Nessa quinta-feira, 18 de março, completam-se 150 anos da Comuna de Paris, o primeiro governo dos trabalhadores da história do proletariado internacional, que tomou o controle de Paris de 18 de março até 28 de maio de 1871, data do fim da repressão sangrenta que se abateu sobre os trabalhadores parisienses. No caso da Comuna, como em muitos outros, a guerra foi a parteira da revolução: a guerra Franco-Prussiana, na qual o governo de Luís Bonaparte acabara derrotado pela Alemanha de Bismarck, foi seu estopim mais imediato. A rendição das tropas francesas e o cerco dos prussianos de Paris provocou a resistência do proletariado francês, que rapidamente se converteu em uma revolta social contra seu próprio governo, e disso passou estabelecimento de um governo de trabalhadores, que resistiu heroicamente por mais de um mês até ser massacrado pela burguesia francesa – com a ajuda, aliás, da sua até então inimiga burguesia alemã –, que deixou um saldo de mais de 30.000 mortos na repressão, além de milhares de presos e exilados. A ameaça da revolução proletária era maior do que as disputas intra-burguesas, e obrigou as burguesias alemãs e francesas e a se unirem contra seu inimigo comum, o proletariado: um cenário análogo se repetiria na revolução russa de 1917, com a coalização de todas as potências imperialistas invadindo a Rússia soviética, mas o desfecho então seria diferente, com a vitória do Exército vermelho sobre os agressores burgueses.
Apesar da derrota militar, a Comuna nos deixou um legado político incontornável, que é dever de todos os revolucionários assimilar e não permitir que caia no esquecimento. Não fora a primeira vez que os trabalhadores haviam agido como um ator histórico independente da burguesia e da pequena-burguesia: sua primeira tentativa nesse sentido fora em junho de 1848, e lá também eles se depararam com uma repressão brutal. A diferença é que em 1871 foram capazes de tomar o poder e mantê-lo, ainda que brevemente, aproveitando a desarticulação do poder burguês francês após a derrota na Guerra Franco-Prussiana. Foi a primeira vez que o proletariado provou, por meio de suas ações, que a conquista do poder político não só era possível como, mais ainda, que a pré-condição de tal conquista era adotar uma estratégia diametralmente oposta à que o movimento dos trabalhadores de até então seguia em relação ao problema do órgão do poder político, o Estado: era necessário não tomar posse do aparato do Estado existente, mas sim destruí-lo por meios dos organismos de poder dos trabalhadores. A Comuna aboliu a polícia e o exército como órgãos repressivos separados e voltados contra a classe trabalhadora, e substituiu-os pelo povo em armas; a Comuna aboliu as estruturas governamentais burocráticas do Estado burguês (judiciário, legislativo, executivo) e a separação de funções que elas implicam pelo sistema de conselhos, no qual a população trabalhadora elege seus delegados para realizarem as funções governamentais, membros da classe a quem se delega o poder político, que podem ser revogados a qualquer momento, acabando com a separação característica do regime político burguês entre os representantes e representados.
Essas lições programáticas foram cuidadosamente assimiladas por Marx e Engels. No prefácio à edição alemã do Manifesto do Partido Comunista de 1872, os autores debitam à experiência prática da própria classe na Comuna uma alteração na sua concepção teórica a respeito do Estado: “a Comuna de Paris demonstrou, especialmente, que ‘não basta que a classe trabalhadora se apodere da máquina estatal para fazê-la servir a seus próprios fins’”, citando e remetendo o leitor ao próprio trabalho de Marx sobre a Comuna, “A Guerra civil na França”. Mais ainda, Marx e Engels dizem que, passados vinte e cinco anos da redação do Manifesto, “não se deve atribuir importância demasiada às medidas revolucionárias propostas no final da seção II”. Ora, boa parte dessas medidas, que Marx e Engels já haviam superado em 1872 – ou melhor dizendo, que a prática histórica da classe trabalhadora os levara a superar –, são algumas das panaceias que a chamada “esquerda” tenta vender como sendo revolucionárias ou socialistas ainda hoje: o imposto fortemente progressivo, a educação pública e gratuita para todas as crianças etc. Quer dizer, apesar da lição da Comuna, as organizações que se reivindicam revolucionárias defendem programas que ficam aquém da própria tarefa que a Comuna se colocou: a destruição do Estado burguês.
Discutimos ampla e detalhadamente essa questão na obra Marx e o Estado, que republicamos hoje, no aniversário de 150 anos da Comuna, como nossa modesta contribuição à questão do Estado em Marx, que ainda provoca, um século e meio depois, tanta confusão na esquerda. É preciso que as lições que a Comuna ensinou, o caminho que ela apontou, não sejam objeto de uma veneração histórica distanciada, mas sim que orientem nossa prática política revolucionária do presente: só assim honrarmos a memória dos communards que tombaram nesse combate e completaremos a tarefa que eles começaram.
VIVA A LUTA DOS TRABALHADORES!
VIVA A COMUNA DE PARIS!
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