O Congresso venezuelano está praticamente fechado, já há mais de 3500 presos políticos e mais de 120 mortos pelas mãos do regime de Maduro e de suas milícias para-estatais. Oposição silenciada, à esquerda e à “direita” (para usar as palavras dos chavistas). No domingo, 30/07, realizaram-se as eleições para a constituinte farsesca que deve servir para garantir o controle do Estado burguês nas mãos da burocracia chavista. Como já havíamos notado na conjuntura brasileira (no caso do impeachment da Dilma), a suposta “esquerda” que vergonhosamente ainda apoia Maduro desaprendeu a definir um golpe e uma ditadura.
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O governo venezuelano acaba de dar um passo decisivo para transformar o regime político democrático-burguês do país numa ditadura burguesa de tipo bonapartista. Com a realização das eleições para a farsesca “Constituinte” de Maduro, avança o fechamento do regime e restringem-se ainda mais as liberdades democráticas.
O Congresso foi, na prática, dissolvido, e será substituído pela “Constituinte”, para a qual apenas chavistas puderam concorrer, e cujo desenho eleitoral foi feito para sobre-representar o chavismo – todos municípios elegeram entre 1 e 2 constituintes, independente de se têm 10 mil ou 1 milhão de habitantes, pois assim o interior, onde o chavismo ainda sobrevive, terá mais peso do que as capitais, onde estão concentradas as massas trabalhadoras mais avançadas e politizadas, que há muito já romperam com o PSUV de Maduro.
Além disso, as eleições que deveriam ter acontecido em 2016 foram “adiadas” novamente (e substituídas pela “constituinte”), pois Maduro sabe que não tem mais apoio social para ganhar nas urnas. Diz o governo que as eleições ocorrerão em dezembro, mas esta já é a terceira nova data fixada.
As eleições de domingo não puderam sequer ser monitoradas pela oposição, e os dados divulgados pelo governo, de que mais de 8 milhões de venezuelanos compareceram para votar, são contestados por todos os jornalistas internacionais presentes, bem como por ativistas e organizações de esquerda venezuelanas que vivem a crise e a observam por dentro, no próprio país. É impossível saber o número real de votantes, mas estima-se que tenha sido de cerca de 2,5 milhões. O resultado oficial, chavista, só foi divulgado pouco depois que Diosdado Cabello, o número 2 do chavismo, entrou furtivamente, escondido, na reunião do Colégio Eleitoral. Supõe-se que o número oficial foi milimetricamente pensado para superar o número de votantes do referendo convocado pela oposição há pouco mais de uma semana, onde mais de 7 milhões de habitantes votaram. Ou seja: o resultado oficial que interessava ao governo já estava dado antes mesmo da votação deste domingo.
Apenas no dia de ontem, 30 de julho, cerca de 15 pessoas foram mortas, a maioria na repressão do exército e das milícias chavistas aos protestos contra o governo. Desde o começo do ano, já morreram mais de 120 pessoas. Há, hoje, 3500 presos políticos na Venezuela, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – órgão da OEA responsável por denunciar internacionalmente as ditaduras do cone sul em seu auge, nos anos 1970.
Os protestos, em si, já são ilegais, assim como as greves de trabalhadores. Sindicatos e entidades estudantis estão há anos sem eleições, porque o judiciário, controlado pelo governo, interveio nas principais. Os manifestantes, para poder continuar nas ruas, já começam a organizar sua autodefesa.
A verdade é que a Venezuela colapsou e está à beira da guerra civil. Como trabalhamos em texto anterior, o chavismo, a despeito de seu discurso anti-imperialista, submeteu o país mais e mais ao capital internacional, tornou-o mais dependente das exportações de petróleo, sem efetivamente diversificar a base produtiva da indústria, e criou uma casta parasitária que vive dos petrodólares, a boliburguesia e seus asseclas. Isso sem contar os escândalos de corrupção que escancaram como a burocracia chavista vive do suor do povo – o próprio Maduro recebeu US$ 35 milhões em caixa 2 da Odebrecht.
Com a queda do preço do barril de petróleo, a política rentista e parasitária cobrou seu preço aos trabalhadores, que passam fome e emigram em massa da Venezuela, sobretudo para países vizinhos. Milhares de trabalhadores fogem para a Colômbia e o Brasil, sujeitando-se ao subemprego, à prostituição e à mendicância para ter o que comer.
A terrível situação de miséria é usada eleitoralmente pelo próprio governo. Para receber cestas básicas, é preciso filiar-se ao PSUV ou apoiar o governo ativamente. Funcionários públicos foram ameaçados de demissão se não votassem nas eleições para a constituinte. A esquerda está presa ou impossibilitada de concorrer às eleições, que não são livres. Nos centros de votação houve os “pontos vermelhos”, onde as pessoas registravam ter votado. Esse registro permite a elas ter acesso aos alimentos, em meio à situação de miséria social do país.
O papel submisso ao imperialismo que cumpre o chavismo comprova que, na época imperialista, ou seja, em tempos de decomposição capitalista, é impossível que a burguesia nacional tenha uma política de fato independente contra o grande capital, bem como comprova que todas as tarefas de libertação nacional só podem ser resolvidas pelo movimento independente da classe trabalhadora.
Fome, crise de abastecimento, legislativo fechado, Ministério Público amordaçado – esse é o resultado de toda uma era de chavismo. Se, no passado, Chávez buscava legitimar seu governo nas urnas, mesmo com suas tendências autoritárias (silenciamento, perseguição e encarceramento das oposições, adiamento de eleições sindicais onde ocorria o risco de perder etc.), o agravamento da crise e das contradições levou o caráter bonapartista do governo a um novo patamar sob as ordens de Maduro.
Está em risco, na Venezuela, a mínima liberdade para os trabalhadores se organizarem e lutarem. E, como bem disseram Marx e Lenin, a democracia burguesa é, dentro do capitalismo, o melhor regime para a organização da classe trabalhadora.
Mesmo setores antes adeptos do chavismo hoje denunciam o avanço do regime venezuelano para uma ditadura. Intelectuais de esquerda de todo o mundo, dentre eles ex-chavistas, publicaram um “chamado internacional urgente para deter a escalada de violência na Venezuela”, que pode ser lido aqui.
Do PT brasileiro, que se diz de esquerda mas é na verdade um partido burguês e de direita, não esperamos outra coisa senão o acobertamento dos crimes de Maduro. O PT e Lula, se tivessem chance, sem dúvida trilhariam o mesmo trajeto autoritário-burguês populista do chavismo. Todavia, como explicar os outros setores brasileiros que se autodenominam de “esquerda” e capitulam a Maduro? Eis a posição majoritária do PSOL e do PCB brasileiros!
A chamada esquerda que capitula a Maduro cumpre, na prática, o papel de chancelar e homologar o encarceramento e a miséria a que o chavismo condena os trabalhadores venezuelanos. São cúmplices de uma ditadura nascente. O PCB chega ao cúmulo de dizer que denunciar as violações “à democracia e aos direitos humanos é cair nas mentiras do imperialismo”. É a velha lenga-lenga stalinista, que, insultando Lenin, usa de forma abstrata e oportunista o conceito de imperialismo, apagando os conflitos de classe reais em cada país, para justificar todas as traições à classe trabalhadora. Usa-se o espantalho do “imperialismo”, todavia, como se sabe, o governo de Maduro ajudou a financiar a cerimônia de posse de Donald Trump com 500 mil dólares. A primeira coisa que Maduro fará, depois de esmagar a oposição e as massas nas ruas, será correr furtivamente com o rabo entre as pernas atrás de seu amo burguês do norte, para servi-lo domesticamente, implorando para que compre seu petróleo.
O PSOL, por sua vez, nem mesmo se deu ao trabalho de escrever uma nota oficial sobre a Venezuela! E por que? Porque esse partido, negando toda a experiência histórica da classe trabalhadora para se atingir o socialismo, nem mesmo é centralizado. Sua corrente majoritária, a Ação Popular Socialista, de tradição stalinista no antigo MEP, apoia Maduro de forma velada (ou seja, com vergonha). Eis o conteúdo das declarações recentes do presidente do partido ao jornal El País, bem como da análise de conjuntura internacional da APS.
Todavia, na era em que as notícias correm o mundo rapidamente, sustentar a charlatanice stalinista da corrente majoritária do PSOL e do PCB é algo muito difícil. Basta ver a profusão de vídeos nas últimas semanas com trabalhadores denunciando a fome, o desabastecimento, as prisões e as violações domiciliares arbitrárias, os grupos paramilitares chavistas assassinos (proto-fascistas), a repressão permanente do exército.
Numa reportagem da Vice, um trabalhador diz ao jornalista, apontando para pedaços de cabeça de peixe que carrega numa sacola: “Isso é resto de peixe, é o que as pessoas estão comendo. Isso é o que está comendo o povo, pois a carne e o frango somente os socialistas comem. Isto que o povo está comendo, veja, resto, que antes os cachorros comiam. Com o perdão dos cachorros!”. É a esse insulto e desmoralização completos das palavras socialismo e comunismo que grupos centristas como PSOL e PCB servem hoje!
Há, felizmente, setores de esquerda que assumem, contra a corrente, a postura correta de combate à ditadura de Maduro. Trata-se, sobretudo, do PSL venezuelano (Partido Socialismo e Liberdade, ligado à CST brasileira, corrente do PSOL); da UST (Unidad Socialista de los Trabajadores, seção da LIT-CI, organização internacional à qual é filiado o PSTU brasileiro); e a LTS (Liga de Trabajadores por el Socialismo, filiada à FT, internacional do MRT brasileiro). Todos têm origem trotskista.
Estas organizações, apesar de suas diferenças, convergem no momento para um chamado à organização dos trabalhadores para lutar contra o fechamento do regime e são contrárias à constituinte farsesca de Maduro.
Algumas delas, como a UST e o PSL, defendem abertamente a necessidade de derrubar Maduro do poder, para reestabelecer condições mínimas de organização dos trabalhadores, hoje ameaçadas pela repressão do regime bonapartista. Colocam, ainda, na ordem do dia, a necessidade de organizar planos de ação e de luta, de fomentar organismos de poder operário (conselhos) e de organizar a classe trabalhadora de forma independente do chavismo e da oposição burguesa. A verdade é que a verdadeira constituição de um poder popular – muito longe do que afirmam os velhos stalinistas – passa necessariamente pela derrubada de Maduro.
Deve-se tomar todo cuidado, todavia, para não se cair na posição supostamente intermediária, terceiro-campista, de “nem um nem outro”, que é contra Maduro e contra a MUD (a chamada, pelo chavismo, oposição de “direita”). Essas posições supostamente absolutamente independentes e abstratas não servem para a luta de classes real e são, na verdade, apenas uma capitulação envergonhada diante da pressão do governo burguês autoritário de Maduro.
O central não é produzir discurso. Discurso sem força material não serve para nada. Não se contrapõe a gigantesca violência do Estado burguês de Maduro com meras declarações. Eis por que a oposição burguesa a Maduro necessariamente será derrotada: ela não tem coragem de armar a população para se defender. E por que ela não tem? Pelo simples fato de que teme que isso saia facilmente do seu controle burguês. A oposição burguesa mal tem coragem de derrubar Maduro, e já é uma das principais responsáveis por conter as manifestações, por taxar os “vândalos” e “violentos” entre os manifestantes, tentando isolá-los. A oposição burguesa a Maduro não tem nada a fazer senão recorrer ao apoio do resto da burguesia de outros países, para que estrangulem comercialmente o governo. Mas isso não será suficiente. Não se derrota a força de um governo sem uma força real, uma força que aja dentro das contradições internas – da luta de classes – de determinado país.
Nesse sentido, o papel fundamental da esquerda revolucionária neste momento não é apenas construir organismos de poder locais (no bairros e nas empresas), independentes, da classe trabalhadora. Isso é fundamental, mas não basta. Junto a tais organismos, é preciso criar urgentemente as milícias de autodefesa da classe trabalhadora, bem organizadas e armadas da forma que for possível, para se anteporem à violência do governo de Maduro. A tarefa da esquerda revolucionária, portanto, muito longe de trair e capitular como os stalinistas, apoiando Maduro com um discurso falso de “poder popular”, consiste em dar vazão, até às últimas consequências, à revolta legítima da classe trabalhadora contra a violência do governo da nefasta burguesia bolivariana. Assim se criará o poder popular real. Os problemas do poder e das milícias de autodefesa da classe trabalhadora estão colocados na ordem do dia, e passam necessariamente pela luta direta pela derrubada do governo de Maduro.
Nesse processo, é necessário saber ser leninista de verdade. É preciso saber aliar-se pontualmente à oposição burguesa venezuelana, para batermos juntos contra o governo de Maduro. Esse setor da burguesia não quer uma ditadura escancarada, nem nós. Devemos bater juntos, mas marchar separados, ou seja: devemos manter toda a nossa independência de classe e organizar de verdade os trabalhadores, em seus bairros e locais de trabalhado, para a verdadeira resistência, que essa própria oposição burguesa teme realizar.
Os desdobramentos e as contradições abertos por esse conflito na Venezuela terão grandes consequências em todo o continente no próximo período. A esquerda latino-americana está na encruzilhada. Será sua prova de fogo. Aos camaradas que estão na Venezuela, desejamos toda força e sangue frio, para assumirem as grandes tarefas colocadas à sua frente. E não se importem com a pressão da suposta “esquerda”. Como citaria Marx numa hora dessas, “deixem a gentalha falar, e sigam teu curso” revolucionário!
Toda unidade para derrubar Maduro e sua constituinte! Liberdade aos presos! Eleições sindicais livres! Abaixo os juízes chavistas!
Criar os organismos independentes da classe trabalhadora nos bairros e locais de trabalho! Criar a milícia de autodefesa da classe trabalhadora!