Transição Socialista

Burocratas de “esquerda” enterram atos contra Bolsonaro

Burocracia sindical e partidária de “esquerda” se unificou para impedir que manifestações saíssem do controle, avançassem das ruas para os locais de trabalho, e, assim, atrapalhassem o próximo ano eleitoral. Ela quer tranquilidade, e, sobretudo, quer Bolsonaro como antagonista de Lula no segundo turno do próximo ano.

O sábado 20/11 demarcou simbolicamente o enterro dos grandes atos contra Bolsonaro (iniciados em junho de 2021). O último ato estava marcado para o dia 15/11, mas a burocracia de “esquerda” – que se apoderou do descontentamento social contra Bolsonaro – desmobilizou completamente o dia 15, cancelando-o sem qualquer explicação. O movimento social, já enfraquecido, ficou totalmente confuso. Para não pegar mal, mas sem ninguém saber direito do fato, a burocracia de “esquerda” colocou o dia 20 de novembro como substituto do 15. Assim ela manteve algo simbólico e a postura de combate (e, claro, fez mais campanha por Lula). No dia 20/11, dia da consciência negra, como infelizmente ocorre com frequência, a pauta do movimento negro foi usada para encobrir uma manobra burocrática.

O dia 20/11 demarcou simbolicamente o enterro das manifestações porque agora – para a burocracia de “esquerda” – acabou completamente o ano de 2021. Dado que a revolta contra Bolsonaro foi restringida a manifestações de calendário, a ocorrer a cada dois meses ou mais, qualquer ato só será apontado para 2022. Todavia, 2022 é ano de eleições, portanto afastará ainda mais qualquer movimentação sem claro propósito eleitoral. Nesse sentido, uma vez mais PT e seus satélites (CUT, MTST, PCdoB, PSOL etc.) mostraram que são uma ferramenta formidável para a burguesia. Afinal, quem mais controlaria o movimento de massas e não o deixaria escapar do horizonte eleitoral-burguês? A “direita”, nem de longe, é capaz de algo tão satisfatório.

Temos de fazer uma autocrítica pública: subestimamos a capacidade de o PT e seus satélites controlarem este movimento de massas; achamos realmente que Bolsonaro poderia cair, por volta de julho de 2021, quando houve a confluência entre a prevaricação de Bolsonaro no escândalo da Covaxin – o lucro corrupto de um dólar sobre cada morto nacional –, e a ofensiva combinada na CPI e nas ruas. Realmente, achamos que a partir dali as coisas poderiam sair do controle; a instabilidade cresceria e minaria completamente a manutenção do presidente (veja nosso texto aqui). Erramos.

Erramos, talvez, por realizar analogia com a situação de Dilma, que em determinado momento entrou num movimento inexorável de perda de apoio político. Todavia, Bolsonaro teve a seu favor o que Dilma não tinha: o próprio PT à frente dos movimentos oposicionistas de massas. O PT e seus satélites seguraram toda movimentação, fragmentaram-na, espaçaram-na, quebraram-na por dentro, para que o presidente não fosse derrubado. Não é segredo para ninguém que Lula quer Bolsonaro no segundo turno e vice-versa (e ambos temem uma “terceira via”, qualquer que seja).

Lula e o PT foram secundados, em tal tarefa inglória, por praticamente toda a “esquerda” brasileira. Lembremos que quando estourou o escândalo da Covaxin, na segunda quinzena de junho de 2021, as “frentes” burocráticas que organizavam os atos se contrapuseram a chamar imediatamente uma manifestação para dar vazão à enorme revolta social que queria e necessitava extravasar. Já havia um ato de calendário para depois de um mês, então para que – pensavam os burocratas – adiantar? Argumentou-se que era preciso “tempo” para organizar um protesto muito maior, quando na realidade dava-se tempo ao presidente (para sobreviver). Os partidos de “esquerda radical” (incluindo PSOL e PSTU, com uma pequena exceção de uma ou outra corrente do PSOL) ficaram afinal subordinados à frente burocrática, sem qualquer iniciativa própria. Tratamos disso aqui.

Após tais fatos, novo acontecimento deplorável. Bolsonaro deu uma demonstração de força no dia 7 de setembro – com atos não desprezíveis em algumas cidades – e a nossa “esquerda” se negou a dar uma resposta imediata. No final de semana imediatamente seguinte, 12/09, já havia uma manifestação contra Bolsonaro programada, mas a “esquerda” se negou a aderir porque eram atos “manchados” pela presença do MBL. Ficou assim claro que todo o discurso sobre “fascismo” era falso, mera politicagem eleitoral, pois não se via urgência em nada. Em vez de enxergar no ato do dia 12 a possibilidade de juntar mais pessoas – inclusive “bolsonaristas arrependidos” – para derrubar um presidente odiado, viu-se na data somente o risco de “fortalecer a terceira via”. Assim pensavam o PT e seus satélites: se o MBL ganhar algum protagonismo social no movimento contra Bolsonaro, fortalecerá um candidato que não seja Lula. O dia 12 comprovou, para além de qualquer dúvida, que todo o movimento contra Bolsonaro estava subordinado à pauta eleitoral de 2022. Novamente, PSOL, PCB e PSTU foram complacentes, úteis à politicagem do PT e de Bolsonaro, pois ali nada mais fizeram senão condenar todos os que queriam ir para a rua no dia 12, dar uma resposta forte e imediata ao 7 de setembro (veja nossa crítica aqui).

Após praticamente enterrado o movimento, o PSTU começou a se diferenciar, criticando a condução burocrática das manifestações pelo PT e afirmando que era preciso se unir “ao diabo e à avó do diabo” para derrubar Bolsonaro. De que adiantam tais palavras, após condenar publicamente o dia 12? Mudaram de linha? Não adianta chorar sobre o leite derramado, sobretudo se não fizerem autocrítica pública.

Mas também foram úteis ao PT os diversos “anarquistas” e “superradicais“ que se negaram a defender o impeachment do presidente porque seria uma “saída burguesa” (e, além disso, porque “impeachment” era palavra maculada, usada pela “direita” para dar um suposto “golpe” na Dilma). Toda vez que os superradicais da abstração atacavam o “impeachment”, Lula sorria.

Por fim, mas não menos importante, tudo isso uma vez mais dificultou que o movimento das ruas, superestrutural, ganhasse força e avançasse para locais de trabalho, dando base a paralisações nacionais (como ocorreram em 2017 e 2018). Motivos não faltavam e não faltam, dada a miséria que se alastra no país. Assim, a burocracia de “esquerda” fez todo o possível para esfriar as ruas e minar qualquer possibilidade de ação mais ampla do proletariado. Um movimento de gigantesca expressão social foi uma vez mais adestrado, desmobilizado e conduzido com relativa tranquilidade para dentro do ano eleitoral de 2022. Ao final desse novo ano, provavelmente toda a “esquerda” estará lá outra vez, como sempre, cantando – com mais ou menos vergonha – “Lula lá, brilha uma estrela…”.

A não ser, é claro, que os explorados, miseráveis e esfomeados deste país de crise crescente entrem em cena, rasgando o script. Tomara!