Muito se alardeou na semana anterior sobre a “elevação” do PIB brasileiro. Temer e Meirelles não perderam tempo e vieram a público para criar clima de grande festa em toda a nação. Na verdade, a “elevação” não passa de factoide, com vistas à salvação do primeiro da prisão e à candidatura do segundo.
Um por cento de crescimento, eis o magnífico elemento. Um por cento, que nos valeu o último lugar no rating da obscura agência econômica Austin, entre outros 45 países… E um por centro sobre o que? Se pegarmos os gráficos da grande mídia, a queda ou a subida do PIB sempre se dá em relação à linha do horizonte que marca zero. Assim, uma queda de 3,5% em 2015, lado a lado a uma queda de mais 3,5% em 2016, magicamente não aparece como uma queda de 7% na riqueza capitalista. Ambas aparecem no mesmo patamar — 3.5% a menos diante da linha nula do horizonte. Por si só, já temos aí uma deformação.
Trata-se de um aumento de um por cento ante a maior queda na economia brasileira desde o grande crash internacional das bolsas capitalistas em 1929. Um por cento de elevação ante 8,5% de queda amargado desde meados de 2014. Não se trata de crescimento, mas de des-destruição. Voltamos ao patamar de 2011. Ainda estamos sete anos no passado, graças aos capitalistas e seus serviçais do tipo Lula, Dilma, Temer e os tucanos.
O ministro do planejamento falou de um “novo ciclo de crescimento”, mas se olharmos os dados, constatamos que nada indica isso seriamente. Basta olhar a variação de todos os setores da economia nos quatro trimestres de 2017 para se perceber que a alta advém de um misto de artificialidade e sorte:
Sorte porque as safras foram recordes, maior resultado desde 1996, graças à mãe natureza, e o agronegócio cresceu 13% em 2017 (o crescimento seria de quase 0,3% sem o agronegócio, ou seja, nada). Blairo Maggi, ministro da agricultura e megaempresário moto-serra, foi o único honesto: disse que o crescimento do PIB deveu-se unicamente à “vocação” natural do Brasil.
Artificialidade porque parte do aumento do consumo da economia foi pontual e centrado nos dois primeiros trimestres, devido a facilidades dadas pelo governo, como a liberação do FGTS.
Por isso, se olharmos a variação dos quatro trimestres de 2017, temos:
1o Trim.: 1,3% de aumento;
2o Trim.: 0,6% de aumento;
3o Trim.: 0,2% de aumento;
4o Trim.: 0,1% de aumento.
Nem o último trimestre do ano, que tradicionalmente dá uma movimentada na economia, ajudou. E se olharmos os trimestres pelos setores da economia, de forma destrinchada, esse horizonte geral só se confirma. Nada permite falar já em crescimento sustentado. Apresenta-se a corrente de comércio como um dos elementos chaves, mas essa farsa já foi repetida nos anos anteriores e já não engana mais ninguém. De que adianta comemorar o nunca antes visto (só no ano passado e no anterior) superávit comercial, se ele se dá com base numa queda geral tanto das importações quanto das exportações?
A burguesia, apesar de suas limitações de classe, não é absolutamente burra. Com seu espírito pragmático, ela sabe que não pode levar a sério as fanfarronices de Temer e os trapalhões, senão seria o desastre completo de seu modo de produção. É por isso que não há retomada dos investimentos industriais. A taxa de investimento em relação ao PIB fechou o ano em queda, chegando no menor patamar desde 1996. Tombou de 10,3% em 2016 para 1,8% em 2017. Trata-se do menor investimento da história. Trata-se do quarto ano seguido de queda nos investimentos, mas neste ano ainda maior do que nos anteriores. A Formação Bruta de Capital Fixo — a parte mais pesada e significativa do que Marx chamava de capital constante, ou seja, instalações, grandes máquinas etc. — caiu 1,8% puxada para baixo pela construção civil (em -5%). Desde 2013, a queda geral de FBCF é de 30%. Vale notar que Construção Civil, enquanto capital fixo, não é o prédio que o sujeito comum vê crescer em seu bairro. Construção Civil desse ponto de vista é algo muito mais importante: são grandes obras de estruturação dos eixos do sistema capitalista em nosso país — obras viárias, elétricas, hidrelétricas, portuárias etc.
Não haverá investimento enquanto não houver aumento decisivo na utilização da capacidade instalada. O investimento se dá depois disso. Nesse sentido, os resultados são ainda muito lentos para a burguesia: o aumento da capacidade instalada foi de apenas 0,9%, atingindo o patamar de 75,6%. Apesar do aumento (que trouxe a utilização ao nível de 2015), o componente ainda está 6% abaixo da média histórica dos 10 anos anteriores ao estouro da recessão em 2014/15 (quando era de 82,3%, segundo dados da FGV).
Isso é chave pois indica que ainda não há patamares favoráveis, para o capital, para absorver mão de obra da classe trabalhadora. O capital ainda a absorve devagar; quer fazer sangrar mais. Ainda não houve tempo de implementar todas as modificações — e de forma generalizada — que a reforma trabalhista possibilita. A dominação burguesa está muito instável para realizar isso de forma rápida. Apesar disso, a burguesia aposta nos mais fortes mecanismos de sujeição da classe trabalhadora, os mecanismos “naturais”: a miséria e a concorrência entre os próprios trabalhadores. Estes que fiquem, pensa a burguesia, à mercê, largados pela rua. O exército de desempregados que se forme e que se reforce dia a dia, até essa maldita raça proletária entrar nos eixos e aceitar submeter-se a condições absurdas.
E em parte é isso que se passa, seriamente. O desemprego aumentou e as condições de trabalho pioraram. A taxa média de desemprego subiu no último ano para 12,7%, atingindo o maior patamar da série histórica de pesquisa (iniciada em 2012). O chamado desemprego “oculto” aumentou levemente. Os “bicos” se generalizam. A carteira assinada caiu um ano. Não são criados postos de trabalho de qualidade — ou seja, na indústria.
Na verdade, o desemprego só não cresceu mais pois, desde os anos de governo do PT, a burguesia adotou seriamente como método de análise diluir qualquer método de análise séria. O PT fez o bolo sobre o qual Temer colocou a cereja. As variáveis para uma real medição da ocupação do setor produtivo nacional foram pouco a pouco diluídas — em nome da mágica com números e enganação da nação. A tal grau que já não é mais possível compreender direito — sem grande esforço — o tamanho do exército de miseráveis que infelizmente ronda este país em farrapos, como fantasmas. Quantas populações de países inteiros da Europa não cabem apenas no número de nossos moradores de rua?
Seja como for, a burguesia brasileira — se é que se pode falar mesmo de uma — tateia bastante temerosa, pé ante pé, dedo ante dedo, no escuro. O que ela teme? O abismo. Aquela coisa terrível que ela não controla e à qual é submetida, chamada mercado capitalista mundial. Enquanto Temer e Meirelles aprontam das suas na TV, qualquer analista sério de mercado está de olho no computador, vendo notícias sobre a possível mínima — minúscula — modificação na taxa de juros do FED, o banco central dos EUA. Nos dias em que vivemos, um mínimo “erro” nesse elemento parece poder mandar o sistema pelos ares.
Por que? Porque não apenas a economia brasileira está totalmente parada ou morta há anos, como comprova a “elevação” do PIB, mas praticamente todas as grandes economias mundiais. Japão, Inglaterra, França, Espanha, Itália parecem seres mortos-vivos à espera de que sejam enterrados. Há, é verdade, crescimento da economia alemã, graças à absorção de mão de obra barata — vinda dos confins maltratados da Europa e dos países destruídos gratuitamente pela OTAN — em suas indústrias. E há, sobretudo, a economia dos EUA. É ainda quem mantém a economia mundial se auto-enganando sobre ir para algum lugar. Mas qualquer singelo soluço nessa economia provoca desabamentos “pequenos” como aqueles do final de janeiro deste ano — as maiores quedas diárias em toda a história da bolsa de valores. E isso referente aos índices de mais alta composição industrial — sobretudo S&P 500 e Dow Jones.
Se o FED aumenta de forma mais séria os juros, o impacto será direto e decisivo sobre a economia dos EUA, que diminuirá seu consumo, abrirá uma movimentação de capitais que possivelmente fará estourar uma crise econômica planetária. Mas se o FED não aumentar a taxa de juros, realizará um estouro inflacionário (já em gestação). Tal é a espada de Dâmocles que pende sobre a cabeça da burguesia. Estamos nos últimos capítulos de um ciclo de crescimento econômico burguês pujante, mas que abre diante de todos um abismo não menos impressionante.
Aliás, como muitas vezes ensinam estudiosos — como o professor José Martins do site Crítica da Economia —, o relógio do ciclo não falha. Lá se vão dez anos desde o estouro da crise do “subprime” em 2007 para 2008. Claro, nada se dá numa regularidade absoluta, mas o fio tão fino e a ponto de estourar que segura a espada de Dâmocles acima da cabeça da burguesia parece indicar que essa previsão está correta. O relógio decenal do ciclo não é invenção recente — além de importantes economistas políticos da burguesia, é analisado por Marx em O Capital (Livro II, Seção II, Cap. XI), especificamente enquanto tempo de rotação do capital fixo. Se Marx estava certo, estamos diante de um abismo possivelmente maior do que o de 2017. A paralisia da economia brasileira, apenas à espera do desastre (bem como a de outras importantes economias mundiais), parece indicar que o choque será grave.
Quais as chances abertas aí? Não menor será a oportunidade histórica para a classe trabalhadora, de agir decisivamente na esteira da crise. Na verdade, é a burguesia que está diante do abismo. A classe trabalhadora tem a seu favor as contradições imanentemente produzidas pelo sistema. Falta-lhe apenas a organização revolucionária, o partido. A crise da humanidade é a crise da direção revolucionária. O próximo período será não apenas explosivo economicamente, mas de importantes processos de luta e reorganização dos socialistas em todo o planeta. A crise, ensinava Marx, há de enfiar a dialética até mesmo no cérebro dos mais afortunados parasitas.