O texto a seguir é a terceira tese do congresso do MNN, realizado no início de abril deste ano. Para acessar demais textos do congresso, clicar aqui. As notas de rodapé estão ao final do texto.
A economia brasileira busca agora um ponto de virada, para o qual os esforços conjuntos da sociedade do capital se preparavam há alguns anos. Ao que tudo indica, aproximamo-nos do ponto mais baixo do atual ciclo econômico da crise capitalista no Brasil – todavia, esse ciclo não pode ser pensado isoladamente do ciclo capitalista mundial.
Desde 2013, a aparência de bonança se quebrou por aqui. A euforia de gastos fáceis para a classe capitalista e parte da classe trabalhadora – com muito dinheiro em circulação, crédito de sobra e preços relativamente baixos de mercadorias – deu lugar à incerteza sobre o futuro. A demanda do consumidor por crédito – em queda, a rigor, desde meados de 2012 – atingiu patamares negativos já ao final de 2013. De repente acendeu, para todos, a luz amarela: é hora de parar de gastar e poupar.
A rigor, o ânimo popular apenas seguia o ânimo das empresas, que ao final de 2013 começaram a perceber que os bons ventos da economia eram, em grande medida, maquinações lulistas e ilusionismo. Por exemplo, de repente, ao final de 2013, o crédito do BNDES despencou de R$ 25 bilhões para R$ 7 bilhões. Esse valor baixo se mantém até hoje. Na verdade, o lulismo fazia um tipo de mágica para oferta de crédito fácil via BNDES para grandes empresas. Como se chamou à época, tratava-se de um “gato”, uma ligação financeira “clandestina”, que utilizava para os passivos do banco de investimento o dinheiro do Tesouro, ou seja, o dinheiro que não é contabilizado no orçamento da união, sobre o qual o governo não precisa prestar contas ao Congresso. Era daí que saía, de forma totalmente controlada pelo governo (Mantega e Palocci), grande parte do dinheiro a juros subsidiados para os maiores grupos econômicos brasileiros (escolhidos pela entourage lulista ou pela cúpula do banco). A mágica durou de 2008 a 2014.
Ao todo, estima-se hoje, o governo injetou, desde 2008 – não à toa, ano de estouro da crise chamada de subprime –, mais de R$ 500 bilhões no BNDES, que se tornou responsável por mais de 20% do crédito nacional, financiando grandes obras de grandes empresas (as “campeãs nacionais”) não só no Brasil, mas também na América Latina e na África. Muito capital mundial, fugindo da crise nos EUA e Europa, migrou para o Brasil (e demais BRICS), atrás da valorização fácil nesse tipo de empresa.
Somou-se a isso o uso de tipo capitalista, pelos petistas no governo, dos fundos de pensão de categorias da classe trabalhadora. Tal mecanismo de acumulação do capital, controlado por pelegos, é tradicional na Europa e EUA, e aqui coincidiu com um controle dos petistas por parte de alguns dos maiores e mais fortes sindicatos brasileiros. É o caso, sobretudo, do Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), do Postalis (funcionários dos Correios), do Petros (funcionários da Petrobras) e do Funcef (funcionários da Caixa Econômica Federal). Tais fundos representam quase 1 milhão de famílias e chegam a um patrimônio de cerca de R$ 350 bilhões, uma potência econômica. O PT realizou no corpo de controle desses fundos o mesmo que na Petrobras: aparelhou suas instituições, traficou influência e direcionou os negócios para seu projeto político-partidário[1]. João Vaccari Neto, o ex-tesoureiro do PT, hoje preso, condenado no mensalão e no petrolão, controlava diretamente a direção conjunta, em nome do PT, da política aplicada aos fundos. Assim, combinando maquinações no BNDES, corrupção nas grandes empresas, saque às riquezas naturais nacionais, controle direto da potência econômica bilionária contida nos fundos de pensão, o PT construiu seu projeto de poder, um projeto mafioso voltado ao alavancamento de uma classe capitalista totalmente vinculada aos interesses do grande capital. Perfez o projeto político-partidário de poder a compra de um enorme setor proletário miserável ou semi-miserável nacional, com base em programas de assistência. Tais programas, totalmente inseridos na lógica do mercado, apenas servem para realizar mais-valia, ou seja, para garantir a compra (consumo) do que foi anteriormente produzido pelas empresas capitalistas, e não tiram a massa miserável da miséria no longo prazo (pelo contrário, apenas fazem aumentar a miséria).
Assim, a forma de manutenção do poder político dos petistas, a rigor, estava totalmente submetida às necessidades do grande capital. O PT, com uso direto e mafioso do Estado, controlava a oferta de crédito, e voltava-a como potência econômica ao consumo produtivo das grandes empresas (que davam ao PT, em troca, pequenas regalias). Nada de muito novo: é a forma de acumulação da burguesia no Brasil desde meados do século XX. A diferença apenas foi a dimensão (gigantesca) do controle mafioso do esquema, e a mais bem realizada integração dos setores proletários e miseráveis na ordem capitalista produtora de miséria crescente. No ponto final da linha, no consumo individual, o PT também usava o Estado para fornecer “crédito”, a rigor, dinheiro fácil, vindo do céu, para as medidas assistenciais, como “Bolsa Família”, “Minha Casa, Minha Vida”, Prouni, etc. Como falamos, todos esses programas voltavam-se apenas a garantir, do ponto de vista do consumo individual, a realização (a compra e consequente consumo) daquelas mercadorias que as grandes empresas haviam produzido, subsidiadas pelo Estado (ou seja, por riqueza roubada da população trabalhadora). É uma cadeia fechada, o grande círculo vicioso do capital, produtor de miséria crescente, mas desta vez tendo o PT como elo fundamental. Este, nas duas pontas do processo de circulação, fomentava, com o Estado, o gasto produtivo, para ajudar a ampliar o grau de exploração da classe trabalhadora diretamente empregada na produção. Um diminuto setor social – a classe operária das principais empresas do país – pagou o pato por toda a festa capitalista, fornecendo somas cada vez maiores de mais-valia. Dos lucros bilionários da farra do grande capital, os petistas, convertidos em neo-burgueses, ganhariam apenas uma diminuta fatia, as migalhas. Ainda assim, sem dúvida, prestariam-se e prestaram-se diligentemente a tudo isso.
A Bovespa bateu recordes, o Estado cobrou seus impostos, e o segredo era, para variar, o roubo da classe trabalhadora, que neste momento paga com depressão econômica, crise fiscal e queda acelerada em suas condições de vida. Para o crédito estatal, pegava-se emprestado do mercado com base na taxa Selic (bastante alta no último período) e ofertava-se com juros subsidiados, facilitados. A diferença, é claro, tornava-se rombo público, a ser pago, mais cedo ou mais tarde, sobretudo, pela população trabalhadora. O rentismo manteve-se e ampliou-se violentamente nos anos do PT. Já os fundos de pensão, convertidos em caixa-preta, subtraídos à transparência, submetidos à má gestão, ao assalto, à rapina, à regulação confusa, às oscilações do mercado (na bolsa) e nas taxas de juros, atingem hoje um déficit tal (R$ 46 bi, em 2015) que ameaça a previdência dos seus contribuintes.
Não havendo dinheiro suficiente no BNDES ou nos fundos, após 2011, houve mais transferência de recursos do Tesouro, com emissão de títulos públicos. Mesmo assim, a fonte se esgotava, acentuadamente após 2013. Em 2014, a operação duvidosa (“gato”) com o Tesouro parou. A partir desse mesmo ano, o BNDES anunciou que não concederia mais empréstimos aos estados federados (que agora amargam a crise fiscal). Curiosamente, ao final do processo, notou-se que os investimentos não vieram no grau desejado, afinal, não há apenas um vetor para induzir investimentos; não cabe apenas ter dinheiro fácil com juros subsidiados ou acesso a fundos; não basta o keynesianismo tupiniquim e as medidas assistencialistas – é preciso ter um grau vantajoso de exploração da mão de obra. Novamente, aqui, atinge-se o limite geral para a classe capitalista, o limite que impõe a emergência da crise, o limite imposto pela classe trabalhadora, como vimos em texto anterior (tese 1). O investimento veio muito abaixo do projetado e sobrou o rombo nas contas públicas, produzido pela farra burguesa e pela corrupção sob os governos do PT.
Com o estouro da crise, expôs-se a nu a mágica do lulismo. O governo do PT, sobretudo de Lula, como defendemos, já desenhava os traços de um governo bonapartista. Luis Bonaparte, analisava Marx, no 18 de Brumário, gostaria de “roubar a França inteira a fim de poder entregá-la de presente à França, ou melhor, a fim de poder comprar novamente a França com dinheiro francês”. Tudo, nessa forma de governo – “todas as instituições do Estado, o Senado, o Conselho de Estado, o Legislativo, a Legião de Honra, as medalhas dos soldados, os banheiros públicos, os serviços de utilidade pública, as estradas de ferro, o état major da Guarda Nacional com a exceção das praças, e as propriedades confiscadas à Casa de Orléans” – tudo se torna parte da instituição do suborno. É essa orgia e irresponsabilidade de aventureiro, em condições onde a burguesia está paralisada como classe capaz de refletir sobre seu futuro histórico, político e econômico, que caracteriza o governo bonapartista. O controle, pelos petistas, das alavancas da economia, permitiu-lhes maquiar, por certo período, a situação econômica de crise que minava a economia nacional, favorecendo seletos grupos capitalistas. Mas, na verdade, seguir nesse caminho, de ilusionismo, seria, para a burguesia, caminhar aceleradamente para a catástrofe. Como fazer para sair dessa bem amarrada teia repleta de ilusões? Como fazer para desvencilhar-se dos artifícios lulistas? Como não caminhar para o abismo, conduzidos pelos cegos e aventureiros? Essa era a pergunta que parte mais consciente da burguesia se fazia.
O BNDES, esgotado, desapareceu dos noticiários; mudou relativamente de função. Os fundos de pensão – que, diante da crise do banco, os petistas prometiam que se tornariam os grandes investidores nacionais –, também saíram de cena, à medida que amargaram seus déficits. De facilitador de recursos públicos, o BNDES caminhou em grande medida para avalista de financiamentos de outrem. Desde 2013 abriu-se maior espaço para outros bancos de investimento, públicos ou privados. André Esteves e seu BTG viraram a menina dos olhos. Para inibir a quantidade de dinheiro em circulação, o Banco Central (BACEN) elevou pouco a pouco a taxa básica de juros, a Selic, visando a “manter a inflação sob controle”. Inibiu-se assim não apenas o consumo, mas ainda mais o investimento produtivo, numa espiral aparentemente sem saída.
O governo ajudou a construir, na verdade, com a farra lulista, uma bomba relógio; uma situação incontrolável. A bonança e o excesso de consumo eram, já em 2013, uma aparência, algo do que todos desconfiavam. O estouro do gelo escancarou um abismo. Grande parte das indústrias, levadas superficialmente pela onda de otimismo, mantiveram até 2014, irracionalmente, um grande ritmo de produção, como se suas mercadorias fossem encontrar mercado. A utilização da capacidade instalada da indústria mantinha-se alta, nos patamares considerados ideais, até 2014, e o desemprego estava baixo. Mas os estoques, repentinamente, mostraram-se muito elevados. A classe capitalista e a classe trabalhadora (endividadas) recearam consumir. A burguesia, presa em seu tacanho mundo privado, não esperava a crise… e ela apareceu. Todos os monstros represados artificialmente pelo governo ameaçaram vir à tona repentinamente. A estratégia do governo tornou-se abrir o dique vagarosamente (temendo uma explosão). Era preciso manter as aparências; era preciso manter a oferta de crédito; era preciso afirmar que os gastos públicos estavam em ordem; era preciso continuar subsidiando os valores dos combustíveis e da energia; era preciso desonerar as grandes empresas (para supostamente evitar demissões); era preciso fazer as pedaladas fiscais, era preciso continuar com o ilusionismo lulista… Sobretudo, era preciso reeleger Dilma em 2014!
Depois disso se veria o que fazer – e nessa fórmula resume-se a grande perspicácia dos capas-pretas petistas.
Na verdade, hoje fica evidente que as políticas petistas ao final de 2014 não representavam apenas um temor diante do enorme volume de água represado que ameaçava estourar. Tratava-se também da contradição entre um grupo que usava o Estado de forma assaz privada e um Estado que precisaria – para evitar o caos completo de todos os setores capitalistas – de uma mínima política coletiva ou planejamento conjunto da classe burguesa. O PT visava a eleger Dilma, e para isso precisava manter até certo ponto a narrativa anterior, a farra lulista – mas isso estava na contramão das necessidades “públicas”, ou seja, das necessidades do conjunto da classe burguesa brasileira para remediar o estouro da crise e manter seu Estado de direito. Essa contradição exigia estourar e necessariamente estouraria, porque, a rigor, nenhum setor da burguesia brasileira, mesmo o setor que se opunha ao PT, poderia sustentar qualquer política progressista, representando o conjunto dos interesses burgueses. Eis por que a contradição estourou primeiramente pelas mãos da classe trabalhadora, e não pelas mãos dos setores burgueses descontentes. A burguesia, como um todo, é covarde, e qualquer possibilidade de ação histórica progressista recai nas mãos da classe trabalhadora, que mais sofre – por ter pouco ou nada a perder – numa crise. Eis o sentido de junho de 2013 e das grandes passeatas dos anos seguintes contra o governo do PT, que trouxeram grande pressão sobre a ordem burguesa.
Graças à pressão do crescente descontentamento popular com o governo, os setores burgueses foram, um a um, aos poucos, percebendo que não haveria forma de resolver a situação a não ser trocando o governo. Chegou-se à conclusão de que este governo não seria capaz de, ao mesmo tempo, manter seu projeto de poder e abrir o dique de contenção das águas. O governo ficou totalmente paralisado diante das grandes mobilizações de massas que estouraram a partir de março de 2015. Ali, foi como se o governo tivesse perdido, de vez, a capacidade de governar; de conciliar a contradição entre seus propósitos de poder e as necessidades do conjunto da classe burguesa. Dilma recuou rapidamente, buscando acelerar o processo de abertura do dique de contenção; buscando adaptar a imagem e a aparência à realidade brasileira, mas não era mais possível: o governo estava condenado. A classe burguesa, que percebeu isso aos poucos, começou a se preocupar mais com a transição para o futuro governo.
Dilma pagou pela farra lulista. Seu governo era a crise, mas, a rigor, toda crise é bem vinda para o capital, na medida em que cria as condições para a recuperação. A paralisia do governo só fez acentuar e acelerar o desgoverno necessário ao capital, na medida em que abriu mais rapidamente os diques de contenção e as leis absolutamente irracionais do mercado. Foi uma aventura para a burguesia. O ano de 2015 marca uma entrega da burguesia ao risco e às leis econômicas, sem saber exatamente para onde estava sendo levada, como que abdicando em grande medida de sua direção política, sem saber se uma explosão de descontentamento ainda maior da classe trabalhadora (com greves generalizadas, por exemplo) poderia surgir. Teria sido um momento fantástico para a construção de uma direção revolucionária, caso ela estivesse preparada anteriormente, de forma séria, tanto no conjunto da classe operária como na população proletária. A esquerda, todavia, era demasiado pequeno-burguesa para assumir essa tarefa. Repentinamente, na situação de desgoverno, o desemprego saltou a níveis alarmantes, as demissões nos setores-chave avançaram decisivamente, a inflação disparou, a renda do trabalhador foi achatada, a massa salarial diminui, as horas de trabalho necessárias aumentaram. Tudo isso, praticamente, de forma acentuada, a partir do início de 2015. Em grande medida, vivemos nesta situação ainda hoje, absolutamente instável e temerosa para a burguesia.
Em 2015, a renda do trabalhador teve a primeira queda desde 2004. Em 2015, pela primeira vez desde 1992, a desigualdade social aumentou ao mesmo tempo em que a renda caiu (antes disso, a desigualdade aumentava porque a elevação da renda dos capitalistas era sempre muito maior do que a elevação da renda dos trabalhadores). Veja-se o “coeficiente Gini”. O fosso entre as classes se aprofundou em maior velocidade. Em 2015, o desemprego saltou de 6,8% da população economicamente ativa para quase 10%. Agora (final de 2016) atinge 12%. São mais de 11 milhões de desempregados (de acordo com a PNAD contínua), número de pessoas que equivale à população de vários países da Europa. É como se houvesse um país de desempregados dentro do Brasil. A massa salarial real – que se contabiliza misturando-se inflação, diminuição da ocupação e da renda – caiu cerca de 10% no primeiro semestre de 2015 (ultrapassando a queda na crise de 2003). O chamado “índice de produção física” – que aponta a quantidade produzida, ou o valor adicionado pela indústria de transformação e extrativa – teve uma queda brusca em 2015, similiar à de 2008, no estouro da crise subprime. A produção industrial retrocedeu aos patamares de 2004. O índice de faturamento industrial retornou aos patamares de 2007. A utilização da capacidade instalada na indústria chegou a 62% no início de 2016 – o menor nível em 15 anos, retornando ao patamar da crise industrial da virada do século. Os estoques ultrapassaram os níveis planejados. A intenção de investimento da classe capitalista despencou de 62% em 2014 para 40% ao final de 2015. Seu “índice de confiança” caiu de 55% em 2014 para 35% em 2015 (menor patamar em mais de duas décadas). O índice de horas trabalhadas na produção entrou em queda livre em 2014, passando de 110 horas para 86,9 em meados de 2016. O índice de emprego na indústria também teve queda livre desde o final de 2014 até hoje, retornando a patamares de 2005. É como se, em apenas dois anos – 2014 e 2015 –, a era de ouro do petismo tivesse sido varrida da história. Não à toa: ela era ilusória, montada sobretudo com maquinações desde 2008. A retração em 2014 e 2015 foi similiar, apenas, à registrada no país após o estouro da crise de 1929.
Será que a economia capitalista brasileira chegou ao “fundo do poço”? É isso que os economistas burgueses hoje se questionam. Os dados ainda são muito contraditórios, mas alguns apontam para uma possibilidade de crescimento mais sustentado em meados de 2017, a depender dos seguintes elementos: grau mais alto de exploração da mão de obra, nova oferta de crédito, abertura para investimentos, controle dos gastos fiscais (para o Estado continuar servindo como alavanca de acumulação). O mais provável é que a economia fique numa paralisia, à espera de um novo estouro da crise econômica mundial, que terá por aqui consequências ainda mais catastróficas.
Hoje os economistas alardeiam uma retomada, tratando dos novos dados de diminuição do ritmo de queda do PIB (sobretudo no primeiro e segundo trimestres de 2016), retomada de investimentos e de exportações. Ora, em grande medida esses dados são tímidos, e mais produzidos por um elemento psicológico do que real. Ou seja, refletem mais o grau de confiança dos empresários no futuro da economia do que uma situação real. Veja-se, por exemplo, que após 10 trimestres seguidos de queda nos investimentos, acumulando perdas de 26,2%, agora, ao final de 2016, há um trimestre de crescimento, com apenas 0,4% positivo, e isso já anima o mercado. O aumento nos investimentos está em grande medida vinculado ao novo pacote de concessões do governo, o PPI (Plano de Parcerias de Investimento), que estabelece concessões e privatizações a serem aprovados em licitações a toque de caixa (a proposta já vinha do governo Dilma, e foi apenas mantida por Temer, a ser conduzida por Moreira Franco). A base de financiamento dessas concessões serão o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e o BNDES. Busca-se, com a venda barata das riquezas do Estado ao capital nacional e internacional, novamente com dinheiro facilitado e política de aprovação facilitada, incentivar os investimentos. Se o governo se mantiver em pé, devem ser privatizados setores chave para a produção de mercadorias (como aeroportos, portos e rodovias), que são ao mesmo tempo chave para os serviços (transporte de população). Devem também ser privatizadas algumas forças produtivas fundamentais, como aquelas vinculadas à produção de energia (como a Eletrobras).
Quanto às exportações, os dados otimistas deste final de 2016 são, na verdade, muito duvidosos. Tratou-se, na mídia e no governo, do superávit de US$ 4,5 bi, valor 91,8% acima do de 2015, como um grande avanço e mesmo como um ganho inesperado. Apresentou-se o superávit do primeiro semestre como um recorde histórico. Espera-se atingir, para todo o ano de 2016, o extravagante superávit de U$ 50 bi. Todavia, esconde-se o óbvio: superávit é a relação positiva entre exportação e importação (ou seja, quando mais se exporta do que importa). O superávit não necessariamente se dá por conta de um aumento global das exportações, mas também por um diminuição das importações. No caso, particularmente, aconteceu que a queda das exportações neste último ano (ou seja, em relação a meados de 2015) foi menor do que a queda das importações no mesmo período – mas ambos caíram! As exportações caíram cerca de 20% em relação a 2015, enquanto as importações caíram cerca de 27%. É só daí que se tira a mágica do superávit – o qual, há de se falar, concorre mais para a formação das reservas do Tesouro do que para investimento interno. Essas reservas, hoje, em quase US$ 400 bilhões, aumentadas pelo superávit, são gastas em sua maioria para comprar títulos do Tesouro dos EUA, o mais seguro do mundo. Assim os devedores brasileiros – governos e empresas privadas – lastreiam bem suas finanças e garantem um bom pagamento para aqueles que neles investem. Para além de tudo isso, o que importa realmente notar aqui é que a corrente de comércio brasileira não dá ainda sinais consistentes de saúde. E, mesmo se desse, isso não significaria propriamente pujança industrial.
Por sua vez, também o crédito ainda não dá sinais reais de melhora, pois depende da confiança dos empresários em investir e da capacidade de consumo da classe trabalhadora. O número daqueles que estão pela primeira vez endividados, sem condições de arcar com a dívida (inadimplentes), aumentou em 2015 de 48,2% para 71,4% (dados do SPC) em meados de 2016. O emprego continua em depressão. Basta verificar a situação nas fábricas onde atuamos, na grande São Paulo, para se verificar que o facão continua e, na verdade, em velocidade ainda maior do que no último período. A capacidade instalada da indústria segue em grande medida ociosa e sem perspectiva imediata de retomada. A quantidade de demissões avançou decisivamente entre o operariado neste ano de 2016. Estima-se que o desemprego chegue a 15% dos trabalhadores brasileiros até o final de 2017. Assim, a julgar pelos dados reais, e pela situação econômica mundial instável do capitalismo, ainda é muito cedo para se afirmar que os dados da economia brasileira realmente apontam para uma retomada imediata.
O que é certo é que, até meados de 2017, atingir-se-á um nível de desemprego absolutamente favorável, ao capital, para pressionar a População Economicamente Ativa a aceitar níveis baixos de salário e graus mais altos de exploração (intensidade da jornada de trabalho). Quando isso se der, a tendência é que o governo use suas políticas monetárias para tentar alavancar a economia. A primeira delas será o rebaixamento da taxa básica de juros para favorecer o crédito, visando a ampliar o consumo, antes de tudo produtivo, mas também familiar, e a própria produção industrial. Assim que se atingir o ponto favorável para a acumulação do capital – ou seja, a máxima exploração dos que continuarem empregados, e relativas condições de consumo do produzido –, começará a haver recontratação de mão-de-obra, mas, claro, tudo dentro ainda de um patamar salarial inferior. A procura pela mercadoria força de trabalho fará seu preço se elevar um pouco, sem haver propriamente uma elevação de seu valor (que tende mesmo a cair). A indústria começará a reutilizar sua capacidade produtiva ociosa, a qual, inclusive, ela aproveitou os anos anteriores de crise e câmbio favorável para fazer novas aquisições e instalações. Isso tudo, é claro, num cenário ideal, ou seja, em que a mudança dos humores da economia capitalista internacional não interceda e coloque tudo a perder para os capitalistas brasileiros.
Até o final de 2017 e começo de 2018, mais ou menos, a tendência é que a economia siga nesta situação instável e frágil, sem apontar retomada consistente, aguardando sinais externos. A instabilidade e o medo devem se manter na psicologia das amplas massas da população trabalhadora. Será hora, sobretudo, até lá, de uma política de esquerda defensiva e de frente única, capaz de unificar a classe trabalhadora para colocá-la em movimento. Não temos ainda dados referentes ao número de greves nos anos de 2014 e 2015 (que são produzidos pelo DIEESE), mas ao que tudo indica a tendência geral é de crescimento da luta da classe trabalhadora, cada vez mais revoltada com a cara de pau das empresas, com o governo e com os representantes sindicais. O início de um movimento autônomo da classe trabalhadora, sobretudo da classe operária, movimento por tantos anos esperado, depende em grande medida, neste momento de crise, como falamos, de políticas defensivas, como aquelas de frente única contra os ataques do governo e dos patrões. É preciso, antes de tudo, colocar a classe em movimento. Isso dará condições muito melhores, nesta conjuntura de crise, para divulgação do programa aparentemente mínimo, mas na verdade transitório, das escalas móveis e transição socialista. Todavia, para isso, falta ainda muito trabalho nosso a ser feito, de inserção política nas principais forças produtivas nacionais. As condições não são favoráveis ainda. O pressuposto não foi colocado.
Na verdade, o momento de estouro da crise é o momento de desencadear decisivamente o programa transitório. Se, no período anterior à crise, a vanguarda não se instalou dentro dos principais meios de produção nacionais, pouco adianta tentar fazê-lo no próprio período de crise. As chances para se estabelecer uma direção no próprio processo, se não são nulas, são muito pequenas. Isso é o que ensinou tantas vezes Trotsky. É claro que é preciso buscar todas as formas de estabelecer relações com a vanguarda do operariado durante a crise, mas a crise da direção do proletariado é o elemento determinante no momento, e a classe fica acuada diante da crise se não há uma direção proletária. Precisamos nos preparar decisivamente para o próximo período. Se haverá relativa retomada industrial, com contratações, será a hora decisiva da inserção dos revolucionários dentro das forças produtivas mais importantes do país. Por isso, é fundamental que neste próximo período consigamos estabelecer as condições objetivas para essa inserção. Temos até o final de 2018 para dar vários e sérios passos, decisivos, nesse caminho. Quanto a isso, as próximas teses, sobre tática e sobre construção partidária, devem desenvolver importantes elementos.
Notas de rodapé:
1. Veja-se, por exemplo, interessante artigo da Revista Piauí: “Sérgio Rosa e o mundo dos fundos”, de agosto de 2009. Acesso em: <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/sergio-rosa-e-o-mundo-dos-fundos/>