Transição Socialista

Caminho e limites da luta contra a privatização

O que pode nos ensinar a atual luta contra as privatizações? Qual a forma de organizar conjuntamente os trabalhadores das linhas privadas e das públicas? Como o Estado atual já serve a interesses privados? Estatização é o contrário de privatização?

Neste dia 03/10, os sindicatos dos empregados públicos do Metrô, da CPTM e da Sabesp paralisaram por um dia contra as privatizações em curso nessas estatais de SP. Trata-se, portanto, de uma importante mobilização de empregados públicos na indústria do transporte e da distribuição de água.

Nós da TS participamos da paralisação e dos atos, e saudamos a luta dessas categorias por suas condições de vida e trabalho. As privatizações e terceirizações em curso são resultado do aprofundamento das medidas dos próprios governos que visam o aumento da exploração dos trabalhadores, com rebaixamento de salários, aumento e intensificação da jornada, criando sempre condições de trabalho cada vez mais precárias e inseguras. Na medida em que tais indústrias se tornam rentáveis para capitalistas privados, o Estado precariza as condições de trabalho de seus funcionários efetivos e abre caminho para a terceirização e substituição deles por empregados privados em condições ainda piores, ainda dentro de uma empresa estatal.

Os metroviários, pressionados pelas licitações de terceirização marcadas para semana que vem, aderiram massivamente à greve (leia aqui “Querem fazer da nossa vida um inferno”, depoimento de trabalhador metroviário). Nas demais categorias, contudo, a mobilização parece não ter tido a mesma força. Os grevistas da USP marcharam do Butantã até uma das sedes da SABESP em Pinheiros e não encontraram nenhum trabalhador mobilizado, apenas alguns membros do sindicato.

Sobretudo nessa paralisação que articula categorias diferentes, uma ação em comum no dia seria muito proveitosa, podendo envolver também outras categorias e o apoio popular aos grevistas. Até a noite da véspera, contudo, não havia sido convocado um ato unificado, o que dispersou os lutadores e pode ter enfraquecido a mobilização.

OS LIMITES DA LUTA CONTRA AS PRIVATIZAÇÕES E A UNIDADE DA CLASSE TRABALHADORA

Mesmo que o processo tivesse concretizado toda a disposição de luta de suas categorias, consideramos que há também limites na própria pauta “contra a privatização” levantada pelos sindicatos.

Primeiro, embora seja uma luta defensiva importante dos empregados públicos neste contexto, muitas linhas e setores dessas empresas já foram privatizados ou terceirizados, e esses operários privados ficaram excluídos do processo de mobilização “contra a privatização”. Entendemos que a resistência às privatizações deva ser parte de uma luta geral pelos empregos e salários de todos os trabalhadores do transporte e da distribuição de água, efetivos e terceirizados, empregados públicos e privados. O eixo da campanha em curso poderia ser, por exemplo, FIM DAS LICITAÇÕES! IGUALDADE DE SALÁRIOS E DIREITOS ENTRE EMPREGADOS PÚBLICOS E PRIVADOS, buscando aproximar os operários das concessionárias e terceirizadas que vêm sendo triturados por péssimas condições de vida e trabalho. Uma luta unificada de todos os empregados desses serviços por empregos e salários também encontra identidade na recente greve nos canteiros de obra da linha 6 laranja, pelos operários da empresa Acciona.

Tais reivindicações unitárias destruiriam ainda mais a retórica do governo de que linha privatizada não faz greve. Além de dialogar com os usuários das linhas privatizadas que passam iguais perrengues diários com o serviço prestado, o movimento precisa tomar pra si unificar-se com quem trabalha em tais linhas.

Barrar a tendência geral de privatizações em curso seria uma tarefa hercúlea e sem fim, necessitaria inevitavelmente da unidade de todas as fileiras das categorias. Por outro lado, uma luta comum necessária, pelos mesmos direitos e salários, teria maior potencial unificador para um movimento geral que pudesse, por exemplo, impor nas convenções coletivas os mesmos salários e direitos para a mesma categoria, independente se público ou privado. Em torno desse eixo, o fantasma das privatizações para os empregados públicos simplesmente deixaria de existir.

Na medida em que a exploração desses serviços estatais por empresas capitalistas passa a ser lucrativa, aumenta a exploração dos empregados públicos, até a privatização e enfim sua substituição pela exploração propriamente capitalista do operariado, sem a mediação dos recursos do Estado. Nesse processo, trabalho estatal improdutivo é substituído pela relação nua e crua entre capital e trabalho produtivos, de onde se extrai mais-valor.  Uma resistência unificada por empregos e salários atingiria o cerne do problema: a lucratividade das empresas, que é o que dá base para as privatizações. Em suma, as privatizações são um fenômeno secundário diante da tendência geral de aumento da exploração dos trabalhadores, que pode e deve ser combatida em unidade e não separadamente.

A rigor, a exploração desses serviços pelo Estado passa a ser lucrativa; o Estado explora mesmo que não crie mais-valor, e o Estado em conjunto com empresas capitalistas (em empresas mistas, parcerias, etc) efetivamente passa a auxiliar na criação de mais-valor.

O problema é que, diante dessa relação umbilical, o interesse da maior parte das direções sindicais não é exatamente defender as condições de vida dos trabalhadores, mas sim manter sua burocracia sindical dependente de verbas estatais, vender panaceias de boa-gestão do Estado burguês, e pedir votos a seus partidos dependentes da ordem burguesa. Esse oportunismo eleitoral é facilitado ao associar-se a resistência contra as privatizações com a defesa abstrata do caráter “público” desses serviços, o problema todo passa a ser de gestão mais ou menos privatista pelo Estado. A luta contra as privatizações sob essas direções tende a se converter lamentavelmente na defesa do próprio Estado capitalista.

O ESTATISMO DA ESQUERDA

O caráter público do Estado capitalista nada mais é do que a gestão dos interesses em comum da classe capitalista. Para tudo aquilo que é necessário para a reprodução do capital, mas que não pode ser assumido por nenhum capital privado sozinho, a burguesia se associa enquanto Estado para empreender tais necessidades. O transporte, a distribuição da água, a saúde, a educação e etc, são fundamentais para a reprodução do capital e da própria mercadoria força de trabalho a ser explorada.

A maioria da esquerda advoga pelo caráter estatal das empresas, como se isso fosse melhor para o atendimento da população ou transitório para uma sociedade socialista. A verdade é que a burguesia sempre vai buscar tirar da classe trabalhadora, por uma via ou por outra, sendo esses serviços “públicos” ou privados; e em nada o Estado burguês representa um estágio intermediário entre a propriedade capitalista e a socialização efetiva dos meios de produção sob controle dos trabalhadores.

Quando estatais, esses serviços são garantidos com recursos advindos da exploração da classe operária em setores produtivos para o capital, de fora do Estado. O custeio de tais serviços, advém da exploração capitalista da classe operária. É o trabalho excedente nos setores produtivos privados que paga os serviços ditos “públicos”. Mesmo quando gratuitos, esses serviços são pagos pela exploração da classe operária. Eis a universidade pública, acossada constantemente por interesses privados, como modelo exemplar desse tipo de financiamento às custas do suor da classe trabalhadora.

É preciso que se repita: na medida em que se tornam rentáveis, esses serviços são privatizados e eventualmente deixam de ser gratuitos, mas pela lei do valor isso terá que se expressar enquanto encarecimento da própria força de trabalho pressionando pelo aumento geral dos salários reais. No sentido contrário, quanto mais o Estado  assume essas necessidades para a reprodução da força de trabalho, maior o seu barateamento e o rebaixamento dos salários reais. Estatal ou privada, gratuita ou paga, a conta sempre recai sobre os explorados.

Mais uma vez, do ponto de vista da resistência dos trabalhadores importa antes o grau de exploração das categorias, do que se tal ou qual serviço é estatal ou privado para o consumo da população. A luta imediata contra as privatizações só pode avançar, portanto, enquanto luta dos empregados públicos pela manutenção de seus salários, empregos e condições de trabalho, buscando unidade com o conjunto da classe trabalhadora por essas pautas gerais. Enquanto defesa do “caráter público e estatal de serviços”, ou de “garantia de direitos” para a população em abstrato, a luta contra as privatizações desembocará necessariamente em uma luta restrita e corporativa do funcionalismo, ou pior já que tendem a fracassar, apenas como propaganda oportunista para as próximas eleições.