trabalho teórico de Lênin, Trotsky e outros, é que nós avaliamos as posturas e ações das tendências políticas de hoje, e não considerando estas como fatos “em si mesmos” ou como “circunstâncias dadas” à la Hansen e J.P. Cannon.

É necessária uma análise de classe

Hansen e a direção do SWP analisam toda a situação internacional a partir dessa visão empirista e não-marxista. Hansen queixa-se de que a SLL ignora os fatos e recusa-se a analisar a “nova realidade”, uma vez que ela não se encaixa nas prescrições de Lênin e Trotsky. Pelo contrário, os camaradas na SLL inicia- ram uma análise da real base de classe oculta na superfície dos “fatos” da situa- ção atual. Hansen se satisfaz em listar as “poderosas forças da revolução colonial e do processo inter-relacionado de desestalinização”. Nós publicamos diversos artigos (ver Labour Review[4], 1961 e 1962, artigos escritos por Baker, Kemp, Jeffries, e a resolução Perspectiva Mundial para o Socialismo) que contêm uma análise do conteúdo de classe e da relação desses dois processos (lutas nos países coloniais e crise no stalinismo) com a revolução internacional da classe trabalhadora contra o imperialismo. Nós tentamos encontrar qualquer tentativa como esta nas publicações do SWP ou dos pablistas.  Somente  encontramos um exame das tendências mais positivas ou progressistas dentro dos movimentos nacionalistas e stalinistas. Isso significa que eles se baseiam em “fatos” de superfície, como os pronunciamentos de líderes stalinistas russos ou chineses, atribuindo-lhes valores positivos ou negativos. Germain[5], por exemplo, assumiu uma posição totalmente estranha a uma Internacional revolucionária. Segundo ele, existiriam “pedaços” do programa trotskista de forma “fragmentada” em vários partidos comunistas do mundo, desde a Iugoslávia, com seus  comitês de fábrica, e mesmo na Itália, Rússia e China, como até Albânia, com sua insistência nos direitos dos pequenos partidos! Não há dúvidas de que isso é um ótimo exemplo de empirismo sistematicamente desenvolvido. Seria interessante perguntar às minorias,  digamos, do Partido Comunista Albanês, quais as consequências “pragmáticas” que esse “empirismo sistemático” trouxe a elas! (Ver também o “apoio crítico” às várias alas do stalinismo na Resolução do SI[6] no 22º Congresso).

Evian foi uma vitória?

Voltemos à resposta de Hansen. É muito interessante que a Argélia já esteja afastada quase por completo do seu argumento. Isso acontece porque a acusação da SLL sobre “prostração” diante dos líderes nacionalistas é melhor exemplificada aqui. Em documentos anteriores, Hansen ridicularizava as condenações da SLL referentes ao acordo de Evian, entre o governo argelino e o imperialismo francês. Nós dissemos que isso significava vender o movimento. Hansen disse que cometemos um erro ultra-esquerdista, argumentando que, pelo menos, o acordo de Evian incluiu a independência nacional e, por isso, deveria ser considerado uma vitória. Nós realizamos uma análise de classe que foi confirmada pelo acordo feito entre a direção da FLN (Frente de Libertação Nacional) e o imperialismo francês, acordo que evitou que o povo argelino chegasse à vitória através de suas próprias reivindicações revolucionárias. Aqueles que apoiaram a “vitória” e especularam sobre a possibilidade de Ben Bella continuar na mesma direção que Fidel Castro apenas ajudaram Ben Bella a iludir as massas, enfraquecendo as energias dos socialistas através de alianças com a burguesia — ao invés de trabalhar pela construção de um partido revolucionário independente. Nós caracterizamos isso como uma forma bem conhecida de oportunismo e agora dizemos que, dessa maneira, ao invés de assumirem a responsabilidade de marxistas revolucionários, de construir partidos da classe trabalhadora, os pablistas e o SWP se unem para preparar derrotas para os trabalhadores da Argélia. O próprio Pablo trabalha, ele mesmo, no governo argelino como um funcionário técnico e capacitado. Por si só esse fato poderia ou não significar algo. Mas o que importa é a sua linha política e a de sua organização. Não resta a menor dúvida de que essa linha política não colocará em risco sua posição na administração  (o que não significa dizer, absolutamente, que ele não possa ser demitido). Os artigos de Hansen no The Militant[7] e a campanha dos pablistas em “apoio à revolução argelina” estão restritos a um apelo por ajuda aos pobres duramente atingidos pela herança do imperialismo francês. Ao invés de realizar uma campanha no movimento operário, o que  eles fazem é um apelo humanitário. Pablo e seus amigos sempre defenderam   o envio de técnicos e administradores voluntários à Argélia para servirem no governo de Ben Bella, a fim de se contrapor à possível influência reacionária dos funcionários e das forças humanitárias francesa e americana. Dessa forma, serão criadas as condições “objetivas” movendo Ben Bella à esquerda e afastando-o da direita. No decorrer disso, o Partido Comunista Argelino foi banido, um novo programa de ajuda humanitária do governo francês foi anunciado e a ca- marilha de Ben Bella assumiu o controle direto dos sindicatos. Ao mesmo tempo, Ben Bella encena acabar com a farra dos “puxa-sacos” e toma a “firme” posição de fechar um acordo com os franceses, para que estes explodam suas bombas bem longe dali, no extremo sul do Sahara. Não estariam, esses “trotskistas”, sendo coniventes com a retirada de todos os direitos democráticos da classe trabalhadora, enquanto o líder nacionalista realiza medidas de “esquerda” em nome das massas? Não seria essa uma atitude de prostração diante da burguesia nacional? Onde no mundo já se viu prostração maior? Hansen alega que “todo mundo sabe” que precisamos de partidos revolucionários, a única dife- rença está no modo de construí-lo. Mas, na prática, os pablistas não estão tra- balhando pela construção de partidos revolucionários. Na verdade, eles fogem da necessidade dessa construção. Se desenvolvimentos objetivos na “nova” realidade  empurrarão  inevitavelmente os nacionalistas pequeno-burgueses ao marxismo revolucionário, talvez o papel dos trotskistas seja apenas o de encorajar essas “forças objetivas”.

Pierre Frank, líder proeminente do grupo de Pablo, visitou recentemente a Argélia e relatou suas observações no The Internationalist (suplemento do Quatrième Internationale, Nº 17, 17 de fev. de 1963). É de suma importância comentar o significado das seguintes passagens:

Mesmo que o governo seja composto de elementos políticos e sociais variados, o núcleo central, núcleo decisivo encontrado atualmente no Bureau Político da FLN (Frente de Libertação Nacional) é, entretanto, baseado nas massas mais empobrecidas da cidade e do interior do país. Essa é sua força principal. Mas ele não pode conduzir automaticamente a uma extensiva nacionalização da estrutura econômica sem correr o risco de produzir consequências catastróficas. É preciso permitir, durante alguns anos, o desenvolvimento das forças burguesas, comprometer-se em certas esferas com o capital estrangeiro e criar apoio nas cidades e no interior do país como forma a passar, mais tarde, à construção de uma sociedade socialista. Isso não será fei-to sem crises ou sem desenvolvimentos nacionais e internacionais, que entrarão em choque com essa difícil orientação. Para concluir: tudo está em movimento. Isso é um experimento, é uma luta que deve ser apoiada em todo o mundo, mas que exige a determinação constante das ações para que o desenvolvimento das várias forças que  atuam na área possa ser estimado. Nesse sentido, nós podemos contribuir com essa nova  experiência  revolucionária em todos os seus momentos, suas dificuldades e suas potencialidades, e em ajudando-a a ser conduzida rumo a um resultado socialista.

No nível metodológico, isso ilustra as conseqüências extremas de uma atitude “contemplativa” ao invés de uma atitu- de “prático-revolucionária”. Para a pri- meira, o reconhecimento empirista das “circunstâncias dadas”, “dos fatos”, é o ponto de partida natural (e ponto final). No nível político, isso ilustra a capitulação às forças e às formas existentes de consciência no movimento político, conduzindo, por fim, ao apoio aos servos do imperialismo — tudo isso é o resultado do abandono do método dialético.

Quem corrigiu o erro de quem?

Hansen diz que estávamos retornando às diferenças originais de 1953, ao invés de demonstrar que, na verdade, as revisões pablistas daquele ano resultarm do rumo oportunista da “Internacional”  Pablista.  O fato de Hansen aceitar a atual posição dos pablistas na Argélia não faz com que essa posição deixe de ser oportunista. Em todo o caso, Hansen deve responder nossa questão (ver réplica do C.S. ao artigo de Hansen Report to the Plenum, no  Boletim  Internacional  Nº  11)  ligada a esse assunto da “correção de erros”. Ele defende a unificação dizendo que os pablistas corrigiram seus erros de 1953.

Mas o comitê executivo pablista insiste que a unificação é possível pela razão oposta — o SWP teria superado seus erros a tempo de “entender” o  progra- ma de Pablo (Declaração a respeito da Reunificação do Movimento Trotskista Mundial, 23/24 de Junho de 1962).

Temos chamado atenção à atual política dos pablistas também nos países desenvolvidos. Hansen considera que nossas críticas resultam da essencialização de afirmações isoladas feitas pelas seções pablistas; “Nem  mesmo  os panfletos lançados por esse  grupo  de camaradas (o grupo de Pablo) nesta ou naquela situação específica escapam dos detetives. Uma frase tirada de um panfleto distribuído na fábrica da Renault, em Paris, em defesa de Cuba  e contra o imperialismo dos EUA, vai parar na capa do The Newsletter[8], em Londres, de tão desesperados que estavam os dirigentes da SLL em encontrar evidencias de revisionismo no SI.” (Cuba— The Acid Test, p. 30).

Em primeiro lugar, nossa réplica ao último Report to the Plenum de Hansen sobre a unificação (Boletim Internacional Nº 11) discorre sobre o material pablista  a respeito das mais importantes questões políticas da atualidade, portanto, é um absurdo afirmar que a SLL não fez nenhuma crítica geral. Se Hansen escreveu Cuba — The Acid Test antes de ler essa réplica, é provável que, agora, ele defenda os pablistas contra o que escrevemos. Segundo: o que há de errado em examinar os panfletos lançados pelas seções pablistas? É precisamente a forma como as políticas se desenvolvem no trabalho das seções que ilustra mais claramente suas diferenças de método. Com certeza, a seção de Paris é um bom exemplo de uma seção pablista — o centro nervoso da “Internacional” Pablista  se encontra lá. Seria o caso da fábrica  da Renault apenas “uma ou outra situ- ação específica”? A Renault representa uma concentração vital de trabalhadores franceses. O SWP, quando tornou pública a sua cisão com Pablo, não realizou um ataque sistemático a um panfleto lançado na fábrica da Renault em 1953? Em terceiro lugar, se Hansen afirma que a passagem criticada pelo jornal The Newsletter estava fora de contexto, por que ele não esclarece o contexto e explicita nossa distorção metodológica? Ele não faz isso porque não pode fazer isso; a passagem referida coloca uma ação solidária da classe trabalhadora internacional no mesmo nível da “ajuda” dada pela burocracia stalinista. Hansen prefere não considerar uma única pala- vra, nem do panfleto nem da crítica do The Newsletter!

(Omitimos aqui uma breve referência à seção italiana do SI, pelo fato de estar baseada na tradução de um artigo de seu jornal, ao qual não tivemos acesso)

Cuba e Espanha

A maior parte do ataque de Hansen aos “ultra-esquerdistas sectários” se baseia na atitude da SLL em relação a Cuba. Hansen começa seu documento tentando fazer um amálgama entre a SLL e seus apoiadores do CI, por um lado, e o grupo de Posadas que rompeu com o SI, por outro. Hansen sabe que essas são duas tendências absolutamente separadas e distintas. Ele não faz avaliação alguma, qualquer que seja, sobre seus conteúdos políticos ou sobre a evolução de suas posições presentes. Ambas se opõem à “unificação”, portanto, ele conclui, devem estar respondendo às mesmas forças sociais e devem ser essencialmente similares. Aqui, novamente, temos uma ótima ilustração do método do pragmatismo. As relações objetivas entre essas tendências, sua história e suas respostas aos principais proble- mas políticos são ignoradas. Identificá- las como sabotadoras da unificação, como  “correntes  ultra-esquerdistas”,  é muito conveniente, “funciona” muito bem. Hansen observa que o grupo de Posadas considera em seu programa  a possibilidade de uma guerra nuclear contra o capitalismo. Conjuntamente a isso, é afirmado o fato de a SLL se opor a caracterizar Cuba como um Estado Operário. Mas Posadas, diz Hansen, por outro lado, deve concordar que Cuba é um Estado Operário, pois seria “morte política”, na América Latina, pensar de outra forma. As diferenças, para Hansen, portanto, devem então ser explicadas geograficamente. Politicamente, o grupo de Posadas e a SLL são a mesma coisa — sectários ultra-esquerdistas que têm medo da unificação. Mas como isso pode ser explicado? Hansen não é claro: a direção das principais correntes do trotskismo (a liderança do SWP e o SI pablista) que rumam para a unificação vem das “poderosas forças da revolução colonial e dos processos inter-relaciona- dos de desestalinização”.

O movimento trotskista também não escapou de seu abalo. A vitória chinesa, a desestalinização e a insurreição húngara se refletiram em ambas as organizações ultra-esquerdistas e capitulacionistas, assim como, por outro lado, fortaleceram as principais correntes trotskistas. O que nós temos realmente testemunhado em nosso movimento são diversos testes — e o quão bem têm respondido os diversos agrupamentos trotskistas e similares à série de eventos revolucionários que culminaram na mais importante ocorrência no hemisfério ocidental desde a Guerra Civil Americana. O movimento pela unificação, assim como a resistência a ele, não são mais do que as consequências lógicas resultantes da leitura da realidade, sobretudo daqueles que passaram pela prova de fogo das poderosas ações cubanas.

Onde se encontra a explicação? Dois pontos de vista opostos são “explica- dos” aqui como sendo a mesma coisa. Como sendo apenas dois diferentes resultados “lógicos” dos mesmos eventos. Algo poderia ilustrar mais claramente as conseqüências absurdas de  se  recusar a lidar com a história das controvérsias  e das cisões e, ainda, tentar estabelecer suas bases sobre a teoria e o método? Hansen achou ser mais “prático” produzir, com um truque de  mágica,  uma identificação entre as posições do seu oponente, a SLL, e as do grupo de Posadas.

A observação dos camaradas franceses, anexada a esta resposta, levanta pontos semelhantes sobre os resultados demagógicos desses métodos de dis- cussão. Como eles apontam, seu documento sobre Cuba também é  atacado por Hansen, mas não foi apresentado aos membros do partido dele. Eles ainda indicam corretamente a falta de princípios do argumento seguinte: ninguém que atua na América Latina concordaria com a caracterização de Cuba feita pela SLL; portanto, a posição deles é suspeita e mostra o quão estúpidos e sectários eles são. Conforme observam os camaradas franceses, as “opiniões” das pessoas soviéticas e espanholas também foram constantemente usadas contra a caracterização de Trotsky a respeito do estado e das facções dominantes em ambos os países. Além disso, eles comentam as piadas feitas por Hansen das observações que fizeram em um documento anterior, onde falavam do “fantasma” de um estado burguês em Cuba. O que Hansen deve fazer é explicar o porquê de tal conceito ser motivo de piada, e de que forma ele acha que isso parte do tipo de análise feita por Trotsky a respeito das forças de classe na Espanha em 1936-1937. Hansen  esqueceu-se, ou decidiu não lembrar seus leitores, do conceito levantado por Trotsky àquela época, sobre uma “aliança com a sombra da burguesia”. Talvez ele conheça algumas boas piadas sobre isso também.

Seria desnecessário acompanhar todos os passos do documento de Hansen dessa forma. Todo o seu método é de argumentar sobre incidentes e impressões, combinados com as mais vagas generalizações como “força da revolução colonial” e “processos interrelacionados de desestalinização”.

Nossos documentos sobre Cuba

Na questão propriamente sobre Cuba, Hansen não traz novos argumentos à discussão nem novos fatos acerca do regime. Não vemos nenhuma necessidade de responder detalhadamente à caricatura feita por Hansen de nossos documentos sobre Cuba no The Newsletter, antes e durante o bloqueio de Novembro-Outubro de 1962. Hansen se preocupa demasiadamente com os artigos do The Newsletter: nós assumimos toda a responsabilidade por tudo o que foi escrito em nosso jornal, mas também apontamos que Hansen estava na Europa durante a crise. Ele e o correspondente do The Militant em Londres não fizeram  o menor esforço em informar-se sobre a campanha que estava sendo conduzida pela SLL nesse período. Hansen diz corretamente que havia diversas manifesta- ções contrárias ao bloqueio — e ele as contrasta com o “provinciano” Newsletter! Isso é uma calúnia. Os membros da SLL estiveram à frente de todas as manifestações. Eles estimularam e lideraram muitas delas. Os primeiros encontros e manifestações de massa na Inglaterra foram liderados e realizados por nossos membros. Ninguém, exceto a SLL, organizou manifestações em porta de fábrica contra o bloqueio. Nossos camaradas ainda lutaram com unhas e dentes para levar os protestos principalmente ao movimento operário e às fábricas. Eles tiveram de lutar com afinco contra a direita  e o stalinismo para conseguir isso. Eles lideraram essas  manifestações  contra  o imperialismo e em defesa da revolução cubana, ao mesmo tempo em que educavam os estudantes e os trabalhadores sobre o papel da burocracia soviética. Eles explicaram as causas das políticas contraditórias de Kruschev, ao invés de apoiar Russell e os pacifistas na glorificação de sua “brilhante” diplomacia. Para tanto, tiveram de lutar contra o stalinismo, uma luta que ganhou o apoio de diversos membros do Partido Comunista. Isso não poderia ter sido feito sem que se treinasse a SLL no espírito dos métodos de trabalho do comunismo revolucionário contra o revisionismo. Quão bem nossos camaradas teriam atuado se estivessem armados com a herança do pablismo — “a nova situação restringe mais e mais a capacidade da burocracia em assumir posições contra-revolucio- nárias” — ou com a apologia de Cannon: “O que mais ele poderia ter feito sob as circunstâncias dadas?” ou, ainda, se tivessem chamado Nehru e Russel para apoiá-los, uma vez que estes estão “intactos à propaganda imperialista”? Nós nos orgulhamos de nossas posições diante dos acontecimentos cubanos do Outono passado, e nos envergonhamos da identificação do “trotskismo” com a capitulação de Cannon e dos pablistas à burocracia soviética. As longas citações do The Newsletter por Hansen são, na verdade, somente uma forma de mascarar sua capitulação.

Normas abstratas

O caso de Hansen é basicamente o mesmo de Pablo em 1953. As forças “objetivas” que pressionam em direção ao socialismo teriam tornado impossível a traição da burocracia soviética e, ao mesmo tempo, estariam pressionando  os agrupamentos pequeno-burgueses a adotarem um caminho revolucionário. Já vimos acima como na Argélia isso simplesmente significava convidar marxistas para contribuir com as forças “objetivas” que empurrariam Ben Bella e seu governo nacionalista para a esquerda. Apesar de toda a fraseologia sobre firmeza contra o imperialismo, que supostamente implicaria em chamar Cuba de “Estado Operário”, a atual defesa da Revolução Cubana pelo SWP e pelos pablistas foi incapaz até mesmo de separá-los da burocracia contrarrevolucionária de Kruschev! Essa é uma das coisas que queremos dizer quando falamos que Hansen não está analisando Cuba do ponto da vista do desenvolvimento internacional da luta de classes, mas pela aplicação  de normas abstratas a casos isolados.

Hansen levanta a questão da definição do estado cubano ao relacioná-la à história de tal discussão dentro do movimento trotskista. A análise de tal debate é certamente uma parte vital da resposta marxista ao problema apresentado por Cuba hoje, mas isso deve se dar por uma linha diferente da adotada por Hansen. Ele tenta ridicularizar a posição do Comitê Nacional da SLL, segundo o qual não se pode transportar de forma abstrata a definição da URSS feita por Trotsky para o atual sistema econômico e político de Cuba. Ele diz que assim nós “desfazemos a conexão” entre a discussão do presente e a do passado.

Hansen chega até a dizer que nós excluímos a definição de Trotsky da URSS, “declarando que ela não tem nenhuma relevância para a discussão cubana”. Seria isso a mesma coisa que dizer que a questão do estado Cubano não pode ser resolvida abstratamente por um “critério” da discussão anterior? É sempre mais fácil acabar com seu oponente se você reescreve os argumentos dele com suas próprias palavras. O verdadeiro objetivo de uma análise histórica do desenvolvimento de nossos conceitos é o de estabelecer o caminho em que eles se desenvolvem cientificamente quando refletem o mundo objetivo. Assim como as definições de Trotsky sobre a URSS foram elaboradas com base nas con- dições que se modificavam na URSS e no mundo — de lutas contra tendências revisionistas e pela construção de uma nova Internacional — também os fios históricos da discussão devem ser vistos hoje como parte da luta pela construção de uma Internacional revolucionária capaz de levar a classe operária ao poder. Toda a linha política das diferentes tendências do movimento trotskista a esse respeito deve ser objeto de análise e discussão. O que parece uma análise “histórica” recebe, das mãos de Hansen, o tratamento mais estático e ahistórico.

Lideranças pequeno-burguesas e a classe trabalhadora

Por exemplo, ele critica o texto Trotskyism Betrayed por não fazer a caracterização da burocracia stalinista  como  sendo uma burocracia pequeno-burguesa. Há uma motivação específica na insistência de Hansen neste ponto: “O que era novo nessa situação — e esse é o ponto central da posição  de  Trotsky  em  relação a isso — era que uma organização reacionária pequeno-burguesa dessa espécie, depois de uma contrarrevolução política, poderia exercer o poder num Estado Operário e até mesmo defender as bases desse estado caso estivesse em primeiro plano a preocupação com seus próprios interesses particulares”. Segue-se então que, sob certas circunstâncias, as organizações pequeno- burguesas seriam forçadas a liderar as revoluções de trabalhadores e camponeses e a abolir o estado capitalista. Hansen diz: os líderes da SLL aceitaram isso para a Europa do Leste e a China, por que não para Cuba? (eles deveriam estar mais propensos a isso, sugere ele, uma vez que a “liderança cubana é em todos os aspectos superior à chinesa”). Nós vemos, agora, o que Hansen quer dizer com “continuidade” da discussão. Trotsky viu que uma burocracia pequeno-burguesa poderia conduzir e até mesmo “defender” um Estado Operário. Após a II Guerra Mundial, inclusive, essa burocracia pequeno-burguesa poderia até mesmo tomar a liderança da revolução e estabelecer um novo “Estado Operário deformado”. Então por que a SLL deveria excluir Cuba da noção de que lideranças pequeno-burguesas poderiam estabelecer estados operários? Aí se encontra todo o jogo de Hansen com a “história da discussão”. Ele escolhe um aspecto da história, como a caracterização de certos grupos sociais como pequeno-burgueses. Esse aspecto é selecionado por ser o essencial para a justificação de seu atual direcionamento político. Mas é, na verdade, absolutamente essencial que a caracterização de “pequeno-burguês” seja muito precisa. Essa classe é frequentemente caracterizada como intermediária entre as principais classes da sociedade, burgueses e proletários. Seus vários representantes refletem essa posição intermediária, dependente e instável. Eles não são capazes de ter uma linha de atuação política independente e consistente. Somente se o intelectual pequeno-burguês se alia ao proletariado, nas palavras de Marx, ele poderá alcançar independência e consistência tanto teórica quanto política. A burocracia do movimento operário era frequentemente caracterizada por Lênin e Trotsky como pequeno-burguesa, graças à sua forma de vida, sua aproximação dos padrões  e aceitação da ideologia da classe média, o que transformava, nas condições especiais dos países ricos imperialistas, seu próprio modo de vida e sua função social na de classe média. Nos países imperialistas, portanto, eles  formam uma “nova casta média” da sociedade. Na URSS, o grupo dominante da burocracia consiste nos elementos listados por Hansen — “um reflexo do campesinato, os remanescentes das velhas classes, aqueles elementos que trocaram a lealdade ao czar pela lealdade ao novo regime — todos estes e os níveis administrativos político-militares do novo governo, que, juntamente, sob pressão do ocidente capitalista, afastaram-se da posição  do  socialismo  revolucionário, ou se destacaram sem nem mesmo te- rem compreendido esta posição.” O termo pequeno-burguês não é suficiente para caracterizar essa burocracia para o propósito da presente (e qualquer outra) discussão.

Um setor decisivo da burocracia soviética foi a facção stalinista no controle do partido bolchevique e do estado soviético.A relação histórica entre esse partido, esse Estado e a classe operária soviéti- ca deu um caráter específico à burocracia. Não é simplesmente uma  questão de relação entre a velha classe média e a nova elite governante. A existência de relações de propriedade nacionalizadas estabelecidas pela revolução socialista, com o partido bolchevique no poder, originou historicamente um extrato pequeno-burguês na direção do primeiro Estado Operário, um grupo que representava, como Trotsky analisou cuidadosamente, não as leis gerais do desenvolvimento das classes na transição do capitalismo para o socialismo, mas uma refração particular e única a essas leis na condição de um Estado Operário atrasado e isolado. Levando adiante essa “capacidade” dos pequeno-burgueses, enquanto pequeno-burgueses, de defender e mesmo encabeçar Estados Operários, Hansen e companhia fazem precisamente aquilo que Trotsky combateu na discussão. Nossos camaradas franceses estão certíssimos em insistir que a avaliação histórica dessa discussão no movimento trotskista dura mais do que um dia de trabalho, e que  a pré-condição para qualquer resultado útil terá de ser um cuidado muito mais sério e científico com os conceitos marxistas, muito mais do que Hansen tem demonstrado com sua identificação simplista entre a “formação pequeno-burguesa” da burocracia no primeiro Estado Operário com a liderança pequeno-burguesa do movimento 26 de Julho de Cuba.

Hansen e a Revolução Permanente

Nos próximos meses as seções francesa e inglesa do CI publicarão contribuições acerca da historia da discussão dos “Estados Operários”. Enquanto isso, nos ateremos à discussão do método de Hansen, particularmente em relação a Cuba. Nada do que Hansen diz em Cuba— The Acid Test responde ao nosso principal argumento exposto na seção sobre Cuba do Trotskyism Betrayed. Mas, antes de observarmos os pontos  específicos do documento de Hansen, é necessário afirmar a posição geral da qual acreditamos que os marxistas devem partir. O motivo para fazermos isso é que Hansen nos acusa de tratarmos Cuba somente como uma “exceção”, e de não vermos continuidade entre a discussão do passado e a do presente sobre o caráter do Estado. Fidel Castro despontou como o líder do partido nacionalista pequeno-burguês. Seu partido liderou uma revolução e foi capaz de tomar o poder em Cuba. Como isto foi possível? Qual a importância deste fato?

Na revolução russa, a pequena- burguesia (a “democracia”) não pôde, resolutamente, segurar o poder em suas próprias mãos e muito menos “manter-se” no poder, por causa da força do proletariado e seus aliados camponeses naquele momento. Dada sua liderança revolucionária, a classe trabalhadora provou ser capaz de derrubar a “democracia” e chegar ao poder. Esse poder, na visão de Lênin e Trotsky, representava o início da revolução mundial. O po- der nesse país atrasado era considerado por eles como algo a ser defendido “até que os trabalhadores da Europa Ocidental viessem ajudá-los”.

Nisso consistem as ideias fundamentais da “Revolução Permanente”. Aqueles países que chegaram ao estágio da revolução democrática tardiamente não podem realizar essa revolução sob a liderança da burguesia. Os porta-vozes dos partidos pequeno-burgueses são incapazes de um desenvolvimento independente. Suas relações com o capital internacional e o seu medo do proletariado tornam sua tarefa impossível, logo eles correrão para a proteção da reação. O proletariado é a única classe que pode realizar as tarefas da revolução democrático-burguesa.  Mas,  no  curso de suas ações revolucionárias e da criação de seus próprios organismos de luta, o proletariado desenvolve suas reivindicações independentes. Do primeiro estágio da revolução há uma rápida transição para o poder operário. A condição para a manutenção e o desenvolvimento desse poder e sua base social é a revolução socialista mundial.

A pequena-burguesia na luta anti-imperialista

As nações lançadas à luta contra o imperialismo recobrem, agora, todo o globo.  A composição de classe dessas nações varia enormemente. Em muitas delas, não há um proletariado  industrial  que  se compare nem mesmo com  o  russo de 1905 ou o chinês de 1919. Em várias delas, o desenvolvimento da indústria foi forçosamente restringido pelos interes- ses especiais das forças  imperialistas  no poder, de forma que a população se constitui quase que inteiramente de uma classe camponesa muito pobre. Esse “campesinato” não é exatamente  igual ao dos textos marxistas do século XIX. Em diversos casos a maioria dos cultivadores não possui terra e ocasionalmente realizam trabalho assalariado. As necessidades especiais das indústrias de base e extrativista criam ocasionalmente um tipo especial de trabalhador — é o trabalhador migrante, que gasta metade do seu tempo em minas ou plantações recebendo baixos salários, e a outra metade desempregado ou em pequenas plantações de agricultura de subsistência. A atual relação de exploração entre o capital internacional, os bancos, os agiotas nativos e comerciantes, de um lado, e os produtores diretos, campo- neses e operários, de outro, apresenta formas novas e originais. Essas formas freqüentemente são terríveis combinações entre a cruel busca pelo lucro do avançado capital financeiro e o atraso das relações sociais pré-capitalistas. No nível político, os povos desses países sofrem dessas mesmas combinações mortais. Eles são vítimas de todos os horrores da guerra moderna, tanto em conflitos diretos entre as forças imperialistas, quanto por meio das igualmente eficazes atividades “pacíficas” da ONU. Em ambos os casos, devemos ver uma combinação específica das forças e das leis analisadas por Lênin e Trotsky em seus trabalhos sobre o Imperialismo e a Revolução Permanente.

Cuba é um daqueles países em que o desenvolvimento capitalista tem sido determinado quase que exclusivamente pelos investimentos e controle estrangeiro. A dependência das  economias  de países da América Latina a um único produto (como o açúcar, em Cuba) já foi várias vezes comentada. A burguesia nacional jamais poderia ser uma força social independente em Cuba. Ela só poderia funcionar como um comitê executivo comercial e político dos investimentos norte-americanos. Sob essas condições, os ideólogos da democracia pequeno-burguesa não poderiam mais exercer seu papel clássico na revolução burguesa — o de fornecer uma liderança política que una os operários e os camponeses primeiramente numa luta burguesa contra o absolutismo e pela independência, para, depois, incorporá-los ao novo regime. Na Revolução Russa,  os  Socialistas  Revolucionários e os Mencheviques se esforçaram para isso. A direção dos Bolcheviques  sobre um proletariado concentrado em poucos núcleos avançados, particularmente em Petrogrado, na vanguarda de uma guerra camponesa, conquistou o poder soviético. A alternativa  poderia  ter sido um regime repressivo, fundado na capitulação dos partidos pequeno- burgueses à contrarrevolução. Mesmo  na Alemanha e na Itália, países mais desenvolvidos com uma classe operária bem mais expressiva, o insucesso da revolução proletária foi substituído em pouco tempo não por uma democracia burguesa, mas pela opressão explícita de regimes fascistas. A humanidade entrou num período no qual as alternativas são socialismo ou barbárie, na forma de reação fascista.

Capitulação à burocracia soviética

Em nosso mundo de hoje, observamos um estágio mais avançado da mesma situação. Não apenas  a  barbárie,  mas a destruição completa apresenta-se como alternativa ao socialismo. Esse fato, considerado em escala mundial, associado à manutenção do Estado Operário  sob  dominação  burocrática na União Soviética e a instituição de regimes semelhantes em outros países atrasados (Leste Europeu e China), levou alguns “marxistas” a  considerarem a situação atual como qualitativamente diferente. Os stalinistas concluíram que  a ameaça de uma guerra e seu próprio poder bélico tornaram possível uma estratégia de coexistência  pacífica  com  as principais potências imperialistas mundiais, o que abriu várias vias pacíficas e parlamentares para se chegar ao socialismo dentro de cada nação. Isso não é, obviamente, uma teoria, mas uma apologia ideológica da atual capitulação da burocracia soviética, determinada, sobretudo, a preservar seus  privilégios e se equilibrar entre a classe trabalhadora e o imperialismo. A atual disputa Sino-Soviética levanta tais questões  para discussão nos Partidos Comunistas. Nunca a clareza teórica e a determinação política foram tão necessárias ao movimento trotskista. Somente o desenvolvimento científico da teoria da Revolução Permanente pode dar uma resposta aos problemas levantados. Em nossa opinião, as revisões do trotskismo feitas por Pablo, levando à cisão de 1953 — e agora expressas em políticas oportunistas para os países desenvolvidos, Estados Operários e países coloniais — constituíram uma capitulação política a forças que se situam entre a classe trabalhadora e a derrocada do imperialismo. O poder da burocracia soviética e a lentidão dos movimentos operários do leste europeu e dos Estados Unidos em solucionar a crise da direção nas décadas de 1930 e 1940 tiveram impacto nas ideias de Pablo e de seu grupo, não sendo resolvidas por eles cientificamente, de forma marxista, mas de uma forma impressionista. Tal abandono do método dialético, do critério de classe da análise da sociedade e da política, resultou na conclusão de que outras forças, não o proletariado organizado por partidos marxistas, poderiam liderar o próximo passo histórico da luta contra o capitalismo. Nós vimos como Hansen defende isso para a China e para o Leste Europeu. Nós nos lembramos da insistência de Pablo de que os partidos stalinistas em países como a França poderiam levar a classe operária ao poder. Nós temos visto, desde então, a “restauração do campesinato revolu- cionário” de Pablo e a atual crença de que lideranças da pequena-burguesia nacionalista podem liderar  a  criação  e a manutenção de Estados  operários.  De acordo com esses “marxistas”, em Cuba se estabeleceu um “regime incorruptível dos trabalhadores”. Tudo isso é possível porque há uma “nova realidade”, como diz Hansen:

A isso devemos acrescentar que a situ- ação mundial hoje é completamente diferente (?) do que era em 1936-39. Em lugar da (?) posição defensiva contra o fascismo  europeu,  a  União  Soviética se consolidou enquanto uma das duas maiores potências mundiais. A  estrutura econômica soviética se espalhou pela Europa. A China se tornou um Estado Operário. A revolução colonial trouxe centenas de milhões aos seus pés. A desestalinização alterou a capacidade da burocracia em impor sua vontade de forma tão flagrante como fazia nos anos trinta…

A semelhança da posição de Hansen com as análises da “nova situação” apresentada pelos stalinistas é notável. Ambos falam da “força do campo socialista”, “da revolução colonial” e do “crescimento da economia soviética”. Ambos tentam impedir a formação de novos partidos revolucionários argumentando que o que  garante  o  futuro do movimento comunista é a reação defensiva de “desestalinização” feita por eles. Aqueles que se referem a  Lênin são “dogmáticos”! A capitulação à burocracia em questões políticas acarretará, consequentemente, na degradação de seu método de análise ao empirismo e ao pragmatismo estreitos, combinados com generalizações demagógicas. Essa é a forma de pensar que está por trás do atual bloqueio revisionista à construção da Quarta Internacional.

A posição da SLL sobre Cuba

Deixem-nos resumir, brevemente, as “refutações” feitas por Hansen às nossas posições em relação a Cuba, publicadas no documento Trotskyism Betrayed, e vejam como elas se sustentam.

1. Nós criticamos o método “normativo” de aplicar de maneira estanque um “critério” abstrato e ahistórico sem uma específica análise histórica e de classe. Por outro lado, nós exigimos uma análise do caráter de classe das forças políticas do governo e do Estado cubanos. Hansen responde acusando-nos de ignorarmos a atualidade histórica da discussão sobre o caráter de classe da URSS, da China, do Leste Europeu e de Cuba. Vimos acima como ele demonstra essa atualidade — procurando a justificativa para a submissão da classe trabalhadora às direções pequeno-burguesas. Tentamos, antecipando futuras análises, estabelecer as bases gerais para uma discussão marxista. Sugerimos, portanto, que as análises feitas durante os dois últimos anos na Labor Review constituam a base para uma avaliação do caráter de classe das forças nacionalistas e stalinistas em Cuba e em outros países.

2. Nós afirmamos categoricamen- te que o novo partido unificado (ORI)[9], de Castro e dos stalinistas, não poderia substituir a construção do partido marxista revolucionário em Cuba. Hansen não discute essa questão em nenhum momento. Ele supostamente  defende a posição declarada anteriormente por Cannon, de que os trotskistas deveriam manter fidelidade dentro das ORI. Hansen responde aos camaradas franceses que, nos documentos deles, “a importância dada aos ataques aos trotskistas cubanos (feitos pelo governo e seus porta-vozes) é exagerada e foi colocada em lugar errado, além de não ser corretamente estimada a influência ideológica que o trotskismo exerce sobre um setor significativo da vanguarda revolucionária cubana” [10].

Ainda falta a ele explicar a afirmação categórica de Guevara de que não deveriam existir facções dentro das ORI, cujo “centralismo democrático” seria, deste modo, de tipo stalinista. Ele precisa explicar também quem foi responsável pelos ataques aos trotskistas. E não espere que levemos a sério sua sutil insinuação de que o SWP ou alguma outra pessoa tem amigos influentes e secretos ao lado de Castro. Quando isto se tornou um argumento marxista e como se relaciona com a questão da possibilidade  da construção de um partido marxista? Não é difícil que nos digam que na Argélia também há “influência ideológica” de trotskistas como Pablo sobre um “setor significativo da vanguarda revolucionária”, o difícil é nos entusiasmarmos com isso. Hansen, nesse momento da discussão, teve a oportunidade de desenvolver seu tema anterior: “todos nós sabemos  o beabá — precisamos de partidos revolucionários — mas a questão é como  ir em frente e construí-los”. Porém, ele não tem nada a dizer, exceto que é “exagerado” defender os trotskistas cubanos de ataques vindos do aparato estatal e que devemos nos lembrar de que temos alguns amigos por lá lá.

3. Nós declaramos nossa opinião de que a ditadura do proletariado não foi estabelecida em Cuba, e que, por essa razão, classificá-la como Estado Operá- rio era errado. Hansen não encara a realidade de frente — ou talvez isso seja um daqueles antigos “modelos” de Lênin, obsoletos demais para serem aplicados. Ao nosso argumento de que a máquina estatal manteve uma estrutura burguesa apesar da ausência da burguesia, Hansen  responde  apenas  com  escárnio, a despeito do fato de que, como bem apontaram os  camaradas  franceses, a sua posição implica na necessidade de revisar as conclusões de Trotsky a respeito da Espanha Republicana dos anos trinta (Lições da Espanha Última Advertência, 1937). A SLL, diz Hansen, deveria rever sua opinião porque: os imperialistas discordam quanto ao caráter burguês do Estado cubano; a população da URSS e de outros estados operários discordam (!); a população de Cuba discorda; outros marxistas discordam; e, finalmente, porque a mesma posição da SLL havia sido declarada uma vez por Pablo, antes dele estudar melhor a questão. Todos esses argumentos não significam, absolutamente, nada (ver carta de F. Rodriguez neste boletim).

Hansen não se ocupa das ques- tões a respeito dos sovietes ou dos con- selhos operários como uma forma de poder estatal, nem mesmo do significa- do da existência de uma “milícia” sem tal governo operário. Ele não diz como tal “milícia” — controlada, na verdade, pelo exército do aparato estatal centralizado — difere do “povo em armas”. E não é verdade que o suprimento de armas é regulado pelo do exército e não pelas milícias? Pelo aparato estatal e não pelos conselhos e comitês operários? Por que Hansen não responde ao nosso argumento de que a velha máquina estatal não foi destruída, mas preenchida por funcionários do movimento de Castro, depois substituídos por burocratas stalinistas? Seriam os “modelos” de Marx e de Lênin que deveriam ser descartados agora? Nós insistimos que a permanência da liderança pequeno-burguesa de Castro na máquina estatal, burocraticamente independente de qualquer órgão de poder operário, controlando o poder da sociedade cubana, é a principal esperança da burguesia para retornar a Cuba, apesar das nacionalizações.

4.   Essencialmente conectada a esse último ponto está nossa caracterização do governo de Castro como um regime Bonapartista, sustentado em bases estatais burguesas (Trotskyism Betrayed, p.  14).  Certamente,  Castro se apoiou bastante no proletariado e  nos camponeses pobres  até  agora, mas também foi cuidadoso  o  suficiente para preservar uma boa relação com os camponeses ricos — e as exigências da economia podem forçá-lo a confiar neles mais e mais. Hansen deveria pensar quão longe está disposto a ir com Castro numa aventura dessas. Já Pablo, com quem Hansen quer se unificar, está se esforçando para formular uma linha teórica que justifique a insistência de Ben Bella de que na Argélia os camponeses são mais importantes que os operários. Se Hansen responder o caso dizendo que Castro é um Bonaparte de esquerda, equilibrando-se entre o imperialismo e a classe trabalhadora, então ele deve dar uma outra explicação para aausência de uma democracia operária em Cuba. Se Cuba é realmente um regime operário não corrompido, como poderíamos explicar a ausência de conselhos de trabalhadores? Existe alguma outra explicação para  isso,  a  não  ser  a preservação da independência do poder estatal por Castro e o seu movimento, contra a classe operária, assim como contra o imperialismo? O regime stalinista também foi caracterizado por Trotsky como um regime  Bonapartista. Isso significa que  Cuba  é,  portanto, um Estado Operário? Não: dizemos que o regime Stalinista era um regime burocrático apoiado em bases estatais proletárias conquistadas pelos Sovietes em 1917; O regime de Castro é um regime Bonapartista que ainda repousa sobre as bases burguesas. Se a revolução cubana ainda pode ser  defendida de invasões externas com sucesso, então o próximo período será um curto período de dualidade de poder, com os trabalhadores e camponeses liderados nos Sovietes por um novo partido revolucionário sob o programa da  ditadura do proletariado.

5. Hansen não responde nosso seguinte argumento: “O ataque a Escalante[11] foi motivado por um desejo de manter o poder centralizado em suas próprias mãos [de Castro] e não por hostilidade à burocracia ou qualquer coisa do tipo”. (Trotskyism Betrayed, p. 14). Hansen ainda escreve, como se não precisasse de provas, que a remoção de Escalante do cargo foi uma medida contra a burocracia stalinista. Mas precisamos repetir que ele deixa vários pontos sem resposta. Por que, então, a maioria da liderança stalinista cubana também condenou Escalante e por que o Pravda considerou a expulsão como um golpe contra o sectarismo? Isso significa que eles estão agora se posicionando a favor da cruzada de Castro contra o stalinismo? Mas isso não implicaria numa reforma à direita por parte do movimento stalinista? Ou isso significa que o PC cubano e o Pravda decidiram conciliar com Castro por enquanto, sabendo de sua sólida posição em Cuba? Neste caso, a natureza da relação entre o Movimento 26 de Julho e os stalinistas deveria ser exposta pelo SWP e suas implicações quanto à natureza do novo “partido revolucionário unificado” (ORI) deveriam ser reconhecidas.

A principal base para interpretar o caso da remoção de Escalante parece ser o pronunciamento de Castro “Contra o Sectarismo e a Burocracia”. Nesse pronunciamento, Castro deu vários exemplos de favorecimento e discriminação burocrática na administração estatal. Escalante e seu grupo, de acordo com Castro, usavam seu poder para aparelhar todos os níveis do aparato estatal com seus próprios nomeados (do Partido Comunista). Tudo isso parece ser normal, mas se o pronunciamento for lido claramente, e comparado com pronunciamentos anteriores e outros escritos, fica claro que há muito mais por trás do processo aparente.

Condenando os homens nomeados por Escalante, Castro ressalta, repetidamente, que eles não eram revolucionários de fato, mas intelectuais do partido, alguns dos quais estavam debaixo de suas camas enquanto os verdadeiros revolucionários arriscavam suas vidas contra o regime de Batista. A clara intenção dessa parte do pronunciamento é a de reafirmar a liderança do Movimento 26 de Julho sobre o Partido Comunista [o PSP], e de ameaçá-los chamando o apoio do povo aos “verdadeiros revolucionários”. Foi provavelmente diante dessa ameaça às suas próprias posições burocráticas que os Stalinistas decidiram apoiar o ataque a Escalante, para diminuir, assim, suas perdas. É muito interessante comparar esse discurso com outro igualmente bem conhecido de Castro, também publicado pelo SWP, onde ele diz ter estado, ao menos, sempre perto do comunismo. Nesse pronunciamento posterior, feito num período em que ele era ainda mais dependente do Partido Comunista para o aparelhamento da Burocracia Estatal, Castro praticamente se desculpa por qualquer hostilidade que tenha mostra- do ao stalinismo no início de sua carreira. Ele explicou que somente a sua “falta de compreensão” o impediu de ser um comunista; assim, ele mascarou a trarção do stalinismo cubano no passado. Ele chamou os militantes do Movimento 26 de Julho para aprender o marxismo das velhas mãos do Partido Comunista. De que mais poderíamos chamar essas rápidas mudanças de eixo, se não de adaptação de um Bonaparte à necessidade de preservar sua dominação? Poderia alguém sugerir que elas tinham alguma avaliação séria do Stalinismo como uma tendência política?

O pronunciamento de Castro para  a população, em cima dessa questão, guarda alguma relação com  o  processo de “educar as massas” ao qual ele supostamente é adepto? Um artigo de Hansen sobre isso seria interessante.  Em Cuba — The Acid Test, ele faz uma referência brevíssima: “A pretensa tomada das forças castristas pelo PC Cubano foi suficientemente despedaçada pelos acontecimentos” (p.28).

Hansen opta, aqui, por ignorar que, mesmo se tivesse razão a respeito do significado das ações de  Castro  “contra o burocratismo”, isto só confirmaria amplamente o que foi dito a respeito do perigo à Revolução Cubana que causava a dependência de Castro dos stalinistas para o aparelhamento da  burocracia estatal. Ele não faz análise alguma a respeito das relações atuais entre o Movimento 26 de Julho e o Partido Comunista, e simplesmente se refere, mais uma vez, às “medidas tomadas pelo regime de Castro contra o burocratismo stalinista” (Cuba — The Acid Test, p. 16), como se, assim, fosse inquestionável o caráter progressista ou “revolucionário” de Fidel Castro. Mas, uma leitura do pronunciamento de Castro torna o assunto muito claro. Ao condenar a indicação burocrática de membros do Partido Comunista ao Estado, feita por Escalante, Castro não defende a ditadura do pro- letariado ou o poder operário, mas sim a independência da máquina estatal. Ele enfatiza que o Estado deve ter o direito de escolher suas pessoas. Esses oficiais serão leais ao Estado e não a qualquer organização externa. O argumento do valor dos combatentes do 26 de Julho contra aqueles que estavam  “debaixo  de suas camas” é a justificativa desse poder independente do aparato estatal, centralizado sob o controle  do  governo de Castro. Os pronunciamentos de Guevara, contra o controle operário da indústria e atacando os trotskistas cubanos, vão todos no mesmo sentido.

6. Hansen repete todos os argu- mentos em relação às nacionalizações feitas pelo governo de Castro, sem introduzir nada de novo à discussão. Nós indicamos que nacionalizações podem, hoje, significar muitas coisas diferentes  e serem frequentemente levadas a cabo por governos burgueses, particularmente em países atrasados. Quanto mais o capitalismo avança — não havendo a vitória do proletariado nos países desenvolvidos — mais a economia capitalista terá de adotar medidas que se adaptem ao caráter da indústria moderna, à divisão do trabalho e à comunicação, restringindo, mais ainda, a economia às contradições do capitalismo. Hansen faz uma terrível confusão na argumentação desse ponto. Ele diz: se nacionalizações como aquelas em Cuba podem ser levadas adiante por um Estado Burguês, isso não nos leva  a conclusão de que o capitalismo ainda pode ter um papel progressista? Esse é o único argumento que os revisionistas têm em mente (“O capitalismo ainda pode dar certo”). Hansen está afirmando aquilo que é dito pelos governos e porta-vozes do capitalismo. O fato é que, assim, a economia de Cuba, de Israel, do Egito ou de qualquer outro país é impedida de se tornar parte da economia internacional racionalmente planejada do socialismo. Será que o uso da fissão nuclear prova que a ciência e a indústria ainda podem avançar sob o capitalismo e que o marxismo está errado? Ou isso demonstra exatamente o contrário, que cada avanço tecnológico, enquanto o capitalismo não for abolido, se transforma em seu oposto, i.e., que todo o desenvolvimento tecnoló- gico envolve contradições econômicas e políticas ainda maiores?

Hansen não leva em consideração a relevância de seu critério de “nacionalização” para dizer onde, se no Egito ou em Burma, um governo militar-nacionalista recentemente nacionalizou os bancos e demais propriedades estrangeiras. Talvez estes tenham de ser  chamados de Estados Operários caso alguém (um governo burguês ou pequeno-burguês) nacionalize essas empresas, o que deve implicar em futuros papéis progressistas à classe e ao sistema capitalistas. Nós levantamos a questão da avaliação do SWP em relação a esses estados num documento anterior, mas Hansen não nos deu qualquer resposta. Sobre a questão da nacionalização da terra, um pequeno detalhe demonstrará a limitação da apresentação de Hansen. Ele diz que a alienabilidade da terra (uma vez que ela pode ser comprada e vendida) está “fora do cerne dessa discussão”, e ainda aproveita a oportunidade para atacar a “ignorância dos fatos em relação a isso” por parte da SLL. Ele continua:

Acontece que a Lei da Reforma Agrária especifica que o ‘mínimo vital’ de terra, cuja propriedade o camponês recebe, ‘será inalienável’. Isenta de impostos, essa terra não pode ser anexada, não é sujeita a contrato, arrendamento, aluguel ou usufruto. Ela só pode ser transferida por meio da venda para o Estado ou por herança passada apenas a um herdeiro com a morte do proprietário, ou, ainda, no caso de não haver herdeiros, pela venda numa audiência pública a compradores que devem ser ou camponeses ou operários agrícolas.

Uma omissão muito interessante dessa passagem — na qual o único significado que se pode extrair é o de que o governo Castro tentou criar uma classe média camponesa, estável e pequena em Cuba — é a de que, apesar do “mínimo vital”, existem, também, propriedades muito maiores, até um máximo de 1.000 acres, e que, estando num número entre o mínimo e o máximo, a terra pode ser comercializada no mercado. A correção de Hansen à nossa “ignorância”, aqui, talvez sirva de exemplo sobre como começar com “os fatos”.

7. Por fim, nós levantamos a questão da necessidade de um novo partido revolucionário em Cuba. Hansen ignora isso completamente. Ele prefere ficar com “os fatos”.

O silêncio de Hansen

Em nossa resposta a Cuba — The Acid Test, nos restringimos aos princípios metodológicos levantados  por  Hansen  e demos vários exemplos das diferenças entre estes e os nossos, particularmente sobre Cuba. Outras questões que citamos em Trotskyism Betrayed foram ignoradas por Hansen — e ainda esperamos sua resposta. Por exemplo, nós discorremos várias páginas para responder a acusação de “subjetivismo” em nossa avaliação da situação mundial. Tomando o Programa de Transição[12] de Trotsky e a resolução internacional da SLL (Perspectiva Mundial para o Socialismo) nós demonstramos que a nossa avaliação da relação entre a direção e as contradições objetivas do capitalismo é  a mesma de Trotsky. Hansen não dedica nenhum esforço a responder este ponto; talvez ele pense ser suficiente dizer que “o mundo hoje é completamente diferente daquele de 1936-1939” (p. 28). Nós fizemos, ainda, uma resposta detalhada, defendendo nossa caracterização da liderança da Argélia e do entreguismo do acordo de Evian. Mais uma vez, nenhuma resposta de Hansen (veja a seguir). Que tipo de discussão Hansen pretende fazer? Nós tentamos abordar todos os pontos levantados, para levá-los até o fim, mas Hansen simplesmente os ignora. Tal discussão logo se tornará estéril. Tratamento similar é dado à questão da construção de partidos leninistas. Nós estabelecemos, com evidências documentais, a falsidade das afirmações de Hansen de que Lenin e Trotsky haviam construído o Partido principalmente por meio de rupturas e fusões. Nós apontamos a firmeza teórica essencial e a ha bilidade características de Lênin para levar a cabo essas rupturas, bem como o reconhecimento dessas  qualidades por Trotsky. Hansen não respondeu uma única palavra sobre isso.

Por fim, levantamos mais uma vez a relação entre a revolução nos  estados capitalistas desenvolvidos e nos países atrasados. Nós insistimos, especialmente, nas implicações políticas da declaração do SWP, de que “o citado atraso no oeste, essa característica negativa, (era) o mais importante elemen- to da realidade atual”. Toda a conversa dos revisionistas acerca das “forças objetivas favoráveis” se soma, na verdade, ao oposto do que pode parecer. Os tempos estão bons, e cada vez melhores, dizem eles. Mas para que? Para a construção de partidos revolucionários em torno do programa da Quarta Internacional? Não! Para a ascensão de marxistas nos agrupamentos políticos pequeno-burgueses, uma política à qual o trotskismo deveria  dirigir  todos os seus esforços! Isso é o máximo que se pode esperar de Hansen e dos pablistas. Seu “aprofundamento” e seu silêncio em questões de princípio a respeito de novos partidos revolucionários, da democracia soviética e da revolução política, têm a função de encontrar caminhos para “começar a participar da ação”. Alguém tem que fazer o trabalho, e, nesse momento, quem o está fazendo são a burocracia stalinista e os líderes nacionalistas. E para os países desenvolvidos: “Na verdade, a experiência nos parece mostrar que a dificuldade de chegar ao poder nos países imperialistas aumentou, de alguma forma, desde o tempo dos bolcheviques”. Isso é dito por Hansen para fazer uma contraposição, argumentando que a construção de partidos revolucionários é, mesmo assim, uma “necessidade absoluta nos países capitalistas desenvolvidos”. Nesses países, portanto, é justamente esta é a questão: são necessários partidos marxistas. Mas, de qualquer forma, o epicentro da revolução está hoje em outro lugar e, nele, ela pode ser realizada por outros grupos. Na verdade os “partidos” de Hansen e dos pablistas nos países desenvolvidos se tornam “chefes de torcida” para os pequeno-burgueses nacionalistas da Argélia, Cuba etc. Hansen opta por ignorar a linha desses pablistas na Europa, que “mantêm suas cabeças rebaixadas” diante da social-democracia, esperando serem descobertos por algum partido centrista ao invés de construir partidos independentes em oposição às lideranças reacionárias.

O documento de Hansen, Cuba — The Acid Test, é uma séria advertência aos marxistas. Ele é uma séria contribuição para uma discussão internacional, mas ignora várias questões vitais levantadas anteriormente, questões acerca de todo o passado e orientação do bolchevismo.

Ao invés disso, Hansen insiste nos “fatos” e, em particular, no fato da revolução cubana. Nessa parte da discussão ele não introduz nada de novo, a não ser a distorção demagógica das posições da SLL — numa tentativa inconsistente de tirar alguma vantagem em cima das avaliações diferentes sobre Cuba feitas pelas seções francesa e britânica do CI.

Tudo isso indica que Hansen está fugindo da questão política fundamental. Sua insistência na “prova de fogo” de Cuba é, na verdade, a defesa de que o “senso comum” se sobreponha à teoria. É isso que embasa as concepções completamente diferentes de construção da Internacional, agora dividindo o SWP e a SLL. Sem teoria revolucionária, não há partido revolucionário.

O grande benefício a ser extraído de Cuba — The Acid Test é que torna explícito o fundamento desse abandono da teoria revolucionária, do materialismo dialético. Hansen agora estabeleceu abertamente a defesa do empirismo como um método, um método que tem uma expressão natural nas políticas do oportunismo. A essas políticas que os métodos de Hansen levam. É por esse motivo que ele e Cannon caminham para unificação com o pablismo, cujas revisões oportunistas e liquidacionistas de 1953 estão longe de serem corretas. O que aconteceu foi que a estagnação teórica dos trotskistas americanos levou-os inevitavelmente ao mesmo fim.

Adaptado por unanimidade pelo Comitê Nacional da Socialist Labour League, em 23 de março de 1963.

Adendo

É uma característica do regime castrista que nenhum órgão dirigente das ORI seja eleito. Enquanto Castro incentiva o sectarismo e o dogmatismo no partido, ele é ao mesmo tempo o responsável pela instalação de uma burocracia autocrática que se perpetua.

Por exemplo, o “processo de re- organização” nas ORI é conduzido pelo Comitê Nacional — que é nomeado. Quem organiza o Comitê Nacional? Presumidamente Castro. Não existe liberdade para tendências dissidentes nem provisões para a representação da minoria. Todas as decisões políticas são feitas a portas fechadas por uma pequena quadrilha de Castro e seus apoiadores. Não existe debate democrático e nem mesmo pequenas discussões. Por exemplo, durante a última crise dos mísseis, transpareceu que “algumas pessoas” das ORI haviam favorecido uma inspeção da ONU. Ninguém soube quem eram essas pessoas e que chance elas tiveram de se manifestar. Nós tivemos que esperar que Castro falasse para captar os fatos que conseguíssemos.

Há pouco tempo, mais uma vez, os trabalhadores de Havana foram tratados com uma desonestidade de organização sem precedente na revolução. Esse foi o motivo que levou à decisão de dissolver o Comitê de Província (37) de Havana, seu comitê executivo e seu secretariado. Foi substituído por um reduzido comitê executivo provisório (11) com “funções limitadas, consideradas indispensáveis nesse estágio”.

A aparente razão — a oficial — para essa ação arbitrária foi a falência desse importante órgão de liderança em conduzir o “trabalho de reorganização”, mas a real razão foi provavelmente de cunho político — a eliminação dos remanescentes das forças de Escalante nas ORI.

O Comitê de Província — um dos mais importantes em Cuba — não teve o direito de apelar a qualquer congresso das ORI, pela simples razão de que não houve reuniões democráticas do congresso e há poucas possibilidades de que isso se realize no futuro.

Ao mesmo tempo, também, todas as organizações de partidos na Província de Havana foram estabelecidas sob a direção de onze comissões regionais, que não estão submetidas a eleições e renovações.

A centralização burocrática atual nas ORI é a antítese da democracia da classe trabalhadora e o mais claro sintoma de bonapartismo na revolução.

Nós não desejamos fazer da democracia um fetiche  —  nem minimizar a importância da disputa eleitoral numa revolução. Mas, se a ditadura for permanecer popular e viável, ela deve ser baseada numa ampla democracia. O camarada Cannon, em seu próprio estilo inimitável, expressou esse pensamento sucintamente quando escreveu:

Quando os fundadores do socialismo científico disseram que os trabalhadores deveriam se emancipar, eles quiseram dizer que ninguém o faria, nem poderia, por eles. O mesmo se aplica às suas organizações, seus instrumentos de luta pela emancipação. Se eles realmente servem ao seu propósito, essa organização deve pertencer aos trabalhadores e ser democraticamente controlada e operada por eles. Ninguém pode fazer isso por eles. Assim pensaram os grandes democratas, Marx e Engels (Caderno de um Agitador, p.239, Publicações Pioneer, 1958).

Não temos mais nada a dizer.

Notas

1.  Refere-se o autor, aqui, à cisão de 1953, que criou  o Comitê Internacional, opondo-o ao Secretariado Internacional pablista.
2.  Ambos os textos, Trotskyism Betrayed (O Trotskismo Traído) e Report to the Plenum (Relato Ao Pleno), foram publicados no volume III do Trotskyism Versus Revisionism. Já as iniciais referem-se, aqui, a Cliff Slaughter (C.S.) e Joseph Hansen (J.H.).
3.  Cuba – The Acid Test: A reply to the Ultra-left sectarians (Cuba – A Prova de Fogo: uma resposta aos sectários ultra-esquerdistas), de Joseph Hansen, publicado em 20 de novembro de 1962.
4. Revista teórica da SLL.
5. “Germain” era o nome com o qual Ernest Mandel assinava seus textos.
6.  Secretariado Internacional da Quarta Internacional, SI, corrente internacional que existia antes da “unifica- ção”, dirigida por Pablo e Mandel.
7. Jornal do SWP, na época a seção norte-americana do CI.
8. Jornal da SLL.
9. Em julho de 1961 foram formadas as Organizações Revolucionárias Integradas, ORI, pela fusão entre o Movimento 26 de Julho, de Fidel Castro, o Partido Socialista Popular (antigo Partido Comunista),  dirigi- do por Blas Roca e o Diretório Revolucionário 13 de Março, Dirigido por Faure Chomón.  Em  26  de  março de 1962, as ORI tornaram-se o Partido Unido da Revolução Socialista Cubana (PURSC), que, por sua vez, tornou-se o Partido Comunista de Cuba em 3 de outubro de 1965, tendo Castro como seu Secretário-geral.
10.   O SWP, que inicialmente defendia os trotskistas cubanos contra a repressão do regime Castro, dentro de alguns meses mudou de posição e apoiou a repressão.
11. Aníbal Escalante, influente figura das ORI, era o líder do stalinista PSP.
12. Trata-se do programa histórico da Quarta Internacional.