Os grampos do telefone pessoal de Lula, divulgados nesta quarta-feira, dia 16/03, revelam que esse senhor não tem apreço algum pela democracia burguesa. Lula não é um democrata-burguês; atacou praticamente todas as instituições democráticas da burguesia: o STF, a Câmara, o Senado, a Procuradoria-Geral da República, o novo Ministro da Justiça, etc. Todos são “frouxos”, “acuados”, com medo da “República de Curitiba”. Para Lula seria preciso um homem de coragem — ele próprio — para enfrentar o descalabro.
A tendência autoritária está no gene político do grupo fiel a Lula. Desde 1980, foram controlando todos os espaços institucionais, a começar pelos sindicatos, onde quebraram as oposições de esquerda. Cedo fizeram o mesmo no PT. Em seguida ganharam prefeituras, capitais, governos estaduais e, coroando o processo, o governo central, sempre com a mesma forma mafiosa de agir. Na verdade, o motor da ampliação da hegemonia do PT é a luta de classes: foi sempre contra a classe trabalhadora — para segurá-la, freá-la e contê-la — que Lula e o PT avançaram sobre todos os espaços.
Mas isso tudo não bastou. A luta de classes não parou, apesar de Lula e do PT, e seu calor atingiu o grau-limite suportável pelo regime democrático-burguês.
A democracia burguesa é o espaço comum das diferentes frações da burguesia; é o regime onde os diferentes grupos burgueses convivem em relativa igualdade, apesar das suas diferenças de tamanho. Hoje, todavia, diante do aumento da revolta dos trabalhadores (com a crise econômica), este regime democrático cria instabilidade demais e atrapalha a ação burguesa na luta de classes. A briga entre as frações burguesas ameaça levar todas elas para o buraco juntas diante da iminente revolta popular. O repúdio não é só a Lula e ao PT, mas também a Aécio, Alckmin, etc. As massas estão nas ruas, de forma relativamente espontânea (sem identificarem-se totalmente com as “direções” que chamam os atos). As massas começam a mostrar-se dispostas a darem as caras nas ruas com mais frequência do que a burguesia gostaria. Greves e ocupações começam a surgir. Conflitos de rua se iniciam. Grupos enfrentam a polícia em frente ao Palácio do Planalto…
Nessas horas acende o alarme da grande burguesia: “antes um fim com terror do que um terror sem fim”. É melhor, pensa ela, parar a briga entre seus setores do que correr o risco de perder o controle de tudo. Como parar a briga burguesa? Ora, é simples: basta o setor maior submeter o menor. O maior setor da burguesia cala o menor. Mas no mesmo processo sucumbe a democracia burguesa e o regime transita para outro, mais autoritário, bonapartista ou fascista.
Para a burguesia, Lula e seu partido são os mais capacitados para realizar a transição de regime, pois possuem maior base de controle do sistema político-burguês e, sobretudo, uma maior máquina de controle social da classe trabalhadora. A decisão pela entrada de Lula como ministro neste dia 16/03 não pode ser vista, portanto, como mero resultado de um jogo do PT para manter-se no poder, nem como artimanha de Lula para fugir da condenação. Isso tudo existe, é claro, mas é apenas a superfície de processos históricos e objetivos, mais profundos, derivados das lutas de classes, que ergueram o PT, o colocaram historicamente como protagonista no controle dos trabalhadores, e agora exigem que cumpra essa tarefa até o fim. Lula, serviçal da burguesia, nunca fugiu à sua responsabilidade. Ele terá de quebrar a oposição minoritária burguesa e suspender a democracia, para poder manter o controle sobre a classe trabalhadora.
A primeira derrota do setor burguês opositor, e talvez uma das mais graves, foi a própria nomeação de Lula como ministro da Casa Civil. Ficou evidente que Moro deu sua última forte cartada neste 16/03, pouco antes de passar a investigação sobre Lula para o STF. O foco da Lava-Jato era Lula. O tom da declaração de Moro nesta quarta, falando de governantes e governados, é eminentemente político. Toda atuação jurídica é, no fundo, política, mas tal verdade só se revela nos momentos decisivos. Moro chegou praticamente ao fim de sua ação sem conseguir prender Lula.
Em outro revés para a oposição, o STF manteve, na mesma quarta-feira, o rito do impeachment, favorecendo o governo. Com o rito, a representatividade da Câmara, de mais de 500 deputados, baixou para cerca de 30. São eles, os líderes partidários, que definirão a comissão do impeachment. Ao que parece, a única possibilidade de avanço na via parlamentar está na pressão da massas sobre o Congresso, principalmente sobre a Câmara dos Deputados. Do contrário, se iniciará o processo de estabilidade do governo e de assunção do poder por Lula. Aos poucos ele eclipsará Dilma, reorganizará a base política do governo e iniciará a aprovação de leis que quebrarão a democracia burguesa ao meio. Lula não aceitará, nem pode aceitar, estando no poder, grande liberdade de ação aos setores burgueses que, até ontem, o caçavam e tentavam prender. É uma questão de vida ou morte para ele limpar as oposições em todas as instituições.
Assim, a função histórica de Lula agora é unificar os setores burgueses (nem que seja pela força) para conseguir aumentar o grau de violência da burguesia, enquanto classe, contra a classe trabalhadora. Os grupos petistas tomam a frente e já começam a se tornar grupos de combate contra a população revoltada. Hoje em grande medida é a pequena-burguesia que entra em conflito contra militantes petistas, mas a classe operária não tem menos motivos para odiar este governo. Pelo contrário: enquanto as condições de vida da pequena-burguesia mudaram de forma relativamente superficial, o grau de exploração da classe operária cresceu substancialmente, pressionada pela crise e as demissões. O conflito entre a classe operária e os bandos petistas, de tipo gangsterista, é questão de tempo. Talvez menos tempo do que se imagine.
A guinada “à esquerda” de Lula é parte central de seu projeto autoritário. Tal guinada nunca significará, como nunca significou no projeto hegemônico do PT, o fim da exploração da classe trabalhadora. Ela será apenas a ampliação de medidas para comprar materialmente uma base miserável de apoio. Já vimos isso antes: tendo sobrevivido ao mensalão, Lula e o PT rearticularam-se, apoiando-se cada vez mais na base miserável comprada. Agora, novamente, aprofundarão essa linha, com ampliação de programas que visam a manter o controle político e comprar tropas de choque para seu projeto autoritário. Na verdade é só uma instrumentalização da massa miserável para o grande capital, visando a combater e deixar paralisada a classe operária fabril. É o esquema clássico do bonapartismo, analisado com maestria por Marx em O 18 de Brumário de Luis Bonaparte. Outro nome para isso é proto-fascismo. O bonapartismo, ensina Trotsky, é uma forma autoritária que transita para o fascismo.
O projeto de Lula, contido em 1980, em sua política de controle da classe trabalhadora, começa a efetivar-se hoje. Trata-se de um projeto autoritário, com características que apontam para o fascismo, para combater a classe operária. Que fazer para impedir isso? Antes de tudo, as organizações da classe trabalhadora precisam colocar de forma clara e aberta o seguinte: é preciso impedir Lula e o PT de realizarem esse projeto autoritário. Para barrar Lula e o PT, a esquerda não pode ter medo de sujar as mãos. É preciso saber fazer acordo com os setores pequeno-burgueses descontentes que hoje mobilizam importante parcela da população. É preciso saber aliar-se, ir às ruas conjuntamente, para paralisar, cercar e prender o bonaparte Lula. Há de se combater o fascismo entre esses setores pequeno-burgueses, mas sem ignorar que o maior risco de fascismo hoje vem do caminho de Lula. Para a esquerda e para as organizações da classe trabalhadora, aliar-se a esses setores pequeno-burgueses é hoje uma questão de vida ou morte.