Na semana passada, o Congresso Nacional enojou o país ao costurar um acordo entre as lideranças dos principais partidos burgueses, de PT a PMDB e PSDB, passando por todas as legendas de aluguel, para anistiar a si mesmos do crime de Caixa 2 para campanha eleitoral. Apenas PSOL e REDE não participaram da articulação. Diante disso, grupos pequeno-burgueses de direita convocaram manifestação, tardia, para 4 de dezembro.
A escancarada bandidagem chocou a nação a tal nível que, ainda em meio ao horror do caso Geddel, o presidente da República, Michel Temer, teve de recuar, em rede nacional, junto aos presidentes da Câmara e do Senado, Renan Calheiros e Rodrigo Maia. Em entrevista dominical no Fantástico, comprometeram-se a paralisar a tramitação da anistia ao Caixa 2 e, caso fosse aprovada no Congresso, Temer declarou que a vetaria.
As cenas do próximo capítulo, entretanto, demonstrariam que nada é tão ruim que não possa piorar e que o recuo do trio não passava do mais deslavado cinismo.
Na terça-feira, sabia-se que o Senado votaria a PEC 55, antiga PEC 241, que prevê até 20 anos de congelamento dos gastos públicos, sem distinguir os serviços essenciais à população das regalias oferecidas a empresários e políticos. Grupos de esquerda haviam convocado e construído manifestação contra a votação da PEC para Brasília.
No dia da votação, entretanto, o país foi surpreendido pela tragédia ocorrida em Medellín, que vitimou jogadores da equipe de futebol Chapecoense, profissionais de imprensa e trabalhadores da companhia aérea. O país e o mundo choraram diante do acidente que vitimou um time que entrou para a história após uma ascensão meteórica, transcorrida em sete anos, da quarta divisão nacional à disputa da final de um dos principais torneios continentais do mundo.
Apesar do luto que tomou conta do país, os nobres senhores senadores e a corja política de Brasília não guardaram o devido respeito aos que choravam seus mortos, e passaram o dia a articular a aprovação da PEC. Em meio à tensa batalha campal do lado de fora do Congresso Nacional, por conta da dura repressão aos que protestavam, os Senadores aprovaram em primeiro turno, sob brindes e risadas, a PEC.
Para coroar a traição aos trabalhadores brasileiros, os nobres Congressistas passaram, na Câmara, a madrugada a discutir o pacote de dez medidas anticorrupção do Ministério Público. Na calada da noite, os deputados cinicamente aprovaram o pacote para, em seguida, desfigurá-lo completamente por meio de emendas que foram votadas até as 4h19.
A maior parte das emendas foi proposta por PT e PP, mas contou com ampla aceitação dos parlamentares. Foi incluída emenda para punir magistrados e promotores que processem políticos e derrubou-se a facilitação da retirada de bens adquiridos por meio de corrupção. Caíram a dificultação da prescrição de crimes e a figura do delator que é premiado por denunciar crimes em que não foi parte. Após a votação, os deputados cantaram “Parabéns a você”.
No fim, apenas a cínica promessa dos três patetas Temer, Renan e Maia de não anistiar o Caixa 2 foi cumprida, mas complementada por uma legislação que praticamente blinda os corruptos, tornando o roubo dos bens do Estado algo quase legal.
Em resposta à votação, os procuradores da Operação Lava Jato ameaçaram renunciar caso a medida referente à criminalização de magistrados e promotores que processarem políticos seja sancionada. Renan respondeu tentando acelerar a votação do pacote no Senado, propondo regime de urgência, mas foi derrotado pelo plenário. Em diferentes cidades do país, registrou-se o primeiro panelaço da breve gestão Temer.
As dez medidas originalmente propostas pelo MP, apesar de limitadas, representam, em alguns pontos, uma tentativa mínima de reduzir a farra que tomou conta de Brasília. A população, em geral, não conhecem as medidas, mas apoiam a sensação geral de luta contra a corrupção e a impunidade. Há um núcleo positivo nisso. Mas há controvérsias sobre o projeto, como os questionamentos feitos pela Defensoria Pública do RJ, e ele certamente tem fragilidades e pontos que deveriam ser revistos após cuidadoso e amplo debate.
Algumas das medidas, por exemplo, apontam para a aceitação de provas ilegais, para o teste aleatório de honestidade, para a supressão de habeas corpus e a ampliação de possibilidades de prisão preventiva. Tais medidas restringem o direito de defesa, bem como apontam para o aumento das penas, que podem ser estendidas para além dos casos de corrupção e tornar ainda pior o absurdo sistema penal brasileiro, que encarcera em massa sobretudo a juventude pobre e desempregada. Há também outros dispositivos problemáticos propostos, como o teste de integridade, que poderia voltar-se contra empregados em diferentes empresas e caracterizar flagrante forjado a justificar demissões. Esses pontos deveriam ser rejeitados categoricamente. O PT e PP se valem desses argumentos, na maior cara de pau (dado que o PT manteve a ordem burguesa, repressora, no último período, e o PP é o mais legítimo herdeiro da Ditadura Militar).
Outros pontos, no entanto, poderiam facilitar a investigação e a punição de políticos e empresários envolvidos em corrupção. Dentre eles, destacam-se a criminalização do Caixa 2, a possibilidade de recuperar o lucro advindo do desvio de dinheiro público, o aumento da celeridade nas ações de improbidade administrativa e a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos. Tais pontos deveriam ser criticamente apoiados pela esquerda e submetidos a amplo debate na sociedade para dificultar a vida dos que assaltam os cofres públicos, ao mesmo tempo em que os pontos duvidosos dessas medidas devem ser negados, sem cair no diversionismo do PT e PP.
No entanto, os deputados, em vez de permitirem tal discussão, aproveitaram o projeto para adulterá-lo e criar uma lei que os blinda de serem investigados e punidos por seus crimes, bem como permite maior perseguição aos membros do MPF.
A rigor, sabemos que não há nação capitalista em que a corrupção e o desvio de dinheiro público não estejam no cerne do funcionamento da economia. Mesmo as dez medidas, ainda que revistas e aprovadas, não passariam de paliativos no combate à corrupção.
Isso porque, como demonstra Marx em O Capital, o roubo dos bens comunais, pertencentes ao Estado e de usufruto comum da sociedade, está na gênese da propriedade privada, é uma poderosa ferramenta que acelerou o desenvolvimento do modo de produção capitalista. Esse processo se iniciou na Inglaterra, com o cercamento das terras comuns e sua destinação, como presente, a alguns poucos amigos do Estado, que são os antepassados dos modernos megaempresários e capitalistas. Continua, nos dias de hoje, em cada contrato de obras públicas. E se desdobra em artimanhas legais de transferência de dinheiro do Estado para empresas, como os empréstimos do BNDES, que bancam, com o suor do trabalhador, o investimento que resultará em lucro de grandes empreiteiras, por exemplo. Além disso, a grande maioria das verbas que correm no Estado são maisvalia roubada cotidianamente da classe operária. Ou seja: a essência do Estado é a corrupção. Não é possível acabar com a corrupção sem acabar com o Estado capitalista. É preciso saber dizer isso às massas.
O atual momento da política nacional choca os trabalhadores. Junto a isso, o IBGE anunciou na semana passada que a renda média do brasileiro caiu 5,4% em 2015 e que o desemprego cresceu vertiginosamente, atingindo mais de 10 milhões de brasileiros – o que sequer considera aqueles que já desistiram de procurar emprego, que engrossam ainda mais as fileiras dos sem-trabalho. A maior perda de contingente ocorreu na indústria, que demitiu mais de um milhão de trabalhadores em 2015.
Neste cenário, aos que precisam trabalhar para viver não resta perspectiva nem confiança de que Temer e o Congresso Nacional vão resolver nossos problemas. Os trabalhadores, que já saíram às ruas para derrubar a odiada Dilma, veem agora como esses pilantras também não vão resolver os problemas do país.
O trabalhador quer apenas garantir seu pedaço de pão, quer apenas ter emprego e salário digno para alimentar os seus. Enquanto políticos e empresários fazem farra com o nosso suor, cortam nossos direitos e absolvem a si mesmos pelos seus roubos, a população trabalhadora vê um futuro sombrio.
Por isso, é hora de construir a unidade da população trabalhadora brasileira para a luta. Estavam certos os que foram protestar em Brasília contra a PEC, mas parte deles estava errada de ver com maus olhos a unidade com aqueles que estão horrorizados com a corrupção.
Neste momento, é preciso unir os trabalhadores do país para lutar contra a destruição de nossos direitos, em defesa de nossos empregos e salários, e contra a corrupção que nos assola. Por isso, vemos também com bons olhos a convocação de um ato para o dia 4 de dezembro, contra a corrupção, a despeito de serem grupos pequeno-burgueses de direita que o chamam. Pensamos que o papel da esquerda agora, sobretudo dos revolucionários, é comparecer a este ato para dialogar com aqueles que estão indignados com a corrupção, em vez de deixar que apenas a direita dialogue com eles. Precisamos demonstrar, na luta, como os políticos e empresários que nos roubam são os mesmos que ameaçam nossos empregos, salários e direitos.
Ainda faltam duas semanas para a votação da PEC em segundo turno no Senado, e o pacote pró-corrupção também tem de ser apreciado por esta casa. É a hora de irmos para a rua contra as duas medidas, cercar o Congresso e Temer, ameaçar este frágil governo. Temos diante de nós, esquerda, uma oportunidade única de dialogar com o sentimento da população, que está enojada com os políticos. Não podemos desperdiçá-la.
Vivemos tempos duros, de combate. É preciso não fugir da nossa responsabilidade. Vamos tomar as ruas e fazer estremecer as bases deste frágil e impopular governo que ataca os trabalhadores. Neste processo de luta, a população vai ver quem é quem. Falatório não convence ninguém, só a política, a ação.
É hora da luta!
Defender nossos salários, empregos e direitos!
Derrubar a corja que se instalou em Brasília!