Transição Socialista

Friedrich Engels: Princípios do Comunismo (1847)

Em homenagem aos 200 anos do nascimento de Friedrich Engels (1820-2020), realizamos nova tradução de seu texto Princípios do Comunismo[1], escrito ao final de 1847 como primeiro esboço de programa para a Liga dos Comunistas. O texto, como se sabe, foi em seguida substituído pelo famoso Manifesto do Partido Comunista, redigido sobretudo por Marx. A substituição se deu pois ambos os autores finalmente consideraram a forma de “catecismo” (perguntas e respostas) dos Princípios um pouco antiquada para a expressão de suas novas ideias. Todavia, isso não diminui o enorme valor histórico e teórico deste esboço genial de Engels. A tradução do alemão foi realizada por M. Nogueira, diretamente de Marx-Engels Werke (MEW), vol. 4, Berlim: Dietz Verlag, 1974, pp. 361-380. A revisão da tradução coube a V. Augusto e U. Bueno. As notas da edição brasileira são de R. Padial.


PRINCÍPIOS DO COMUNISMO

1ª pergunta: O que é o comunismo?

Resposta: O comunismo é a doutrina das condições de libertação do proletariado.

2ª pergunta: O que é o proletariado?

Resposta: O proletariado é aquela classe da sociedade cujo sustento provém unicamente da venda do seu trabalho [2], e não do lucro de qualquer capital; cujo bem-estar e mal-estar, cuja vida e morte, cuja existência toda depende da demanda de trabalho, ou seja, da alternância de momentos de negócio bons e ruins, das oscilações de uma concorrência descontrolada O proletariado, ou a classe dos proletários, é, numa palavra, a classe trabalhadora do século XIX.

3ª pergunta: Portanto, nem sempre houve proletários?

Resposta: Não. Classes pobres e trabalhadoras sempre houve [3]; e as classes trabalhadoras foram, em sua maioria, pobres. Mas estes pobres, estes trabalhadores que vivem nas condições que acabamos de mencionar, isto é, os proletários, nem sempre existiram, assim como nem sempre foi livre e desenfreada a concorrência.

4ª pergunta: Como surgiu o proletariado?

Resposta: O proletariado surgiu durante a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra na última metade do século passado, e que, desde então, repetiu-se em todos os países civilizados do mundo. Essa revolução industrial foi causada pela invenção da máquina a vapor, das diversas máquinas de fiar, do tear mecânico e de uma série de outros dispositivos mecânicos. Essas máquinas, que eram muito caras, e, por isso, apenas podiam ser adquiridas pelos grandes capitalistas, modificaram todo o anterior modo de produção e substituíram os antigos trabalhadores, ao passo que as máquinas forneciam mercadorias mais baratas e melhores do que as que os trabalhadores podiam produzir com as suas rodas de fiar e seus teares imperfeitos.

Essas máquinas colocaram assim toda a indústria nas mãos dos grandes capitalistas e deixaram os poucos bens dos trabalhadores (ferramentas, teares etc.) completamente sem valor, de modo que os capitalistas logo tomaram tudo em suas mãos e nada sobrou aos trabalhadores. Assim foi introduzido na manufatura de tecido o sistema fabril. Uma vez dado o impulso para a introdução da maquinaria e do sistema fabril, este se aplicou também, em seguida, a todos os outros setores industriais, especialmente aos setores de impressão de materiais e de livros, às olarias e indústrias de metais. O trabalho foi cada vez mais dividido entre trabalhadores isolados, a ponto de o trabalhador que antes fazia toda uma peça fazer agora apenas uma pequena parte dela.

Essa divisão do trabalho possibilitou um fornecimento mais rápido e, consequentemente, mais barato dos produtos. Ela reduziu a atividade de cada trabalhador a uma operação tão simples, repetitiva e mecânica que uma máquina a faria não só tão bem, mas melhor. Dessa forma, todos os ramos industriais se submeteram, um após outro, ao domínio do poder do vapor, da maquinaria e do sistema fabril, como ocorrera com a fiação e a tecelagem. Ao mesmo tempo, assim, eles caíram completamente nas mãos dos grandes capitalistas, e os trabalhadores foram privados dos seus últimos resquícios de independência. Aos poucos, além da própria manufatura, também o artesanato passou a ser mais e mais dominado pelo sistema fabril, pois nele os grandes capitalistas substituíram cada vez mais os pequenos proprietários, com grandes instalações de ateliês onde muitos custos podiam ser reduzidos e o trabalho podia ser melhor dividido.

Assim chegamos ao ponto em que quase todos os ramos de trabalho nos países civilizados operam de maneira fabril, em que a grande indústria substituiu o artesanato e a manufatura em quase todos os setores. Desse modo, a anterior classe média, especialmente os pequenos mestres artesãos, foi cada vez mais arruinada, a situação do trabalhador foi completamente revolucionada e duas novas classes foram criadas, suprimindo todas as outras, a saber:

1. A classe dos grandes capitalistas, que, em todos os países civilizados, já possui quase exclusivamente todos os meios de existência, as matérias-primas e os instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a produção dos meios de vida. Essa é a classe dos burgueses ou a burguesia;

2. A classe dos completamente despossuídos, que dependem da venda de seu trabalho aos burgueses para obter os meios de existência necessários ao seu sustento. Esta classe se chama a classe dos proletários ou o proletariado.

5ª pergunta: Em que condições ocorre essa venda do trabalho dos proletários à burguesia? [4]

Resposta: o trabalho é uma mercadoria como todas as outras, portanto seu preço é determinado exatamente pelas mesmas leis que qualquer outra mercadoria. O preço de uma mercadoria, sob a dominação das grandes indústrias ou da livre concorrência – que, como veremos, equivalem à mesma coisa –, é em média sempre igual aos custos de produção dessa mercadoria. Portanto, o preço do trabalho é também igual aos custos de produção do trabalho. 

Os custos de produção do trabalho consistem na quantidade de meios de existência necessários para manter os operários em condições de continuar a trabalhar e impedir que a classe trabalhadora pereça. O operário, portanto, receberá por seu trabalho não mais do que necessita para esse fim. Desse modo, o preço do trabalho ou do salário será o mais baixo, o mínimo necessário para viver. Dado que o tempo dos negócios é ora ruim e ora bom, segue-se que ele [o operário] consegue ora mais e ora menos, da mesma forma como o fabricante ganha ora mais e ora menos por suas mercadorias. Mas assim como o fabricante, em média, durante os momentos bons e ruins dos negócios, não recebe nem mais nem menos por suas mercadorias do que seus custos de produção, também o trabalhador, em média, não recebe nem mais nem menos do que aquele mínimo. Essa lei econômica dos salários todavia será executada com mais rigor quanto mais a grande indústria assumir controle de todos os ramos de trabalho.

6ª pergunta: Que classes trabalhadoras existiam antes da revolução industrial?

Resposta: A depender dos vários estágios de desenvolvimento da sociedade, as classes trabalhadoras viveram em relações diferentes, com diferentes posições em relação às classes possuidoras e dominantes. Na Antiguidade, os trabalhadores eram escravos dos proprietários, como ainda ocorre em muitos países atrasados e mesmo na parte sul dos Estados Unidos. Na Idade Média, eles eram servos da nobreza latifundiária, como ainda são na Hungria, Polônia e Rússia. Na Idade Média, até a revolução industrial, também havia jornaleiros nas cidades, trabalhando a serviço dos mestres pequeno-burgueses; gradualmente, com o desenvolvimento da manufatura, surgiram também operários manufatureiros, que já eram empregados pelos capitalistas menores.

7ª pergunta: Como o proletário se difere do escravo? [5]

Resposta: O escravo é comprado de uma vez por todas; o proletário deve se vender todo dia e a toda hora. O escravo individual, propriedade de um senhor, já tem uma existência assegurada pelos interesses desse senhor, por mais miserável que seja; já o proletário individual é, por assim dizer, propriedade de toda a classe burguesa, a qual compra seu trabalho apenas quando necessita, mantendo-o na insegurança. A existência só é garantida à classe proletária como um todo. O escravo fica fora da concorrência, já o proletário está nela e sente todas as suas oscilações. O escravo vale como uma coisa, não como um membro da sociedade civil; já o proletário é reconhecido enquanto pessoa e membro da sociedade civil.

O escravo pode assim ter uma existência melhor do que a do proletário, mas o proletário pertence a um nível superior de desenvolvimento da sociedade, e ele próprio está num nível superior ao do escravo. A libertação do escravo apenas abole a relação de escravidão (considerada entre todas as relações de propriedade privada), e assim torna-se ele mesmo um proletário; o proletário, por sua vez, só pode se libertar abolindo a propriedade privada em geral.

8ª pergunta: Como o proletário se difere do servo?

Resposta: O servo tem posse e faz uso de um instrumento de produção, de um pedaço de terra, em troca de uma parte do produto ou em troca de prestação de trabalho. O proletário trabalha com instrumentos de produção de outrem e por conta desse outrem, e em troca recebe uma parte da renda. O servo entrega, o proletário recebe. O servo tem uma existência garantida, o proletário não. O servo está fora da concorrência, o proletário está nela. O servo liberta-se seja pela fuga rumo às cidades, onde se torna um artesão; seja por pagamentos ao seu senhor – invés de dar-lhe trabalho e produtos –, com o que se torna um arrendatário livre; seja ao expulsar seu senhor feudal – tornando-se ele mesmo proprietário. Em suma, numa forma ou noutra ele adentra a classe proprietária e a concorrência. O proletário se liberta abolindo a concorrência, a propriedade privada e todas as diferenças de classe.

9ª pergunta: Como o proletário se difere do artesão? [6]

10ª pergunta: Como o proletário se difere do trabalhador manufatureiro?

Resposta: O trabalhador manufatureiro dos séculos XVI a XVIII possuía quase sempre um instrumento de produção: seu tear, as rodas de fiar para a sua família, um pequeno campo que cultivava nas horas extras. O proletário não tem nada disso. O trabalhador manufatureiro quase sempre vive no campo e em relações mais ou menos patriarcais com o seu senhor ou patrão; majoritariamente, o proletário vive em grandes cidades e tem uma relação puramente monetária com o seu empregador. O trabalhador manufatureiro é arrancado de suas relações patriarcais pela grande indústria, perde a propriedade que ainda tinha e torna-se assim um proletário.

11ª pergunta: Quais os resultados imediatos da revolução industrial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?

Resposta: Em primeiro lugar, o antigo sistema de manufatura ou da indústria baseada no trabalho manual foi completamente destruído pelos preços cada vez mais baixos dos produtos industriais provenientes do trabalho das máquinas. Todos os países semibárbaros, que até então permaneceram mais ou menos alheios ao desenvolvimento histórico e cuja indústria até então se baseava na manufatura, foram arrancados à força de seu isolamento. Eles compraram os produtos mais baratos dos ingleses e arruinaram seus próprios trabalhadores manufatureiros. Assim, países que não faziam nenhum progresso há milênios, p. ex., a Índia, foram revolucionados por completo, e agora até mesmo a China está se encaminhando para uma revolução. Chegamos a um ponto em que uma nova máquina, que está sendo inventada hoje na Inglaterra, dentro de um ano deixará milhões de operários sem pão na China. Desse modo, a grande indústria ligou todos os povos da Terra entre si, juntou todos os mercados locais para formar o mercado mundial, preparou, por toda parte, a civilização e o progresso, e fez com que tudo o que acontecesse nos países civilizados afetasse os demais, de tal forma que se os trabalhadores se libertam hoje na Inglaterra ou na França, isso tende a levar a revoluções em todos os outros países, nos quais, cedo ou tarde, também se realizará a libertação de seus trabalhadores.

Em segundo lugar, em toda região em que a grande indústria substituiu a manufatura, ela desenvolveu a burguesia, sua riqueza e seu poder no mais alto grau, tornando-a a primeira classe do país. A consequência foi que a burguesia, onde quer que isso tenha acontecido, tomou o poder político em suas mãos e substituiu as antigas classes dominantes, a aristocracia, os donos das guildas e o que a ambos representava, a realeza absoluta.

A burguesia aniquilou o poder da aristocracia, da nobreza, ao abolir o Majorate e a inalienabilidade da propriedade fundiária e dos privilégios nobres [7] . Ela destruiu o poder dos donos das guildas ao abolir as próprias guildas e os privilégios do artesanato. No lugar de ambos, instaurou a livre concorrência, ou seja, a situação de sociedade em que todos têm o direito de empreender em qualquer ramo da indústria sem impedimento, exceto a falta do capital necessário. 

A introdução da livre-concorrência é portanto a declaração pública de que a partir de agora os membros da sociedade só são desiguais na medida em que seus capitais são desiguais, de que o capital é o poder decisivo e, por isso, os capitalistas, os burgueses, tornaram-se a primeira classe da sociedade. A livre-concorrência é necessária para o início da grande indústria porque é a única situação que permite seu surgimento. A burguesia, depois de ter destruído o poder social da nobreza e dos donos das guildas, destruiu também seu poder político. Por ter ascendido enquanto a primeira classe da sociedade, proclamou-se também politicamente como a primeira classe. Ela o fez por meio da introdução do sistema representativo, o qual se baseia na igualdade civil perante a lei e no reconhecimento legal da livre-concorrência, e que foi introduzido nos países europeus sob a forma da monarquia constitucional. Nessas monarquias constitucionais, são eleitores apenas aqueles que possuem uma certa quantidade de capital, isto é, apenas a burguesia; esses eleitores burgueses elegem deputados e esses deputados burgueses elegem, por meio do direito à recusa de impostos, um governo burguês.

Em terceiro lugar, ela desenvolveu o proletariado em toda parte na mesma medida em que desenvolveu a si mesma. Na mesma proporção em que a burguesia enriqueceu, os proletários tornaram-se mais numerosos. Pois como os proletários só podem ser empregados pelo capital, e como o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a multiplicação do proletariado acompanha o passo da multiplicação do capital. Ao mesmo tempo, reúnem-se tanto a burguesia quanto os proletários nas grandes cidades, nas quais se mostra mais vantajosa a exploração industrial, e, por meio dessa concentração de grandes massas num só lugar, ganham os proletários a consciência da sua força. Além disso, quanto mais há desenvolvimento, quanto mais são inventadas novas máquinas que suprimem o trabalho manual, tanto mais a grande indústria, como já dito, reduz os salários ao mínimo, tornando a situação do proletariado cada vez mais insuportável. Assim ela prepara, com uma crescente insatisfação por um lado, e com o crescente poder do proletariado por outro, uma revolução social por meio do proletariado.

12ª pergunta: Quais foram as outras consequências da revolução industrial?

Resposta: A grande indústria criou, na máquina a vapor e em outras máquinas, os meios de multiplicar infinitamente a produção industrial em pouco tempo e com baixo custo. Com essa facilidade de produção, a livre concorrência, que necessariamente provinha dessa grande indústria, logo assumiu um caráter extremamente intenso; um grande número de capitalistas se atirou na indústria, e, em pouco tempo, mais foi produzido do que poderia ser consumido. O resultado disso foi que os produtos fabricados não puderam ser vendidos e ocorreu a chamada crise comercial. As fábricas ficaram paradas, os fabricantes faliram e os trabalhadores ficaram sem pão. Uma grande miséria ocorreu em todos os lugares. Depois de um tempo, os produtos supérfluos foram vendidos, as fábricas começaram a funcionar novamente, os salários aumentaram, e, aos poucos, os negócios foram melhores do que nunca. Mas não demorou muito para que os bens fossem produzidos em excesso novamente, e uma nova crise se instalou, que tomou apenas o mesmo curso da anterior. Portanto, desde o início deste século, a situação da indústria oscilou continuamente entre épocas de crise, e, quase regularmente, a cada cinco a sete anos [8] tal crise ocorreu, cada vez com a maior miséria dos trabalhadores, com agitação revolucionária e com o maior perigo para a ordem vigente.

13ª pergunta: O que se resulta dessas crises comerciais recorrentes?

Resposta: Em primeiro lugar: que essa grande indústria, embora ela própria tenha produzido a livre concorrência em sua primeira época de desenvolvimento, agora superou a livre concorrência; a concorrência e a exploração da produção industrial particular se tornaram um obstáculo para ela, o qual ela deve quebrar e quebrará; que a grande indústria, enquanto se mantiver no nível atual, só pode se manter por meio de uma confusão geral, repetida a cada sete anos, que cada vez ameaça toda a civilização e mergulha não só os proletários na miséria, mas também arruína um grande número de burgueses;  ou a própria grande indústria deve ser completamente abandonada (o que é absolutamente impossível); ou faz-se necessária uma organização da sociedade totalmente nova, sem fabricantes isolados concorrendo entre si, e sim com toda a sociedade dirigindo a produção industrial, com um planejamento fixado de acordo com a necessidade de todos.

Em segundo lugar: que a grande indústria e a expansão infinita da produção possibilitada por ela tornam possível um estado de sociedade em que seja produzido tanto que cada membro da sociedade ficará, assim, em condições de desenvolver toda a sua energia e talentos em completa liberdade. De tal modo que é exatamente a característica atual da grande indústria – a de produzir toda a miséria e todas as crises comerciais na sociedade atual – a que, sob uma organização social diferente, destruirá a miséria e a infeliz instabilidade. Para que fique provado mais claramente:

1. que de agora em diante todos esses males só podem ser atribuídos à ordem social que não se adequa às circunstâncias; e

2. que os meios estão disponíveis para eliminar por completo esses males pela via de uma nova ordem social;

14ª pergunta: De que tipo será essa nova ordem social?

Resposta: Acima de tudo, ela tirará a utilização da indústria e de todos os ramos de produção das mãos dos indivíduos isolados e concorrentes, e, no lugar, fará com que todos os ramos de produção sejam utilizados por toda a sociedade, ou seja, por conta da comunidade, de acordo com um plano conjunto e com a participação de todos os membros da sociedade. Portanto, ela acabará com a concorrência e colocará em seu lugar a associação. Visto que a exploração da indústria por indivíduos resultou na propriedade privada e a concorrência nada mais é do que a maneira pela qual a indústria é explorada por proprietários privados, a propriedade privada não pode ser separada da exploração particular da indústria e da concorrência. A propriedade também terá de ser abolida, e, em seu lugar, será estabelecido o uso comum de todos os instrumentos de produção e a distribuição de todos os produtos por meio de um comum acordo ou pela chamada comunidade de bens. A abolição da propriedade privada é sim o resumo mais curto e significativo da reorganização de toda a ordem social que surgiu necessariamente do desenvolvimento da indústria, e é, portanto, corretamente reivindicada pelos comunistas enquanto a sua principal demanda.

15ª pergunta: A abolição da propriedade privada não era possível anteriormente?

Resposta: Não. Cada mudança na ordem social, cada reviravolta nas relações de propriedade foi um resultado necessário da criação de novas forças produtivas que não podiam mais se conter nas antigas relações de propriedade. A própria propriedade privada surgiu assim. Afinal, a propriedade privada nem sempre existiu, mas quando foi criado um novo tipo de produção, na manufatura no final da Idade Média, que não se subordinava à propriedade feudal e corporativa da época, esta manufatura, que havia superado as antigas relações de propriedade, criou uma nova forma de propriedade, a propriedade privada. Para a manufatura e para o primeiro estágio de desenvolvimento da grande indústria, não havia nenhuma outra forma de propriedade possível além da propriedade privada, nenhuma outra ordem social além daquela baseada na propriedade privada. Enquanto não for possível produzir o bastante para que não só haja o suficiente para todos, mas também um excedente de produtos para aumentar o capital social e desenvolver ainda mais as forças produtivas, deve haver sempre uma classe dominante que controla as forças produtivas da sociedade e uma classe pobre e oprimida. Como serão essas classes dependerá do estágio de produção. A Idade Média, que depende da agricultura, nos deu o barão e os servos; as cidades, no final da Idade Média, nos mostraram o mestre da corporação, o oficial e o jornaleiro; o século XVII tem seu fabricante e o trabalhador manufatureiro; o século XIX, o grande fabricante e o proletário.

É claro que até agora as forças produtivas ainda não haviam se desenvolvido a ponto de poder produzir o suficiente para todos, e que a propriedade privada ainda não havia se tornado um grilhão, uma barreira para essas forças produtivas. Mas agora, quando o desenvolvimento da grande indústria, em primeiro lugar, gera capital e forças produtivas em uma extensão nunca antes conhecida e os meios estão disponíveis para aumentar essas forças produtivas infinitamente em um curto espaço de tempo; agora, quando, em segundo lugar, essas forças produtivas se acumulam nas mãos de poucos burgueses, enquanto a grande massa do povo cada vez mais se torna mais miserável na mesma medida em que a riqueza da burguesia aumenta; agora, quando, em terceiro lugar, essas forças produtivas poderosas e facilmente aumentadas ultrapassaram tanto a propriedade privada e os burgueses que provocam, a cada momento, as mais violentas perturbações na ordem social – agora a abolição da propriedade privada não se tornou apenas possível, mas também absolutamente necessária.

16ª pergunta: A abolição da propriedade privada será possível de forma pacífica?

Resposta: Seria de se desejar que isso pudesse acontecer, e os comunistas certamente seriam os últimos a se rebelar contra isso. Os comunistas sabem muito bem que todas as conspirações não são apenas inúteis, mas também prejudiciais. Eles sabem muito bem que revoluções não são feitas por deliberação e arbítrio, mas foram sempre, em qualquer lugar e tempo, a consequência necessária de circunstâncias absolutamente independentes da vontade e da direção de partidos específicos e classes inteiras.

Mas eles também veem que o avanço do proletariado em quase todos os países civilizados é reprimido pela força, e que é justamente assim que os oponentes dos comunistas colaboram, com todas as suas forças, para uma revolução. Se isso finalmente levar o proletariado oprimido à revolução, então nós, comunistas, defenderemos pelos meios da ação a causa dos proletários, tão bem quanto hoje o fazemos por meio da palavra.

17ª pergunta: A abolição da propriedade privada será possível com um golpe só?

Resposta: Não, do mesmo modo que as forças produtivas já existentes não podem ser multiplicadas de uma vez só, o tanto quanto necessário para estabelecer a comunidade. A provável revolução do proletariado, que já se encaminha, só remodelará gradualmente a sociedade atual e só abolirá a propriedade privada quando tiver sido criada a massa de meios de produção necessária.

18ª pergunta: Qual curso de desenvolvimento essa revolução tomará?

Resposta: Acima de tudo, ela estabelecerá uma constituição estatal democrática e, portanto, direta ou indiretamente, o governo político do proletariado. Diretamente na Inglaterra, onde os proletários já constituem a maioria da população. Indiretamente na França e na Alemanha, onde a maioria do povo não consiste só de proletários, mas também de pequenos camponeses e burgueses que transitam para o proletariado, e se tornam, cada vez mais, dependentes do proletariado em todos os seus interesses políticos (e, portanto, têm de se acomodar às reivindicações do proletariado). Isso talvez custará uma segunda luta, mas que só pode terminar com a vitória do proletariado.

A democracia seria completamente inútil ao proletariado se não pudesse ser usada para realizar medidas que atacam imediata e diretamente a propriedade privada e garantem a existência do proletariado. As principais dessas medidas, claramente consequências necessárias das condições existentes, são as seguintes:

  1. Restrição da propriedade privada por meio de impostos progressivos, impostos rigorosos sobre herança, abolição da herança em linhagens paralelas (irmãos, sobrinhos etc.), empréstimos forçados etc.
  2. Expropriação gradual dos latifundiários, fabricantes, proprietários de ferrovias e de navios armadores, em parte pela concorrência da indústria estatal, em parte diretamente em troca de indenização em Assignats [9].
  3. Confisco dos bens de todos os emigrantes e rebeldes contra a maioria do povo.
  4. Organização do trabalho ou emprego dos proletários em fábricas e oficinas nacionais, em que seja eliminada a concorrência dos trabalhadores entre si e os fabricantes sejam obrigados, enquanto existirem, a pagar os mesmos salários elevados que o Estado.
  5. Trabalho igualmente obrigatório para todos os membros da sociedade até a completa abolição da propriedade privada. Formação de exércitos industriais, especialmente para agricultura.
  6. Centralização do sistema de crédito e do comércio de dinheiro nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e supressão de todos os bancos privados e seus banqueiros.
  7. Aumento de fábricas nacionais, oficinas, ferrovias e navios, recuperação de todas as terras e melhoria das já recuperadas, na mesma proporção em que aumentam o capital e os trabalhadores à disposição da nação.
  8. Educação de todas as crianças, desde o momento em que podem dispensar os primeiros cuidados maternos, nas instituições nacionais e às custas do país.
  9. Construção de grandes edifícios nas propriedades nacionais como moradias comuns para o conjunto de cidadãos que se dediquem à indústria e à agricultura, e que combinam as vantagens da vida urbana e rural sem compartilhar as unilateralidades e desvantagens de ambos os modos de vida.
  10. Destruição de todas as casas e bairros insalubres e mal construídos.
  11. O mesmo direito de herança para filhos ilegítimos e legítimos.
  12. Concentração de todo o sistema de transporte nas mãos da nação. [10]

Naturalmente, todas essas medidas não podem ser executadas de uma só vez. Mas uma coisa sempre levará a outra. Uma vez ocorrido o primeiro ataque radical contra a propriedade privada, o proletariado se sentirá obrigado a ir cada vez mais longe, a concentrar cada vez mais nas mãos do Estado todo o capital, toda a agricultura, toda a indústria, todo o transporte, todo o comércio. Todas essas medidas contribuem para isso; elas se tornarão executáveis e desenvolverão suas consequências centralizadoras na mesma proporção em que as forças produtivas do país se multiplicarem pelo trabalho do proletariado. Finalmente, quando todo o capital, toda a produção e todas as trocas estiverem nas mãos da nação, a propriedade privada deixará de existir por conta própria, o dinheiro se tornará supérfluo, a produção aumentará tanto, as pessoas mudarão tanto que todas as velhas relações cairão por terra.

19ª pergunta: Essa revolução poderá ocorrer em um único país?

Resposta: Não. Ao criar o mercado mundial, a grande indústria trouxe todos os povos da terra, e especialmente os civilizados, para uma conexão tal uns com os outros que cada povo é dependente do que acontece com o outro. Além disso, ela tornou o desenvolvimento social tão semelhante em todos os países civilizados que em todos eles a burguesia e o proletariado se tornaram as classes sociais decisivas, e a luta entre ambas se tornou a luta principal dos nossos dias. A revolução comunista, portanto, não será apenas nacional, ela acontecerá em todos os países civilizados, ou seja, será uma revolução decorrendo pelo menos na Inglaterra, França e Alemanha ao mesmo tempo. Ela se desenvolverá mais rapidamente ou mais lentamente em cada um desses países, a depender do grau de desenvolvimento da indústria, da acumulação de riquezas e do volume de forças produtivas. Portanto, o mais lento e difícil de acontecer será na Alemanha, e o mais rápido e fácil será na Inglaterra. Ela exercerá também uma repercussão importante em outros países, mudará totalmente a atual forma de desenvolvimento e o acelerará muito. É uma revolução universal e, portanto, também terá uma arena universal. [11]

20ª pergunta: Quais serão as consequências da abolição definitiva da propriedade privada?

Resposta: Devido ao fato de a sociedade tomar das mãos dos capitalistas privados o uso de todas as forças produtivas e meios de transporte, bem como a troca e a distribuição de produtos; e, ainda, devido ao fato de ela administrar de acordo com um plano resultante dos recursos disponíveis e das necessidades da sociedade como um todo, serão eliminadas, acima de tudo, todas as consequências terríveis ainda relacionadas ao funcionamento da grande indústria. As crises desaparecerão; a produção ampliada – que para a ordem atual da sociedade é uma superprodução e uma poderosa causa de miséria – não será de vez suficiente e terá de ser ampliada muito mais. Ao invés de causar miséria, a superprodução, para além das necessidades imediatas da sociedade, garantirá a satisfação das necessidades de todos, criará novas necessidades, e, ao mesmo tempo, os meios para satisfazê-las.

Ela será a condição e o motivo de novos avanços; ela conseguirá fazer esses progressos sem que, como sempre até agora, a ordem social seja perturbada. A grande indústria, livre da pressão da propriedade privada, se desenvolverá a um ponto que sua formação atual parecerá tão mesquinha quanto a manufatura em comparação com a grande indústria de nossos tempos. Esse desenvolvimento da indústria proporcionará à sociedade um volume suficiente de produtos para atender às necessidades de todos. Assim também será a agricultura, que também se vê impedida, pela pressão da propriedade privada e do parcelamento, de se apropriar das melhorias e dos avanços científicos já realizados; ela terá um novo progresso e fornecerá à sociedade um volume apropriado de produtos.

Desse modo, a sociedade produzirá produtos o suficiente para poder organizar a distribuição que atenda às necessidades de todos os seus membros. A divisão da sociedade em classes diferentes e opostas se tornará, com isso, supérflua. Mas não se tornará apenas supérflua, ela será até mesmo incompatível com a nova ordem social. A existência de classes surgiu da divisão do trabalho, e a divisão do trabalho em sua forma anterior cairá por terra completamente. Pois, para trazer a produção industrial e agrícola ao nível descrito, os recursos mecânicos e químicos por si só não são suficientes; as habilidades daqueles que colocaram esses recursos em movimento também devem ser desenvolvidas da mesma forma. Assim como os camponeses e operários manufatureiros do século passado mudaram todo o seu modo de vida e se tornaram pessoas completamente diferentes quando foram atraídos para a grande indústria, da mesma forma a operação conjunta da produção de toda a sociedade e o consequente novo desenvolvimento da produção exigirão e também produzirão pessoas completamente diferentes. A exploração comum da produção não pode ser feita por pessoas como as de hoje, subordinadas, acorrentadas, exploradas por um único ramo de produção, que desenvolveram apenas uma de suas aptidões em detrimento de todas as demais, que conhecem apenas um setor ou apenas um ramo de um setor da produção total.

Já a indústria atual precisa cada vez menos de gente assim. A indústria explorada em comum, e de acordo com o plano de toda a sociedade, pressupõe pessoas cujas aptidões sejam desenvolvidas em todas as direções, capazes de abranger todo o sistema de produção. A divisão do trabalho (já minada pelas máquinas), que faz de um agricultor, de outro sapateiro, do terceiro, operário, e do quarto, especulador da bolsa, desaparecerá completamente. A educação permitirá que os jovens percorram rapidamente todo o sistema de produção, permitindo-lhes passar sucessivamente de um ramo de produção a outro, conforme as necessidades da sociedade ou as suas próprias inclinações. Ela tirará deles o caráter unilateral que a presente divisão do trabalho impõe a cada indivíduo. Dessa forma, a sociedade organizada nos moldes comunistas dará aos seus membros a oportunidade de usar suas aptidões em desenvolvimento integral. Mas isso significa necessariamente que as várias classes também desaparecerão. De modo que a sociedade organizada no molde comunista, por um lado, será incompatível com a existência das classes, e, por outro lado, a própria edificação dessa sociedade oferecerá os meios para abolir as diferenças entre classes. Daqui se depreende que o contraste entre a cidade e o campo também desaparecerá. A exploração da agricultura e da indústria pelas mesmas pessoas, ao invés de por duas classes diferentes, é uma condição necessária da associação comunista, por razões totalmente materiais. A fragmentação da população agrícola do país, junto com a aglomeração da população nas grandes cidades, é uma condição que corresponde apenas a um nível subdesenvolvido da agricultura e da indústria, um obstáculo muito palpável a todo desenvolvimento posterior.

A associação geral de todos os membros da sociedade com a exploração comum e sistemática das forças produtivas, a expansão da produção a tal ponto que satisfará as necessidades de todos, o fim da situação em que as necessidades de um são satisfeitas às custas das de outro, a aniquilação total das oposições de classes, o desenvolvimento integral das habilidades de todos os membros da sociedade através da eliminação da divisão anterior do trabalho, da educação industrial, da mudança de atividade, da participação de todos nos prazeres produzidos por todos, da junção da cidade e do campo – estes são os principais resultados da abolição da propriedade privada.

21ª Pergunta: Que influência exercerá a ordem social comunista na família?

Resposta: Ela transformará a relação entre ambos os sexos numa relação puramente privada, que diz respeito apenas às pessoas envolvidas e na qual a sociedade não precisa se misturar. Isso é possível porque ela elimina a propriedade privada e cria os filhos coletivamente, destruindo assim os dois alicerces fundamentais do casamento atual: a dependência, por intermédio da propriedade privada, das mulheres em relação ao homem e dos filhos em relação aos pais. Esta é também a resposta aos gritos de filisteus moralistas contra a comunidade comunista de mulheres. A comunidade de mulheres é uma relação pertencente inteiramente à sociedade burguesa e que hoje consiste inteiramente na prostituição. No entanto, a prostituição é baseada na propriedade privada e desaparecerá com ela. Em vez de introduzir a comunidade feminina, a organização comunista a abole.

22ª Pergunta: Qual será a atitude da organização comunista diante das nacionalidades existentes?

– Permanece [igual]  [12]

23ª Pergunta: Qual será a atitude diante das religiões existentes?

– Permanece [igual]

24ª Pergunta: Como se diferenciam os comunistas dos socialistas?

Resposta: Os chamados socialistas são divididos em três classes. A primeira classe é formada por defensores da sociedade feudal e patriarcal, que foi e está sendo destruída diariamente pela grande indústria, pelo comércio mundial e pela sociedade burguesa criada por ambos. Esta classe tira, dos males da sociedade atual, a conclusão de que a sociedade feudal e patriarcal deve ser restaurada, uma vez que estava livre desses males. Todas as suas propostas seguem caminhos retos ou tortuosos em direção a esse objetivo. Apesar de sua pretensa compaixão e lágrimas quentes pela miséria do proletariado, essa classe de socialistas reacionários será sempre atacada vigorosamente pelos comunistas, pois:

1. ela luta por algo puramente impossível;

2. ela busca o domínio da aristocracia, dos mestres e proprietários de manufaturas com sua comitiva de reis absolutos ou feudais, bem como seus funcionários, soldados e padres; uma sociedade que estava livre dos males da sociedade atual mas que trazia consigo pelo menos outros tantos males, e que nunca ofereceu uma perspectiva propriamente comunista de libertação aos trabalhadores oprimidos;

3. ela revela as suas reais intenções a cada vez que o proletariado se torna revolucionário e comunista, na medida em que imediatamente se alia à burguesia contra os proletários.

A segunda classe [de socialistas] é composta de defensores da sociedade atual, a quem os males necessariamente decorrentes dela suscitam o medo de seu próprio fim. Eles procuram manter a sociedade atual, mas eliminar os males associados a ela. Para tal, uns propõem meras medidas de caridade, outros propõem grandes sistemas de reforma que, sob o pretexto de reorganizar a sociedade, pretendem manter a base da sociedade atual e, com isso, a própria sociedade atual. Estes socialistas burgueses também terão de ser continuamente combatidos pelos comunistas, porque trabalham para os inimigos dos comunistas e defendem a sociedade que os comunistas estão prestes a derrubar.

Finalmente, a terceira classe é composta por socialistas democráticos, que, da mesma forma que os comunistas, desejam algumas das medidas dadas na pergunta 18, mas não como um meio de transição ao comunismo, e sim como medidas suficientes para abolir a miséria e fazer desaparecer os males da sociedade atual. Esses socialistas democráticos são ou proletários que ainda não foram esclarecidos o bastante sobre as condições de libertação de sua classe, ou são representantes da pequena burguesia, uma classe que, até a conquista da democracia e das medidas socialistas decorrentes dela, em muitos aspectos tem os mesmos interesses dos proletários. Os comunistas terão, portanto, de chegar a um entendimento com esses socialistas democráticos no momento da ação e, em geral, devem seguir a política mais comum possível com eles no momento, desde que esses socialistas não sirvam à burguesia dominante e ataquem os comunistas. É claro que esta linha de ação comum não impede a discussão de diferenças com eles. [13]

25ª pergunta: Como os comunistas se relacionam com os outros partidos políticos de nosso tempo?

Resposta: Essa relação é diferente nos diversos países. Na Inglaterra, França e Bélgica, onde a burguesia governa, os comunistas por enquanto ainda têm um interesse comum com os vários partidos democráticos, tanto mais quanto os democratas se aproximam do objetivo dos comunistas nas medidas socialistas que eles agora defendem por toda parte, isto é, quanto mais clara e definitivamente eles defendem os interesses do proletariado e quanto mais eles se apoiam no proletariado. Na Inglaterra, por exemplo, [há os] os cartistas, integrados por operários, infinitamente mais próximos dos comunistas do que os pequenos burgueses democráticos ou os chamados radicais.

Na América, onde a constituição democrática foi introduzida, os comunistas terão de estar com o partido que quer virar esta constituição contra a burguesia e utilizá-la no interesse do proletariado, ou seja, com os reformadores agrários nacionais.

Na Suíça, os radicais, embora ainda sejam um partido muito misto, são os únicos com os quais os comunistas podem se envolver, e, entre esses radicais, os valdenses e genebrinos são novamente os mais progressistas.

Na Alemanha, finalmente, só agora está eminente a luta decisiva entre a burguesia e a monarquia absoluta. Mas, uma vez que os comunistas não podem contar com a luta decisiva entre eles próprios e a burguesia até que a burguesia domine, é do interesse dos comunistas ajudar a fazer com que a burguesia governe o mais rápido possível, a fim de que, por sua vez, possa derrubá-la o mais rápido possível. Portanto, os comunistas devem sempre tomar o lado da burguesia liberal frente aos governos e apenas ter cuidado para não compartilhar as autoilusões da burguesia ou acreditar em suas sedutoras garantias das consequências benéficas da vitória da burguesia para o proletariado. As únicas vantagens que a vitória da burguesia trará aos comunistas consistirão em: 1. diversas concessões que facilitarão aos comunistas a defesa, a discussão e a difusão de seus princípios e, assim, a unificação do proletariado em uma classe intimamente ligada, militante e organizada; e 2. na certeza de que, no dia da queda dos governos absolutos, virá a luta entre a burguesia e os proletários. Desse dia em diante, a política partidária dos comunistas será a mesma dos países onde a burguesia já domina.

Escrito entre o final de outubro e novembro de 1847.


Notas de rodapé:

1. A obra Princípios do Comunismo de Engels representa um esboço do programa para a Liga dos Comunistas. A elaboração de um programa em forma de catecismo foi discutida antes do primeiro Congresso Nacional da Liga, no qual a Liga dos Justos foi reorganizada e recebeu o nome de Liga dos Comunistas (junho de 1847). Em setembro de 1847, a Direção Central londrina da Liga dos Comunistas (K. Schapper, H. Bauer e J. Moll) enviou o esboço de um “Credo Comunista” aos distritos e municípios. Esse documento, que trazia as influências do socialismo utópico, não satisfez Marx e Engels, como também não o esboço messiânico escrito em Paris por Moses Hess, representante do chamado “verdadeiro socialismo”. Na reunião da direção distrital parisiense da Liga dos Comunistas, em 22 de outubro, Engels criticou todo o rascunho, severamente, e foi encarregado de escrever um novo. O novo rascunho, escrito logo depois, se tornou este Princípios do Comunismo.  Engels – que via este  texto apenas como um esboço preliminar do programa, como expresso em sua carta de 23/24 novembro de 1847 a Marx – sugeriu a este que seria melhor abandonar a forma desatualizada do catecismo e escrever um programa na forma de um “Manifesto Comunista” [o nome Manifesto Comunista, portanto, parece ter sido sugestão de Engels]. O segundo congresso da Liga dos Comunistas (29 de novembro a 8 de dezembro de 1847), no qual Marx e Engels defenderam os princípios científicos do programa do partido proletário, encarregou ambos de elaborar um novo programa. Na elaboração do Manifesto do Partido Comunista, os fundadores do marxismo usaram grande parte das teses desenvolvidas nos Princípios do Comunismo. [nota da ed. alemã]

2. Em seus primeiros escritos, Marx e Engels ainda falam em “venda de trabalho”. Mais tarde, Marx demonstrou que o trabalhador não vende seu trabalho, mas sim sua força de trabalho. Ver explicações na introdução de Engels à nova edição da obra de Marx “Trabalho Assalariado e Capital” (Lohnarbeit und Kapital), Berlim, 1891 (volume 6 de nossa edição, páginas 593-599, ver prefácio do Volume 4, página IX). [nota da edição alemã]

3. Ver nota de Engels sobre o período da sociedade primitiva sem classes. (veja o volume 4, página 462). [nota da edição alemã]

4. Neste ponto – e em parte das questões seguintes – fica claro como Engels (e também Marx, como se vê na redação do Manifesto do Partido Comunista, sob sua responsabilidade) não havia superado ainda traços equivocados da economia política clássica (Adam Smith e D. Ricardo). Aqui aparece a teoria dos custos de produção, de Adam Smith (que em última instância se opõe à teoria do valor) e a teoria dos salários de David Ricardo. Especialmente esta leva não só a conclusões teóricas erradas, mas também a ações políticas equivocadas por parte do proletariado. Uma concepção errada é a chamada “lei de ferro dos salários”, formulada pelos fisiocratas e desenvolvida por Ricardo, e que depois será transformada por F. Lassalle e seus seguidores numa panaceia reformista. Ver, quanto a isso, o “Apêndice” de R. Rosdolsky à parte III de seu Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. [nota da edição brasileira]

5. Aqui podemos perceber algumas dificuldades de Engels (e de Marx, poderíamos dizer) para caracterizar o estatuto próprio do trabalhador moderno, em comparação com os demais, devido ao fato de ainda não terem desenvolvido a categoria “força de trabalho” como diferente de “trabalho”. [nota da edição brasileira]

6. Meia página foi deixada em branco no manuscrito de Engels para a resposta faltante. [nota da edição alemã]

7. O Majorate (ou Majorat) é um direito medieval no qual o parente masculino mais próximo, e com o mesmo grau de afinidade, é chamado à herança. O seu objetivo é impedir a fragmentação da propriedade (sobretudo da terra). Com o Majorate, os proprietários só poderiam vender o imóvel com consentimento de todos os descendentes masculinos. Era, portanto, um direito pela inalienabilidade da terra (ou seja, para que a terra não fosse alienada, vendida ou comprada). [nota da edição brasileira]

8. Em 1892, Engels escreveu no prefácio da 2ª edição da Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (Lage der arbeitenden Klasse in England) sobre os períodos cíclicos das crises industriais no início do século XIX: “No texto, o período cíclico das grandes crises industriais é dado como cinco anos. Este foi o momento que aparentemente resultou do curso dos acontecimentos de 1825 a 1842. A história da indústria, de 1842 a 1868, demonstrou, contudo, que o período real é um período de dez anos, que as crises provisórias foram de natureza secundária e têm cada vez mais desaparecido desde 1842.” (Ver volume 2, página 642). [nota da edição alemã]. É claro que isso é sempre uma média. Marx também analisa a média de tempo do ciclo industrial, particularmente no Livro II de O Capital, onde apresenta a ideia de um ciclo decenal. No capítulo IX desse livro ele vincula tal média materialmente ao tempo de rotação do capital fixo. [nota da edição brasileira].

9. Papel-moeda da primeira república francesa (de acordo com dicionário Duden). [nota da edição alemã].

10. Tais doze reivindicações são similares (senão praticamente iguais) às que aparecem ao final do capítulo 2 do Manifesto do Partido Comunista. Isso reforça a tese de Riazanov de que as reivindicações do Manifesto foram aprovadas no congresso da Liga dos Comunistas que atribuiu a Marx e a Engels a redação do “catecismo comunista” da organização (veja-se comentários de Riazanov ao Manifesto do Partido Comunista). Essas doze reivindicações (dez, no Manifesto) demarcam em grande medida as demandas do movimento socialista da época, em suas diversas correntes. Marx e Engels se afastarão dessas reivindicações, como deixam literal e expressamente claro no Prefácio à nova edição alemã do Manifesto, de 1872. Fundamentais para a superação do caráter estatista desse programa serão as experiências da revolução de 1848 e da Comuna de Paris (1871). [nota da edição brasileira]

11. A conclusão de que a revolução proletária só é possível simultaneamente nos países capitalistas avançados e que, portanto, seria impossível realizar esta revolução triunfante em um único país, encontrou sua formulação final na obra de Engels Princípios do Comunismo; isso era correto para o período do capitalismo pré-monopólio. Sob as novas condições históricas, W.I. Lênin, com base na lei da desigualdade no desenvolvimento econômico e político do capitalismo na época do imperialismo, que ele havia descoberto, chegou à nova conclusão de que a vitória da revolução socialista era inicialmente possível em alguns países ou mesmo em um país e salientou, com isso, a impossibilidade de uma vitória simultânea da revolução em todos ou na maioria dos países. Esta nova conclusão foi formulada pela primeira vez por W.I. Lenin em seu artigo “Sobre a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa” (Über die Losung der Vereinigten Staaten von Europa) (ver Lenin Works, Volume 21, página 342 ff.) [nota da edição alemã]

12. No manuscrito de Engels, em vez da resposta às questões 22 e 23, está apenas a palavra “permanece”. Evidentemente, isso significa que a resposta deve permanecer como foi formulada em um projeto de programa preliminar da Liga dos Comunistas, todavia não encontrado. [nota da edição alemã]

13. Aqui Engels expressa uma compreensão que em linhas gerais também aparece no Manifesto do Partido Comunista: a ideia de “conquista da democracia” [Erringung der Demokratie] (no Manifesto ela aparece, a rigor, como “luta pela democracia”, Erkämpfung der Demokratie). Tal compreensão, que dá base a muitas revisões democratas-burguesas do marxismo, foi negada pelos autores no mesmo processo em que negaram as dez reivindicações do Manifesto Comunista (ver nota de rodapé número 10, acima). As experiências da Revolução de 1848 e da Comuna de Paris mostraram a Marx e a Engels que a máquina estatal oficial burguesa não deve ser conquistada democraticamente, mas quebrada por um poder proletário paralelo, cujo modelo é o da Comuna (ver, quanto a isso, o último capítulo do Dezoito de Brumário, as mensagens da AIT reunidas sob o nome de Guerra Civil na França, e o prefácio de 1872 ao Manifesto Comunista). [nota da edição brasileira]