A delação de Emílio Odebrecht mostrou que a burguesia tem representantes muito inteligentes. Emílio, indignado, em protesto, ergueu uma pergunta e conscientemente não a respondeu:
“Por que tudo isso vem à tona só agora?”
Para o patriarca da Odebrecht, corrupção e propina alimentam o Estado brasileiro há trinta anos, e nunca se fez tanto alarde. Por que somente agora — pergunta ele — mídia e judiciário atrapalham o bom controle da burguesia sobre o seu Estado?
Responder a essa pergunta é fundamental para se compreender o presente. Emílio Odebrecht, como inteligente representante da burguesia, sabe a resposta, mas não a entrega; só dá indícios.
Quais indícios? Últimos trinta anos; Lula; general Golbery do Couto e Silva; pelegagem para contenção de greves em estaleiros da Odebrecht; a goela gigante (de crocodilo) dos petistas…
Será que todos esses elementos vieram à sua memória, nas poucas horas de delação, à toa, de graça? Não, Emílio, como Golbery, sabia muito bem, há trinta anos atrás, que Lula e o PT seriam fundamentais para a manutenção da ordem burguesa no ciclo pós-ditadura. Mas isso teria seu alto custo. Já escrevemos a respeito, aqui. Tanto quanto Golbery, Emílio Odebrecht financiou desde o início a imagem de Lula.
Tudo vem à tona agora porque o enorme bloqueio petista à classe trabalhadora, criado em 1980, rui de vez neste momento histórico (acentuadamente, desde junho de 2013), e sua queda implica necessariamente na queda do atual regime democrático-burguês. A luta de classes esquenta e o regime democrático-burguês necessariamente tem de transitar para outro regime burguês, onde o grau de violência burguesa é maior.
Emílio Odebrecht não respondeu à sua pergunta justamente porque isso atrapalharia os bons serviços futuros do Sr. Lula à burguesia. Lula, cada vez mais, aparece como o mais capacitado para salvar a “classe política”, portanto também o sistema político-burguês. Lula é um lacaio da burguesia sem par.
Mas não apenas Emílio Odebrecht se nega a responder porque todas as instituições democrático-burguesas são abaladas justamente agora. Boa parte da chamada “esquerda ao PT”, embora por motivos diferentes, também não o faz — ao menos não de maneira séria e consequente.
Afinal, responder a isso seriamente, para esquerda, implicaria na sua própria negação. Seu DNA, ao menos neste ciclo, registra origem comum com Lula e o PT. A esquerda ajudou a criar o PT e o mito Lula — ajudou a criar o monstro. A esquerda olha o passado, olha o tamanho do abismo colocado à sua frente e tem vertigem; teme a autossupressão. Portanto, prefere, de forma covarde, a falta de lógica ou a estupidez política.
Afinal, não é essa esquerda que falava, até ontem, que Dilma era “honesta” e “ilibada”, e agora tem de se calar diante da última delação de Marcelo Odebrecht? Não era ela que ridicularizava o “power point” de Deltan Dellagnol, e agora recebe um idêntico, com fatos, apresentado pelo delator Alexandrino de Alencar? Não era ela que falava que a reforma do sítio de Atibaia (com seu pedalinho) era mero casuísmo, e agora percebe que o casuísmo custou 700 mil reais?
Os exemplos das ridículas contradições da “esquerda” são sem fim. Basta lembrar que boa parte dela ainda fala de “golpe” quando os próprios “golpeados” já reconheceram que isso é besteira (ah, mas Lula teria “capitulado” à luta contra o “golpe”…).
Mais vale essa esquerda se austossuprimir do que passar vergonha e envergonhar o proletariado. Ou seja, é melhor ela responder à altura, com seriedade, até o limite, a questão levantada por Emílio Odebrecht: por que todas as contradições vêm à tona exatamente neste momento histórico? Isso implica em repensar a fundo toda a história recente da esquerda e seu programa pequeno-burguês. Quem sabe assim superaremos a paradoxal situação em que a burguesia tem representantes mais inteligentes do que o proletariado. Enquanto isso, Emílio Odebrecht ri, tranquilamente, em sua delação…