Este é o nosso décimo texto de crítica ao programa apresentado pelo PSTU para debate no Polo Socialista. Veja os nossos nove primeiros textos aqui. O texto de programa do PSTU, por sua vez, pode ser encontrado aqui.
O documento de programa do PSTU, conciliando com movimentos como o MST, defende uma “reforma agrária” no Brasil. O PSTU classifica a “classe camponesa” sob o termo “agricultura familiar”. Seu documento, por exemplo, diz:
“Por outro lado, a agricultura familiar dos pequenos camponeses é responsável pela produção de 70% dos alimentos do povo brasileiro, e vive em situação extremamente precária, sem financiamento nem apoio técnico por parte do Estado, esmagada pelas grandes empresas agropecuárias” [página 25].
Ora, cabe perguntar: como poderia uma agricultura de “pequenos camponeses”, em “situação extremamente precária”, produzir 70% dos alimentos de mais de 200 milhões de pessoas? Isso só seria possível se essa classe de pequenos-camponeses fosse muito numerosa. Assim seu curto sobreproduto – como usual entre pequenos produtores – alcançaria a dimensão da demanda nacional. Entretanto, nada disso ocorre. Não há essa gigantesca classe camponesa. Na realidade, sob o nome de “agricultura familiar” esconde-se uma classe pouco numerosa propriamente capitalista.
Como já demonstrou o Prof. Claus Germer, o termo “agricultura familiar” é equívoco e ideológico, proveniente da sociologia americana (dos farmers dos EUA). Longe de expressar propriamente camponeses (no sentido correto do termo, como referência a uma classe não capitalista nem proletária), o termo “agricultura Familiar” diz respeito a uma forma de produção capitalista, ainda que em menor escala e controlada por famílias. As características muito peculiares da produção agrícola permitem a um número relativamente pequeno de pessoas (a uma família, com poucos assalariados) conduzir unidades de produção capitalista pequenas mas relativamente bastante produtivas. O conjunto da produção é desde o início voltado ao mercado (à venda) e não ao consumo de autossubsistência (como no caso de verdadeiros camponeses).
Após longa e cuidadosa demonstração, o Prof. Germer é bastante taxativo: “Se a chamada agricultura ‘familiar’ produz todas as tendências essenciais do capitalismo em expansão, conclui-se inequivocamente que se trata de uma forma de produção capitalista idêntica, em essência, à produção ‘empresarial desenvolvida’ (ou ‘patronal’) típica.” (Veja seu elucidativo texto, “A irrelevância prática da agricultura ‘familiar’ para o emprego agrícola”, aqui).
Os bolcheviques – e, antes deles, a ala marxista da social-democracia alemã – buscaram desenvolver uma estratégia frente à chamada “questão agrária”. Seu propósito era o de separar os camponeses pobres dos ricos (que operavam certas formas capitalistas, visando ao mercado). Assim, buscava-se aproximar os camponeses pobres, semi-proletarizados, da revolução proletária. Que dizer do programa do PSTU, que se volta à classe capitalista escondida sob o equívoco conceito de agricultura familiar?
Uma reforma agrária no Brasil criaria uma classe camponesa praticamente inexistente por aqui. Tal classe é geralmente politicamente conservadora (pois defensora de sua propriedade privada). Com a criação de uma classe camponesa, a transição ao socialismo tornar-se-ia mais difícil, pois surgiria um novo elemento de instabilidade e maiores contradições para uma futura ditadura do proletariado. Basta observar as enormes dificuldades enfrentadas pelos bolcheviques após 1917 (dificuldades que, aliás, atuaram na ascensão do stalinismo).