Este é o nosso nono texto de crítica ao programa apresentado pelo PSTU para debate no Polo Socialista. Veja os nossos oito primeiros textos aqui. O texto de programa do PSTU, por sua vez, pode ser encontrado aqui.
À página 24 de seu programa, o PSTU trata do problema da tributação, num item intitulado “Virar do avesso a estrutura de impostos no país”. Eis exatamente o problema constatado pelo partido:
“Quem paga mais impostos no Brasil, relativamente ao que ganha, são os mais pobres. A arrecadação de 47,4% dos impostos vem do consumo de bens e serviços, pagos pela maioria da população. Apenas 19,9% vêm dos ganhos de renda, 4,7% da propriedade e somente 1,7% das transações financeiras. Assim os impostos servem para transferir a renda dos mais pobres para os mais ricos, ao contrário do que deveria ser” [página 24].
Contra isso, o PSTU propõe o imposto progressivo: “Defendemos a isenção do pagamento de imposto de renda para quem ganha até 10 salários-mínimos (hoje é até 2,5). A partir daí se instituiria uma alíquota crescente de acordo com a renda individual, com uma alíquota de 50% para os mais ricos” [página 24].
Como se vê na primeira citação, para o PSTU os impostos sobre circulação de bens e serviços não são uma parte (dedução) da mais-valia, mas algo pago pelos consumidores. Assim, o imposto sobre consumo – eixo do regime fiscal moderno, segundo o próprio Marx – seria, para o PSTU, uma soma que se acresce aos preços das mercadorias (em última instância, a seus valores). Entretanto, isso contraria completamente a teoria do valor desenvolvida por Marx. Se tal concepção fosse verdadeira, os preços das mercadorias seriam arbitrariamente determinados pelo Estado, e, a rigor, toda ciência economia ruiria.
Marx, por exemplo, critica o ricardiano (e vulgarizador) J. MacCulloch justamente por conceber que o imposto seria algo acrescido ao preço. Contra MacCulloch – que defendia a supressão dos impostos –, Marx esclareceu o seguinte: “A supressão dos impostos não altera absolutamente nada no quantum de mais-valia que o capitalista industrial extorque diretamente do trabalhador. Ela modifica apenas a proporção em que o capitalista embolsa mais-valia ou precisa dividi-la com terceiros” (ver O Capital, livro 1, início do capítulo XV, nota de rodapé).
O imposto não é “pago” pelos consumidores, mas pelos capitalistas, proprietários das mercadorias que chegam ao mercado. O imposto é uma parte da mais-valia (assim como são o lucro comercial, a renda da terra e os juros). O capital em função produtiva divide sua mais-valia com terceiros para ampliar sua acumulação e melhor manter sua ordem política.
A concepção de Marx sobre a tributação leva à constatação clara do caráter de classe (burguês) do Estado moderno, pois financiado sobretudo pela burguesia. Disso resulta também a falta de sentido da proposta de “imposto progressivo”, conforme defendida pelo PSTU na citação acima. A classe capitalista já é a que mais paga impostos. Da concepção economicamente equivocada do PSTU, entretanto, resulta a esperança de que o Estado poderia (ou deveria), de alguma forma, agir a favor da classe trabalhadora (afinal, ela é quem supostamente o sustentaria). Como se vê, as consequências políticas do erro de concepção são grandes.
Como já explicamos em outro texto, Marx criticou concepções como as do PSTU em toda a sua vida. Em 1850, no quarto volume da Nova Gazeta Renana–Revista de Economia Política, Marx publicou uma resenha do livro “O socialismo e o imposto”, do socialista Émile de Girardin. Este defendia que os impostos poderiam ser usados para uma transição ao socialismo. Marx censurou-o, afirmando que a “reforma dos impostos é o cavalo de batalha de todo burguês radical, o elemento especifico de toda reforma econômica burguesa”. Além disso, foi taxativo:
“As relações de distribuição que se baseiam diretamente na produção burguesa – as relações entre salários e lucros, lucro e juros, aluguel e lucro – podem no máximo ser modificadas em pontos menores pelo imposto, e não são nunca ameaçadas em suas bases. Todas as investigações e debates sobre impostos pressupõem a manutenção eterna dessas relações burguesas. A abolição dos impostos poderia até mesmo acelerar o desenvolvimento da propriedade burguesa e suas contradições.”
No mesmo ano [1850], também na Nova Gazeta Renana-Revista de Economia Política, Marx publicou sua longa série de textos de balanço da Rev. de 1848/49 (depois agrupada sob o nome de Lutas de Classes na França). Nela, Marx trata os “impostos progressivos” como uma “medida burguesa”.
Muitos anos depois, em 1866, nas “Instruções aos Delegados do Conselho Geral Provisório” – instruções para congresso da Primeira Internacional –, Marx escreveu, na parte referente a impostos, o seguinte: “Nenhuma modificação na forma de taxação pode produzir qualquer mudança relevante nas relações entre trabalho e capital”. Em 1875, na Crítica do Programa de Gotha, Marx outra vez atacou seus pretensos seguidores que defendiam “imposto progressivo”. Segundo ele, tal política interessava aos burgueses de Londres:
“Os impostos são a base econômica da máquina do governo e nada mais. No ‘Estado do futuro’ [Marx está ironizando os que dizem ser uma medida socialista], já existente na Suíça, essa reivindicação [imposto progressivo] está bastante realizada. O imposto sobre o rendimento pressupõe as diversas fontes de renda das diferentes classes sociais, e assim pressupõe a sociedade capitalista. Portanto, não surpreende que os financial reformes de Liverpool […] ergam reivindicações como as desse programa.”