Transição Socialista

Sombras de 1929: as implicações globais do colapso bancário dos EUA

Nick Beams

O texto abaixo é um pronunciamento feito por Nick Beams — secretário nacional do Partido da Igualdade Socialista (SEP, Socialist Equality Party) da Austrália e membro do comitê editorial internacional do Site Socialista de Interligação Mundial (WSWS, World Socialist Web Site) — em reuniões públicas em Sydney e Melbourne nos dias 9 e 15 de abril de 2008. O SEP e a Internacional Estudantil pela Igualdade Social (ISSE, International Students for Social Equality) chamaram essas reuniões públicas para discutir o significado mundial do aprofundamento da crise que arruína o sistema financeiro e bancário dos EUA. O comparecimento foi alto em ambos os encontros, reunindo trabalhadores e jovens universitários, inclusive alguns do exterior. Após o relato de Beams, aconteceram discussões importantes sobre várias questões relacionadas às causas e implicações do caos financeiro.

PARTE 1: A quebra do Bear Stearns

O dia 14 de março de 2008 — data em que a quebra do Bear Stearns (quinto maior banco de investimentos dos EUA e uma das maiores instituições financeiras do mundo) se tornou pública — já assumiu seu lugar entre as datas mais importantes da história do capitalismo global. 

Naquele dia, o mundo se transformou de forma fundamental. As panaceias pregadas dia após dia pelos vários comentadores, líderes políticos e professores de economia, sobre as maravilhas e virtudes do “livre mercado” — de que ele representaria a  mais  desenvolvida  e  única  forma  possível  de organização econômica e social — provaram-se completamente inúteis.

De repente, e cada vez mais, não era apenas hipotética uma quebra na escala da Grande Depressão: a quebra estava prestes a ocorrer.

Comentários e testemunhos por parte de alguns dos principais envolvidos na operação de resgate ao Bear Stearns deixaram isso claro.

Por três dias o Federal Reserve Board dos EUA (Banco Central dos EUA), com a ajuda do Departamento do Tesouro, trabalhou noite e dia para elaborar um pacote de resgate. A rapidez era primordial, seu medo era de que, caso o pacote não estivesse pronto antes da abertura dos mercados asiáticos na segunda, 17 de março, o sistema financeiro mundial entraria num caos que arrastaria Wall Street consigo quando ela reabrisse.

O componente-chave do plano de resgate — que viu, ao final, o Bear Stearns ser comprado pelo JP Morgan — era a garantia de que o Federal Reserve Board assumiria a responsabilidade por US$ 30 bilhões dos títulos de dívida controlados pelo banco falido, uma decisão sem precedentes nos anais do Banco Central dos EUA.

Conforme o economista de Wall Street Ed Yardeni comentou em nota aos seus clientes: “O Governo do ‘Last Resort’ (Último Recurso) está trabalhando com o credor desse ‘Last Resort’ para levantar os mercados de moradia e de crédito e evitar a Grande Depressão II.”

Em seu testemunho ao congresso dos EUA, o presidente do Fed, Ben Bernanke, usou uma linguagem mais contida, mas a mensagem era essencialmente a mesma.

Em 13 de março, disse ele ao congresso, o Bear Stearns advertiu o Federal Reserve e outras agências governamentais de que sua liquidez havia se deteriorado significativamente, e que decretou falência no dia seguinte a não ser que fontes alternativas de fundos se tornassem disponíveis.

Essas notícias suscitaram questões difíceis de política pública. Normalmente, o mercado determina quais companhias sobrevivem e quais quebram, assim é que deve ser. Porém, as questões levantadas aqui se estendem para muito além do destino de uma companhia. Nosso sistema financeiro é extremamente complexo e interconectado e o Bear Stearns participa extensivamente de uma gama de mercados críticos. A falência repentina do Bear Stearns levaria, provavelmente, a um desenrolar caótico das posições nesses mercados e poderia abalar severamente a confiança dos mesmos. A falência da companhia poderia também ter projetado dúvidas sobre a situação financeira de algumas das muitas contrapartidas do Bear Stearns e, talvez, de companhias com negócios similares. Dada a pressão excepcional sobre  a  economia  global e o sistema financeiro, os danos causados pela eventual inadimplência do Bear Stearns poderiam ter sido graves  e extremamente difíceis de conter. Além do mais, o impacto adverso da inadimplência não teria se limitado ao sistema financeiro, mas seria amplamente sentido na economia real através dos seus efeitos nos valores dos ativos e na disponibilidade de crédito.

Em outras palavras, havia a possibilidade real de um colapso global.

A dimensão das interconexões entre o Bear Stearns e o sistema financeiro global, assim como o impacto que seu colapso poderia ter causado, são vislumbrados por relatos de que o banco controlava contratos no valor excepcional de 2,5 trilhões de dólares com firmas de todo o mundo. Isto é, contratos cujo valor era equivalente a cerca de um sexto do PIB dos Estados Unidos e um vigésimo da totalidade do PIB global estavam em risco. Como colocou um participante das discussões sobre o resgate: “Era muito pior do que qualquer um imaginava, os mercados estavam à beira de uma verdadeira crise” (Leveraged Planet, Andrew Ross Sorkin, New York Times, 2 de abril, 2008).

Passado um mês desde que a crise veio à tona, certa estabilização se deu nos mercados financeiros como resultado do resgate e dos contínuos cortes na taxa de juros operados pelo Fed. Mas ninguém acredita que a crise acabou. Em vez disso, a pergunta que paira sobre os mercados financeiros é: quando a casa irá cair? As consequências da crise de crédito ainda estão por vir.

Em seu Relatório de Estabilidade Financeira Global publicado em 9 de abril, o Fundo Monetário Internacional estimou que o total de perdas nos EUA seria quase de 1 trilhão de dólares, uma soma equivalente a 7% do seu PIB.

O relatório avisou que “efeitos de feedback na macroeconomia” eram de crescente preocupação, já que a incerteza financeira provavelmente “incidiria duramente sobre os empréstimos familiares, investimentos em negócios e preços de ativos, refletindo, em contrapartida, nos empregos, crescimento da produção e na folha de pagamento”.

Essas tendências de recessão já aparecem. Um relatório de 4 de abril revelou que a economia dos EUA triturou 80 mil empregos em março, o terceiro mês consecutivo em que o número de empregos caiu, algo que não acontecia há 5 anos. A taxa de desemprego subiu de 4,8% para 5,1% enquanto cortes de emprego foram relatados em várias indústrias. No setor da construção civil, setor crucial, cerca de 51 mil trabalhadores perderam seus empregos, totalizando nos últimos 12 meses 350 mil desempregados. Indústrias manufatureiras têm eliminado empregos ao longo dos últimos 21 meses.     

O Instituto de Economia Política apontou que “pelo quinto mês consecutivo menos de metade das indústrias criou empregos, demonstrando a tendência dominante da perda de empregos”. Também observou que esta era a primeira vez, desde que se tem registro, que a renda da família média não recuperou o patamar perdido na última recessão.

Crescente perplexidade

Já há o reconhecimento de algumas das implicações históricas a longo prazo desta crise entre os analistas mais perceptivos da imprensa financeira. O editor-chefe de economia do Financial Times, Martin Wolf, começou suas observações em um encontro recente da seguinte forma:

Por três décadas promovemos as alegrias de um sistema financeiro liberal e o que este sistema trouxe para nós? ‘Uma crise financeira gigantesca atrás da outra’ é a resposta. Isso não significa dizer que a economia liberal não apresenta vantagens. Ela certamente produziu um número considerável de pessoas extremamente ricas.

Ele apontou que desde o fim da década de 1970 houve nada menos que 117 crises bancárias sistêmicas em 93 países, metade do mundo, e em 27 destes os custos fiscais do resgate foram de 10% do PIB, algumas vezes até mais. Mas a crise de 2007-2008, continuou ele, é 

de longe a mais significativa de todas as crises das últimas três décadas.

O que faz desta crise tão significativa? Ela testa o mais evoluído sistema financeiro que temos. Ela emana do núcleo do mais avançado sistema financeiro do mundo e de transações conduzidas pelas mais sofisticadas instituições financeiras, que usam dos mais inteligentes meios de securitização e confiam no mais sofisticado controle de risco. Mesmo assim, o sistema financeiro explodiu: os papéis comerciais e o merca- do inter-bancos congelaram por meses; os papéis securitizados se mostraram radioativos e as avaliações emitidas pelas agências de avaliação se mostraram meras fantasias; bancos centrais tiveram de bombear vastas quantidades de liquidez; e o Federal Reserve, tomado pelo pânico, foi forçado a fazer cortes sem precedentes nas taxas de juros.

Quais serão as eventuais consequências? De acordo com Nouriel Roubini, da Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque, o baque no sistema financeiro pode ser de até 3 trilhões de dólares, o equivalente a cerca de 20% do PIB.

Wolf tornou evidente a perplexidade que afeta aqueles que supostamente estão no controle do sistema financeiro:

Eu não sei mais do que eu pensava que sabia. Mas eu também não sei o que penso agora.

Enfatizando a necessidade de se aprender com a história, ele continuou:

Uma lição fundamental diz respeito à maneira como o sistema financeiro funciona. Os de fora sabiam que ele havia se tornado uma gigantesca caixa preta. Mas estes acreditavam que os de dentro ao menos sabiam o que estava acontecendo. Isso dificilmente pode ser dito agora. (Martin Wolf, Financial Globalisation, Growth and Asset Prices, ensaio preparado para o Colóquio Internacional do Banco da França sobre Globalização, Inflação e Política Monetária, Paris, 7 de março, 2008)

Trata-se de uma confissão bastante estarrecedora, vinda não de um oponente da ordem capitalista e do livre mercado, mas de um dos mais conhecidos dos seus defensores públicos internacionais.

O mesmo cenário emerge de um relatório publicado no início de maio, logo antes da crise do Bear Stearns, pelo Grupo de Trabalho do Presidente sobre Mercados Financeiros, um corpo que consiste em representantes do Departamento do Tesouro, da Comissão de Tutores do Sistema do Fed (Board of Governors of the Federal Reserve System), da Comissão de Seguridades e Câmbio (Securities and Exchange Commission, SEC) e da Comissão de Negócios em Commodities de Mercado de Futuros (Commodities Futures Trading Commission).

 De acordo com o relatório, as razões para o abalo nos mercados financeiros foram:

Uma quebra nos padrões de contrato para hipotecas subprime.

Uma significativa erosão na disciplina do mercado pelos envolvidos no processo de securitização, incluindo originadores, subscritores e  agências de avaliação de crédito e investidores globais, relacionada, em parte, às falhas nos atos de prover ou de obter informações (risk disclosures) adequadas sobre as operações de risco;

Falhas nas interpretações das agências de avaliação de crédito  sobre o subprime baseado nas hipotecas residenciais (RMBS) e outros produtos de crédito estruturalmente complexos, especialmente contratos de débito colateralizadas (CDOs) que seguraram as RMBS e outras seguridades apoiadas em ativos (CDOs de ABS);

Fraquezas no controle de riscos por parte de algumas grandes instituições financeiras da Europa e dos EUA; políticas regulatórias, incluindo requisitos para capital e fornecimento de informações aos investidores que falharam em mitigar as fraquezas do controle de riscos.

Em suma, todos estavam envolvidos… tanto aqueles que  foram  os  primeiros  a emitir as hipotecas, passando pelas instituições que as fatiaram e cortaram, pelas agências de avaliação  de  crédito que avaliaram com nota máxima os pacotes resultantes, pelas instituições financeiras da Europa e EUA que não avaliaram adequadamente o risco, até chegar naqueles que estavam encarregados das políticas regulatórias.

Houve um elemento considerável que só pode ser descrito como criminal

decorrente não das características particulares dos indivíduos envolvidos, mas da natureza do sistema capitalista em si.

Quando o mercado estava em alta — quando havia dinheiro das hipotecas subprime a ser realizado através dos chamados “empréstimos  mentirosos” (liar loans), com provocantes taxas para atrair os desavisados —, se dinheiro podia ser feito vendendo pacotes desses empréstimos (ou dando a estes pacotes a avaliação máxima de crédito) então quem  quer  saber  da  inviabilidade  a longo-prazo de todo esse processo? Não havia lucro a ser feito nisso e, como um investidor recentemente colocou, enquanto a música estiver tocando você precisa dançar.

O economista britânico John Maynard Keynes, que sabia uma coisa ou outra sobre especulação, uma vez escreveu:

Um bom banqueiro não é um que prevê o perigo e o evita, mas um que, quando está arruinado, está arruinado de uma forma convencional e ortodoxa junto a seus companheiros, de maneira que ninguém pode realmente culpá-lo. E quando a crise de fato emerge, ele pode sempre clamar por um pacote de resgate do governo.

Eu chamo atenção a essas questões por conta de sua significação política. Uma das mais poderosas forças ideológicas geradas pela sociedade capitalista é a concepção de que a classe trabalhadora não poderia, de forma alguma, tomar a organização, o controle da sociedade e, acima de tudo, de sua economia, porque ela não possui o conhecimento necessário. O socialismo estaria, portanto, fora de questão e a organização econômica da sociedade precisaria ser responsabilidade do mercado e dos que supervisionam suas operações.

Na primeira metade do século vin- te, milhões de pessoas em todo o mundo se lançaram na luta pelo socialismo por compreenderem — a partir das experiências da guerra, do fascismo, da depressão econômica e do desemprego em massa — que as operações do livre mercado e do sistema capitalista levavam à barbárie.

Nos 60 anos que se passaram, uma das propagandas ideológicas mais fortes da ordem capitalista tem sido a concepção, assiduamente promovida nas escolas, universidades, grande mídia e a partir da plataforma política, de que as condições bárbaras supracitadas não poderiam retornar. Aqueles no poder (onde quer que estejam) supostamente aprenderam as lições dos desastres passados e sabem como prevenir sua recorrência.

Afinal, eles nos dizem repetidamente — como Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve Board dos EUA, que fez seu nome no mundo acadêmico através do estudo das causas da Depressão de 1930 — que estariam determinados a não deixar que essas coisas ocorressem novamente. Então, assim, apesar dos problemas, tudo acontece realmente da melhor forma e no melhor dos mundos possíveis.

Tendo feito apenas o que fizeram, os eventos das últimas semanas com certeza já destruíram esse mito. Conforme relatórios oficiais reconhecem abertamente, todos os mecanismos de controle que deveriam prevenir uma crise financeira falharam. E mais do que isso, os que estão no poder não conseguem sequer explicar o motivo.

O Bear Stearns operou nos limites regulatórios impostos pela Comissão de Seguridades e Câmbio dos EUA. Mas, como seu presidente Christopher Cox escreveu durante o despertar do colapso bancário:

A todo momento a firma possuía um excedente de capital bem acima do necessário para adequar-se aos padrões da supervisão.

O Bear Stearns, de acordo com Cox, estava, dentro dos padrões da comissão, “bem capitalizado”. Em outras palavras, conforme diria um cirurgião, a operação foi um sucesso, mas infelizmente o paciente morreu.

Enquanto os representantes da economia capitalista expressam sua confusão sobre esse fato, os eventos das semanas passadas servem como a mais poderosa confirmação da  análise de Marx do modo de produção capitalista, revelando que seu movimento é governado por leis objetivas que afirmam a si mesmas, do mesmo modo que a lei da gravidade se auto-afirma quando uma casa rui ao alcance dos nossos ouvidos.

E da mesma forma que o colapso de uma casa é o culminar de processos que se estenderam por um longo período, a ruína do sistema financeiro e suas implicações políticas só podem ser compreendidos através de uma análise histórica da economia capitalista.

PARTE 2: O crescimento provisório do pós-guerra

Há um significado profundo no fato de a crise financeira, que agora ameaça o capitalismo mundial, ter surgido justamente nos Estados Unidos — o coração da economia mundial.

Se observarmos a história da economia do século XX podemos dividi-la em duas partes: os primeiros 50 anos foram dominados pelas conseqüências destrutivas da quebra da economia mundial, logo após o período de grande expansão que caracterizou o século XIX; e, após 1945, um novo período de expansão recomeçou, o que pareceu ter colocado um ponto final na terrível seqüência de eventos das décadas anteriores.

Essa expansão ocorrida no pós- guerra teve como principal motor a força da economia dos EUA. Foi esta força econômica, e não apenas sua vitória militar na II Guerra Mundial, que permitiu aos EUA construir as estruturas para um período de expansão  capitalista sem precedentes. O tratado de Bretton Woods (1944) estabeleceu um novo sistema financeiro internacional, enquanto  o Plano Marshall (1947) garantiu a reconstrução da Europa devastada pela guerra.

Esse crescimento econômico sem precedentes fez florescer todo tipo de ilusões  reformistas, principalmente aquelas associadas ao programa do keynesianismo. O keynesianismo sustentava que depressões econômicas, como aquela dos anos 1930, são coisas do passado, pois a partir desse período de crescimento governos e autoridades financeiras são capazes de regular a economia capitalista através do controle das taxas de juros.

Parecia que as contradições do capitalismo estavam superadas. Mas, na realidade, elas estavam prestes a vir à tona novamente, como ocorreu no fim da década de 1960. As bases da expansão do pós-guerra residiam no aumento da taxa de lucro, possibilitada apenas pelo avanço dos novos sistemas de produção americanos para o resto do planeta. Agora, no entanto, a taxa de lucro começou a cair.

Além disso, as contradições inerentes ao sistema monetário internacional, estabilizadas pelo Tratado de Bretton Woods, começaram a reaparecer. O Tratado de Bretton Woods foi uma tentativa de superar a contradição central que atingiu o sistema capitalista mundial — a contradição entre o desenvolvimento da economia global e a divisão do mundo em Estados Nacionais rivais.

O capitalismo, bem como seus mercados nacionais, se desenvolveu para além dos estreitos limites dos Estados há muitos anos. Mesmo o maior mercado nacional de todos — o norte-americano — já não era mais suficiente. Para os administradores americanos, esta é uma das principais lições dos anos 1930: nenhuma economia nacional poderia funcionar sem uma economia global viável.

No entanto, para viabilizar uma economia global é necessária a existência de um sistema monetário global.  E o que poderia funcionar como moeda mundial? Um retorno ao padrão do ouro foi tentado na década de 1920, mas se provou desastroso. Seria possível estabelecer algum tipo  de  papel  moeda  e de sistema de crédito mundial? Essa era a proposta de Maynard Keynes. Um sistema de crédito e um papel moeda mundiais requerem, no entanto, a administração de um organismo com autoridades política e financeira também mundiais. Para estabelecer isto, no entanto, os governos dos EUA e de outras potências capitalistas teriam que ceder sua autoridade para esse organismo. Os EUA não estavam inclinados a fazer isso, portanto foi necessário estabelecer um acordo: o dólar americano funcionaria como a moeda mundial, lastreado pelo ouro na taxa de US$ 35 por onça.

Mas a rápida expansão da economia capitalista, após o boom do pós- guerra, possível apenas após a criação do sistema monetário internacional de Bretton Woods, levou estas contradições para o coração do sistema — entre o papel do dólar americano como moeda

internacional e seu papel como moeda corrente de um Estado Nação, os EUA.

Por volta do fim dos anos 60, o volume circulante de dólares na economia mundial era amplamente superior à quantidade de ouro que deveria servir de lastro entesourada nos Estados Unidos. Em resposta à corrida ao dólar — e aos movimentos para converter o papel moeda em ouro, enfraquecendo a posição dos Estados Unidos — o presidente Nixon acabou, em 15 de agosto de 1971, com Tratado de Bretton Woods, desvinculando o dólar do ouro. Em 1973, após tentativas frustradas de estabelecer uma relação fixa entre as principais moedas mundiais, se iniciou o regime de câmbio flutuante.

A desindustrialização da América

O colapso do sistema de Bretton Woods foi a primeira expressão do relativo declínio da posição econômica dos Estados Unidos frente às demais potências capitalistas mundiais. Esse declínio assumiu uma aparência mais fantasmagórica no fim dos anos 1970, com o dólar atingindo as cotações mais baixas da história   e com a estagflação da economia mundial — uma combinação da crescente inflação com crescimento econômico mínimo, recessão e os maiores níveis de desemprego desde o fim da guerra.

Em 1979 Paul Volcker, então presidente do Banco Central dos EUA, deu início a um esforço unificado, dentro do interesse da classe capitalista americana, para superar esses problemas.

O “Volcker Shock” (Choque Volcker), como ficou conhecido, assistiu ao aumento das taxas de juros a níveis recordes. A política de Volcker tinha dois propósitos relacionados: elevar o valor do dólar americano e garantir sua posição de predominância como moeda corrente (e as decorrentes vantagens disso para aos EUA) bem como, além disso, eliminar os setores não lucrativos da indústria americana, forçando uma reestruturação da economia dos EUA para restabelecer a taxa de lucro.

Essas medidas envolveram uma impiedosa ofensiva contra a classe trabalhadora americana, a começar pela demissão em massa dos controladores de vôo e a destruição de seu sindicato (PATCO) em 1981; o desenvolvimento dos métodos de produção e gerenciamento computadorizado (o primeiro PC foi desenvolvido em 1981); e pelo estabelecimento das redes de produção global, capazes de utilizar a força-de- trabalho mais barata disponível.

O “Volcker Shock” teve, de fato, algum impacto. O mercado de ações iniciou, a partir de 1982, uma robusta recuperação e a taxa de lucro começou a aumentar. Mas o capitalismo americano estava longe de viver um rápido crescimento. A década de 1980 terminou na crise das poupanças e empréstimos, com a falência de mais de 1.000 dessas instituições, algo que o economista John Kenneth Galbraith chamou de “a maior e mais custosa operação de transgressão, de equívoco e de roubo de todos os tempos”, acumulando perdas de US$ 160 bilhões. O mercado de ações entrou em colapso em  outubro de 1987, seguido pelo início da recessão em 1990.

Mas a economia dos EUA e do mundo todo não teve uma nova fase de crescimento até que ocorresse uma mudança histórica no cenário econômico — o colapso da União Soviética e dos regimes stalinistas do Leste Europeu, assim como a abertura das economias chinesa e indiana. Isso disponibilizou vasta mão-de-obra barata — o que dobrou, segundo algumas estimativas, a força de trabalho global — transformando a estrutura do capitalismo americano, o mesmo que agora está na origem da crise financeira.

Ao final da II Guerra Mundial o capitalismo americano havia atingido a supremacia econômica global baseada nas suas possibilidades industriais. Mesmo perdendo a relativa superioridade que teve com o “boom” do pós-guerra, na medida em que as indústrias do Japão     e da Europa se expandiam, a indústria dos EUA ainda era uma potência a ser estimada. Mas, nos últimos  30  anos,  no entanto, assistimos a desindustrialização da economia norte-americana e  a ascensão das atividades financeiras como o seu componente dominante e mais dinâmico.

O significado dessa transformação pode ser percebido com clareza ao examinarmos os processos fundamentais da acumulação  capitalista.  Uma das mais incríveis descobertas de Marx foi ter desvendado o segredo da acumulação capitalista. Ele mostrou que a origem última da riqueza capitalista é a mais-valia que o capital extrai  através do trabalho assalariado. Na sociedade capitalista, a riqueza assume muitas formas ofuscantes: o lucro industrial, a renda da terra, as riquezas que provêm dos ganhos no mercado financeiro — ações, casas, terras. É como se num passe de mágica dinheiro gerasse dinheiro, como se a riqueza simplesmente surgisse do nada.

Marx mostrou que, em última análise, todas essas formas da riqueza capitalista representam a divisão da mais-valia extraída da classe trabalhadora entre os diversos proprietários.

No volume II de O Capital, ele explica que para o possuidor do capital monetário (os bancos e as instituições financeiras) “o processo da produção aparece meramente como uma conexão inevitável, como um mal necessário para o processo de produção do dinheiro. Todos os países onde domina o modo de produção capitalista são, por esta razão, periodicamente impelidos a tentar fazer dinheiro sem a ‘intervenção’ do processo de produção”. O processo aqui descrito por Marx como “periódico” tornou-se uma característica permanente do capitalismo americano.

O quadro a seguir indica a extensão desse processo. Em 1982, o lucro das instituições financeiras  constituía 5% do lucro total das corporações, descontados os impostos. Em 2007, elas ficaram com 41%, apesar de sua fatia no valor total das corporações ter atingido um crescimento de apenas  8%  (subiu de 8% para 16%). Entre 1982 e 2007, a participação dos lucros do setor financeiro no PIB dos EUA aumentou em seis vezes. Como notou o comentarista do Financial Times, Martin Wolf, por trás deste “boom” havia um esforço para alavancar a economia como um todo. Endividamento virou a pedra filosofal, transformando chumbo em ouro. Agora  o processo de desalavancagem tenta transformar o ouro novamente em chumbo. O processo de alavancagem começou de modo vigoroso nos anos de 1990 e realmente explodiu depois de 2000.

Em um artigo publicado no dia 19 de março de 2008, The Economist dizia:

Desde 2000 (…) o valor das ações detidas por fundos de investimento, com suas elevadas taxas e alta alavancagem, simplesmente quintuplicou (…) O valor das operações de crédito pendentes subiu (…) para os surpreendentes US$ 45 trilhões. Em 1980 as dívidas do setor financeiro eram de aproximadamente um décimo das do setor não-financeiro. Agora elas são 50%.

Esse processo transformou bancos de investimento em máquinas de débito que realizam operações entre suas contas em larga escala. A Goldman Sachs está utilizando cerca de US$ 40 bilhões de capital como garantia para US$ 1,1 trilhão em ativos. Na Merryl Lynch, onde a alavancagem é maior, os US$ 1 trilhão em ativos estão apoiados em US$ 30 bi- lhões de capital garantido. Nos mercados emergentes, mecanismos como esses criam retornos em valores astronômicos. Mas, quando os mercados estão em perigo, uma pequena queda no valor dos ativos pode derrubar os investidores.

No mesmo período em que esse processo de alavancagem estava centrado nos EUA, ele foi se tornando um fenômeno global. Em 1980, o mercado financeiro mundial era praticamente equivalente ao PIB mundial. Em 1993, ele era o dobro  e, ao final de 2005, ele havia crescido 316% — ou três vezes mais que o PIB mundial.     

Um dos principais fatores de sustentação desse processo tem sido a redução da taxa de juros. Isso é possível, por sua vez, em virtude da redução da inflação — resultado da produção de mercadorias mais baratas na China e em outras regiões. Em outras palavras, existe uma relação de simbiose (outros diriam de parasitismo) entre o crescimento do capital financeiro e a abertura de novas e largas ofertas de mão-de-obra barata.

Como, então, a mais-valia extraída de trabalhadores chineses é dividida, atualmente, entre os diferentes setores do capital?

A oferta de crédito barato desempenhou um papel fundamental na compra da terra e na construção de shopping-centers. (Temos visto, por exemplo, os problemas encontrados pela empresa australiana Centro, que tem tido problemas desde que esgotou, no fim do ano passado, o crédito barato — no qual ela se baseava para expansão de suas aquisições de shopping-centers.)

A oferta de crédito barato infla o preço dos ativos, inclusive aqueles dos shoppings. Isto significa que, para recuperar seus investimentos, os proprietários devem aumentar os aluguéis. Mas as gigantes do varejo, como o Wal-Mart nos EUA — maior importador de artigos da China e agora o maior empregador dos EUA — podem pagar esses preços graças à margem folgada que obtêm importando mercadorias baratas da China.

A extração de mais-valia ocorre na produção dessas mercadorias. Ela surge da enorme diferença entre o valor da força-de-trabalho (salários) dos trabalhadores empregados e o valor dos objetos que produzem. Ela é, então, distribuída entre os vários proprietários — certa porção fica com o Wal-Mart, outra com o proprietário do shopping-center na  forma  de aluguel e outra, ainda, com as instituições financeiras que financiaram a sua construção.

O processo de inflar ativos pode continuar enquanto o crédito continuar barato e os ativos continuarem atraindo investimentos. Mas, assim que essas duas condições cessam, o que leva o processo a se desfazer, caminha-se para a direção oposta.

Seguindo o colapso do mercado  de ações e da bolha “dot.com” (ponto.com), o mercado imobiliário dos EUA experimentou um “boom” inflacionário baseado no crédito barato, que começou no fim da década de 1990, mas acelerou rapidamente no fim da recessão de 2000-2001.

O novo paradigma era o modelo do “criar e dividir”. Aqueles que fazem ofertas de hipotecas colocaram enormes quantias disponíveis para a compra de imóveis. Depois, então, imediatamente venderam as hipotecas às instituições financeiras, cobrando uma taxa por terem originado o empréstimo. Assim, as hipotecas seriam agregadas, divididas e cortadas em diversos pacotes para serem vendidas a outras instituições — os fundos de investimento ou novas formas especiais de investimento, criadas fora do balanço financeiro dos bancos e de outras instituições.

O ganho com esses ativos era proveniente do comprador de imóveis. A garantia financeira do comprador não precisava ser examinada muito seriamente, pois se ele não conseguisse pagar a dívida um novo empréstimo poderia ser feito ou, na impossibilidade deste, a casa poderia ser vendida por um preço mais alto.

O processo, no entanto, encontrou um obstáculo intransponível: a queda dos salários reais da classe trabalhadora americana, em curso desde pelo menos os últimos 30 anos — com exceção de um breve período próximo ao fim da década de 90 — e que continuou após o fim da recessão de 2001.

     E esse declínio não é algo temporário. Como apontou o economista americano Robert Reich, os diversos mecanismos utilizados para sustentar os lucros — a entrada da mulher no mercado de trabalho, a extensão das jornadas, o aumento do endividamento sobretudo através de financiamentos imobiliários — estão esgotados. Milhões de trabalhadores americanos e suas famílias estão enfrentando uma verdadeira catástrofe, com o preço de venda de suas casas caindo abaixo do débito de suas hipotecas, fazendo-os proprietários de valores negativos — um processo que está se reproduzindo em todo o mundo.

PARTE 3: Que fazer?

Mas quais são as implicações dessa crise econômica e financeira?

Nós explicávamos, no documento do conselho editorial do World Socialist Web Site publicado em 18 de março, que as tarefas políticas postas para a classe trabalhadora estavam centradas na luta por um programa socialista internacional que “busque acabar com a subordinação da economia aos interesses do lucro privado e que utilize a vasta riqueza, que é criada pelo trabalho da classe trabalhadora mundial, em benefício de todos.”

Seria isso mera retórica? Não haveria, talvez, algum tipo de reforma do sistema financeiro, mais imediata, mais prática, que nós podemos apoiar?

Examinemos as propostas existentes. Uma delas defende novos mecanismos regulatórios para controlar as práticas mais predatórias que levaram ao desastre atual. Mas essa história já nos foi contada anteriormente… Não foi justamente isso o que foi proposto no início do colapso da Enron e da World Com no final dos anos 90? E qual foi o resultado? O resultado foi que o tipo de atividade criminosa, à qual essas duas (e outras) companhias se tornaram sinônimo, se ampliou em escala ainda maior.

Houve até legislação para isso, introduzida com a Lei Sarbanes-Oxley. Bush assinou a lei em 30 de julho de 2002, declarando que ela traria “as reformas de maior amplitude sobre as práticas de mercado americanas desde o tempo de Franklin D. Roosevelt”.

Mas essa legislação esteve sob fogo, desde então, pois a regulamentação mais rígida tornou Wall Street desvantajosa enquanto  centro  financeiro em relação à Londres. Assim, a recente proposta regulatória do secretário do Tesouro, Henry Paulson, procura justamente diminuir, e não aumentar, a vigilância sobre o sistema financeiro. Em outras palavras, a regulamentação é uma fantasia quando o mercado financeiro é de dimensão mundial e é alvo de competições ferozes entre os diferentes mercados nacionais.

Além do mais, a própria natureza de uma crise financeira é resultado de procedimentos regulatórios para a falência. Anteriormente, citamos o comentário do presidente do SEC, Cox, afirmando que o Bear Stearns havia atendido a todos os padrões de supervisão. De fato isso ocorreu. Mas esses padrões se mostraram completamente inúteis. A razão está na natureza irracional do próprio mercado, que se baseia nos interesses privados de grandes instituições financeiras.

Existe uma contradição fundamental no cerne do mercado, que nenhum tipo de regulação é capaz de prevenir — isto é, a contradição entre a racionalidade individual e a irracionalidade do sistema como um todo.

Indivíduos sobre-endividados ou empresas particulares têm apenas três opções: cortar gastos, vender ações ou declarar falência. Mas se pessoas cortam gastos demais uma baixa na economia irá ocorrer, causando problemas. Se ações são vendidas em demasia, seu valor irá cair ainda mais, levando à pressão para que sejam vendidas antes que seu valor volte a cair novamente. E se muitos vão à falência, seus intermediários financeiros, aqueles que lhes forneceram seguros, são arrastados conjuntamente. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que parece completamente racional do ponto de vista individual tomar essas medidas, suas consequências somente pioraram ainda mais a situação geral.

Em discurso no dia 6 de março, o presidente do Banco Federal Reserve  de Nova Iorque, Timothy Geithner, explicou de que maneira essa contradição se revela.

O presente episódio tem uma dinâmica em comum com todas as crises passadas. Quando os participantes do mercado mudaram de posição para reduzir sua exposição a perdas futuras, pisando no freio, o freio virou acelerador e aumentou a colisão. O risco tem crescido numa velocidade muito maior do que  boa parte das instituições têm sido capazes de reduzir. As tentativas de reduzi-lo aumentaram a volatilidade e pressionaram os preços para baixo, aumentando também, assim, a exposição ao risco. As incertezas sobre o valor dos mercados imobiliários e sobre os riscos dos pagamentos cresceram; diversos fundos não tiveram a performance desejada. As medidas racionais tomadas mesmo pelas mais fortes instituições financeiras, para reduzir a exposição a perdas futuras, causaram danos colaterais significativos ao funcionamento do mercado. Este, em contrapartida, intensificou seus problemas de liquidez para uma grande variedade de instituições bancárias e não-bancárias…    

Em outras palavras, o que parece racional para a instituição financeira individual pode produzir consequências desastrosas.

E Geithner continuou:

Essa dinâmica auto-regulatória dos mercados financeiros aumentou os riscos negativos de crescimento de uma economia que já se confronta com um ajuste significativo no mercado imobiliário e um aumento significativo nas economias familiares.

Diante do aumento da exposição aos ativos de risco, os bancos, ou seus SIVs (veículos estruturados de investimento), correram para vendê-los, diminuindo  sua exposição e aumentando sua quantidade de dinheiro. Mas a consequência é uma queda no preço desses ativos, piorando a situação das outras instituições que antes os detinham. Isso leva, em contrapartida, a um enfraquecimento posterior na posição de outros bancos e instituições financeiras que não haviam sido afetadas na queda inicial. Elas podem, inclusive, jamais ter possuído o  tipo de ativo que havia sido inicialmente afetado.

O banco britânico Northern Rock, que entrou em colapso, não foi exposto às hipotecas subprime dos EUA. Mas ele era altamente dependente do dinheiro a curto-prazo dos fundos usados para financiar hipotecas. Como as taxas de interesse nesse mercado começaram a subir, o Northern Rock sucumbiu. Essa “dinâmica auto-regulatória”, como Geithner a classifica, envolve vastas somas… Em alguns casos valores maiores do que economias inteiras. Pode parecer completamente racional, para uma instituição que enfrenta problemas causados por ativos de risco, vender seus ativos. Mas essa ação racional pode levar a toda uma série de vendas forçadas, resultando, eventualmente, numa crise e num colapso econômico de proporções ainda maiores.

A vida de milhões de pessoas, seu bem-estar, seus empregos, a educação de seus filhos, dependem do funcionamento de um sistema sobre o qual elas não têm nenhum controle e sobre o qual ninguém tem controle algum. Isto é, a racionalidade do mercado para o banco ou instituição financeira individual produz socialmente irracionalidade e loucura. Essa loucura não pode ser curada por mecanismos regulatórios, mas apenas pela  abolição do mercado   financeiro e pela sua substituição por um sistema de controle social da riqueza e dos bens criados pelo trabalho da sociedade como um todo.

A Revolução socialista

No desenvolvimento histórico do capitalismo, a perspectiva para a revolução socialista está fundamentada em processos objetivos. A crise financeira global atual constitui a abertura de um novo capítulo dessa história.

Para compreendermos sua importância é necessário inseri-la em um determinado contexto. Em 1919, no início da Revolução Russa, Leon Trotsky comentou que a imprensa daquela época se preocupava com os nomes de Lenin, o líder da revolução, e Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos. Este havia viajado à Europa para impedir o avanço da revolução pelo resto do continente europeu. “Lênin e Wilson – aqui estão os dois princípios apocalípticos da história moderna”, observou Trotsky.

Qual dos dois venceria? Hoje já sabemos a resposta. Apenas com grande dificuldade, e apenas com a assistência dada pelas lideranças stalinistas  e social-democratas através de suas traições à classe trabalhadora, os Estados Unidos — depois de três décadas  de guerra sangrenta, depressão econômica, fascismo e morte de dezenas de milhões — puderam re-estabilizar o sistema capitalista mundial.

Do ponto de vista econômico, o novo equilíbrio se apoiava na força do capitalismo americano. Agora temos uma gravíssima crise — a mais severa desde a década de 1930 — que golpeou o capitalismo mundial em seu cerne.

Essa crise significa o fim de toda uma era histórica. Por décadas, os EUA funcionaram como estabilizadores do capitalismo  mundial.  Agora  são  eles os maiores desestabilizadores. Assim como a ascensão do poderio econômico americano mudou o curso da história mundial, sua queda terá conseqüências de um alcance ainda maior.

O declínio do capitalismo americano já se estende por décadas. Ele procurou superar a primeira fase de seu declínio no início dos anos 80, através de um vasto processo de reestruturação. Mas os mesmos processos que ele pôs em movimento naquela época deram à crise atual proporções ainda mais devastadoras.

Todas as contradições com as quais se confrontou a classe trabalhadora nas primeiras décadas do século XX — e que levaram milhões de trabalhadores, jovens e intelectuais de esquerda a ingressarem na luta pelo socialismo internacional — retornaram com força renovada. Não apenas enfrentamos a ameaça de um colapso global, senão uma depressão, mas também uma crescente tensão econômica, resultante do declínio dos EUA, entre as principais potências capitalistas, fator que deve aumentar o risco de guerras.

Nos últimos 35 anos a economia mundial funcionou tendo por base o dólar americano como reserva principal. Isso conferiu enormes vantagens aos EUA. Mas o declínio do dólar significa que os Estados Unidos terão de enfrentar, ainda, novos desafios à sua supremacia. E isso não advém de “más intenções” de quem quer que seja, mas da própria lógica dos processos econômicos. Cabe perguntar: por quanto tempo pode o resto do mundo capitalista — os velhos poderes da Europa e do Japão, ao lado das novas potências que surgem, China e Índia, assim como os países exportadores de petróleo do Oriente Médio — prosseguir financiando algo em torno de US$ 2 bilhões por dia aos EUA, para que este reponha seus muitos organismos de crédito que têm diariamente se desvalorizado?

Claro que todas as potências capitalistas têm interesse em preservar a estabilidade global – afinal, ninguém deseja provocar uma crise. Mas, em determinado momento, os custos de manutenção do sistema atual se tornam impossíveis. 

Como poderão os Estados Unidos responderem a tal situação? Vemos no Iraque a resposta a essa pergunta. Os EUA irão procurar manter sua posição por meios militares.

Os homens do mundo todo enfrentam, mais uma vez, o perigo da depressão e da guerra. A única resposta a essa ameaça é a luta por um programa socialista e internacionalista. Essa é a perspectiva do SEP e do Comitê Internacional (1953).