É hora de ir às ruas! O “Fora Bolsonaro” é a palavra de ordem que deve ser erguida, junto com a defesa de empregos e salários. Isso pode trazer amplos setores às ruas, e não a defesa abstrata da “democracia”. A burguesia brasileira sabe que sua democracia não está em risco pelo pateta Bolsonaro, mas sim porque algo similar ao que se passa nos EUA pode se generalizar por aqui. Não é função dos revolucionários salvar a democracia burguesa do “risco” proletário!
O acordão democrático-burguês
Está sendo costurado um grande acordo burguês nacional que vai de FHC a partidos ditos de extrema esquerda. Veja-se os “manifestos” dos “Somos 70%” e dos “Estamos juntos”, que ostentam assinaturas de burgueses como Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Haddad (PT), Michel Temer (PMDB), Flávio Dino (governador do PCdoB), Luciano Huck, Paulo Coelho, Caetano Veloso, Antônio Fagundes, Lobão etc. No manifesto do “Estamos Juntos” fica claro o caráter burguês da iniciativa. O grupo se apresenta como:
“uma reunião de cidadãs, cidadãos, empresas, organizações e instituições brasileiras que fazem parte da maioria que defende a vida, a liberdade e a democracia. Esquerda, centro e direita unidos para defender a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia.”
Alguém poderia questionar: mas não seria tal iniciativa correta e necessária hoje, dado que estaríamos diante de um risco de “golpe” ou de uma ameaça “fascista” de Bolsonaro?
Cremos que não. “Fascismo”, hoje, é o espantalho erguido por burgueses para manobrar o povo trabalhador em defesa da corroída e corrupta democracia burguesa. Como já explicamos algumas vezes, não há qualquer risco de fascismo de verdade no Brasil de hoje. Fascismo é um regime político que depende da mobilização da pequena-burguesia de forma massiva, permanente e organizada em partido. Entretanto, a classe pequeno-burguesa é numericamente pouco relevante em nosso país para impor um regime próprio. Os fascistas italianos marcharam com mais de 40 mil sobre Roma, em outubro de 1922, para tomar o poder. Era uma reposta à fortíssima ascensão operária do chamado Biennio Rosso, com onda de ocupações de fábricas. Dado que a população brasileira é muito maior do que a italiana da década de 1920, muito mais do que 40 mil fascistas bem organizados seriam necessários para tomar o poder e constituir um regime propriamente fascista. Mas o que temos por aqui? O “300” de uma tal de Sara Winter (que, aliás, pode ser presa nos próximos dias) não são nem 30 pessoas!
Trotsky falava que o perigo do fascismo devia ser aferido com base em seu crescimento numérico. Ora, desde 2015, quando saíram às ruas pela primeira vez, que se passou com os grupos fascistoides? Eles diminuíram. A eleição de Bolsonaro foi resultado do ódio ao PT, não da conversão de 57 milhões ao “fascismo”. É só ir numa manifestação domingueira por Bolsonaro e ver quantos ali – excluindo os senis – são realmente fascistas: o número é até menor do que havia em algumas manifestações contra Dilma em 2015 e 2016! Se é evidente que tais setores têm de ser expulsos das ruas, é mais evidente ainda que isso não precisa ser feito alardeando aos quatro ventos um risco de “fascismo iminente”, ostentando “antifa” nas redes sociais. A essencialização do fascismo inexistente só serve para dar base ao acordão burguês.
Mas, se não é fascismo, seria então “golpe”? Alguém acha mesmo que Bolsonaro consegue dar um “golpe” militar com a maioria da população contra, já puta contra ele, com toda a grande mídia burguesa contra, com setores empresariais de peso contra, com as Forças Armadas mais do que divididas? Na verdade, o único que realmente teme “golpe” hoje – e já acusa os demais de tentar fazê-lo – é o próprio Bolsonaro, copiando o discurso da Dilma em 2015. Os altos mandos militares, como anunciamos que ocorreria desde 2018, só estão se desmoralizando (e têm mais é que se desmoralizar mesmo!).
STF e políticos burgueses deitam e rolam sobre os bolsonaristas
Bolsonaro, impotente, está realizando o incrível feito de unificar os 11 ministros do STF contra ele. Além disso, está regenerando a imagem de juízes e políticos corruptos até ontem desmoralizados em seus esquemas de corrupção (como Rodrigo Maia, parte do PT e MDB, Gilmar Mendes etc.). Basta ver com que desenvoltura agora aparecem no Jornal Nacional! Verdadeiros heróis da democracia!
O STF, sem qualquer receio de golpe ou fascismo, deita e rola sobre os patetas bolsonaristas; age de forma fria e calculista, divertindo-se. Celso de Mello comparou o Brasil à República de Weimar, disse que o ovo da serpente está sendo chocado, comparou Bolsonaro a Hitler, ergueu o punho esquerdo e disse que fascistas não passarão. Só faltou colocar o logo “antifa” em sua imagem no STF! Já Alexandre de Moraes prepara ações vultuosas contra Carlos Bolsonaro, o 02, que pode até ser preso preventivamente nos próximos dias. O inquérito das Fake News pode levar à cassação rápida da chapa Bolsonaro-Mourão. Bolsonaro já se desespera!
A “defesa da democracia” contra os bolsonaristas é tão fácil que até Wilson Witzel – aquele que rasgou a placa da Marielle Franco nas eleições – fez uma declaração contra o fascismo: “Não abaixarei minha cabeça, não desistirei do Estado do Rio e continuarei trabalhando para uma democracia melhor, continuarei lutando contra esse fascismo que está se instalando no país, contra essa ditadura de perseguição”. Também ele deveria usar o logo “antifa”?
A viralização do símbolo “antifascista” e seu uso pela burguesia são a prova completa de que não há risco de fascismo no Brasil. Por não significar nada na atual conjuntura, tal imagem pode ser usada por todos, para dar um verniz de radicalidade à burguesia e encobrir o foco da luta hoje: a derrubada, na forma mais radical possível, do governo boçal de Bolsonaro.
A “esquerda” entra no acordão, pedindo “mais democracia”
O ato de domingo, 31/05, deu um importante sinal à maioria da população brasileira: é preciso ir às ruas. A maioria ouviu e entendeu porque já não suporta mais a situação asfixiante de demissões, diminuições salariais, risco com o vírus e – cereja do bolo mórbido – um presidente boçal que tira sarro disso tudo. Mas, para corresponder a esse gigantesco ódio popular, a “esquerda” pede… “Mais democracia”?!
Em que pese a importância de um setor da torcida da Gaviões da Fiel ter chamado e feito o ato de domingo (todo mérito!), é necessário apontar que as organizações populares, de esquerda, não devem reivindicar a abstrata “democracia” da burguesia, sob o risco de dificultar a luta contra Bolsonaro. Esta democracia, das últimas décadas, é a responsável pelo aumento da miséria e da exploração da maioria da população trabalhadora. Esta, se não tem absoluta consciência disso, ao menos intui. O grosso da população não vai se mobilizar por “mais democracia”, mas se mobilizará pra tirar o energúmeno do poder. Entretanto, se o foco for dado a essa coisa abstrata chamada “democracia” – que facilita o acordão burguês –, as chances de amplos setores não se identificarem com os atos aumenta. Na mesma medida, aumenta a chance de apoiadores de Bolsonaro ganharem terreno. Focar em algo abstrato como “democracia” pode colocar em risco o futuro do movimento pela derrubada do presidente!
A frente do ato do dia 31/05 não tinha a palavra de ordem “Fora, Bolsonaro” (mas sim “Democracia!”). O “Fora, Bolsonaro” não ficou claro em nenhum material de parte dos organizadores (embora, obviamente, a maioria ali fosse a favor). Isso talvez condiz com o jogo duplo que o PT – que tem enorme influência na Gaviões da Fiel, via Andrés Sanches – faz em relação à palavra de ordem de “Fora, Bolsonaro”. O PT não se decide, ora apoia e ora é contra, porque está sem candidato caso surja nova eleição na derrubada do presidente junto com o vice. Lula ainda é inelegível. Se Bolsonaro cair muito cedo, não dará tempo dele “limpar seu nome” com pressões nos tribunais superiores. Por isso ele prefere enrolar e é contra assinar o “manifesto” do FHC e do Huck.
A página de facebook do próximo ato, chamada de “Mais Democracia”, já ostenta o logo da “Frente Povo sem Medo”, de Guilherme Boulos (ou seja, do setor mais lulopetista do PSOL). E Marcelo Freixo – aquele que defendeu a implantação das UPPs no morros cariocas, para aumentar a violência sobre a miséria – declara que “quem for antifascista, hoje, é meu irmão e minha irmã”. Assim, o PSOL também se encaminha pro campo do acordão “democrático”. Para alguns, é mais um momento de ostentar radicalidade tendo em vista as próximas eleições.
“Liberdades democráticas” é o novo “Fora Todos”?
Sem defender abertamente “mais democracia”, os companheiros do PSTU ostentam em seu novo cartaz a reivindicação de defesa das “liberdades democráticas”. Se se mantiverem assim, os companheiros demonstrarão novamente que ficam no meio do caminho, sem tirar o pé de duas canoas. Em 2015, ergueram o abstrato “Fora todos” para não falar “Fora Dilma”. Assim, se derem destaque às “liberdades democráticas” em sua agitação futura, darão uma vez mais um aceno ao PSOL e ao “menos pior” PT. É necessário isso? Quererão os companheiros ser o rabicho do acordão burguês pela democracia ora costurado?
A “democracia” não está em risco por causa deles, mas por nossa causa. Que bom!
A rigor, o regime democrático-burguês está sim em risco. Mas não em risco de fascismo ou golpe, e sim em risco de insurreição popular. A burguesia não está com medo dos bolsonaristas, mas com medo do Brasil virar os EUA. Eis por que está tão interessada em regenerar seus quadros burgueses e costurar o acordão “democrático”.
Já explicamos muitas vezes o motivo. Vamos apenas tocar mais uma vez no assunto: desde junho de 2013 caiu pouco a pouco o PT, que era o principal partido de manutenção do regime democrático burguês, desde seu início (1988). Seja na oposição, seja no governo, o PT foi o central, porque teve capacidade única de controlar os trabalhadores, com seus aparatos de massas (sindicatos e movimentos), voltando-os à ordem burguesa. Foi a construção do PT que permitiu manter o movimento operário e popular controlado no início dos anos 1980, garantindo aos militares a passagem ordeira ao regime democrático. A possibilidade revolucionária ali existente foi canalizada pelo PT para a via do parlamento-burguês. Mesmo na oposição, sob FHC, a grande “esperança” para muitos virou o “chegar lá” (Lula lá). Mesmo sob FHC, era o PT que mantinha a luta de classes controlada, e, por isso mesmo, garantia um grau baixo de violência na super-estrutura burguesa. Assim se assentaram as bases do regime democrático-burguês, que se diferencia dos demais por usar menos violência na super-estrutura. A queda do PT, após 13 anos no poder, iniciada em junho de 2013, fez ruir essa espinha dorsal de manutenção do regime e colocou a nu toda sua podridão (cuja melhor expressão é Bolsonaro). A burguesia não tem ainda outra coisa no lugar e está perdida quanto ao futuro da nação.
Frente a uma situação assim, não é papel dos revolucionários pedir mais democracia. Se a democracia não está em risco por eles, mas por nós; se não há risco de fascismo, mas de levante popular (como nos EUA), por que tecer essa corda que será colocada no nosso pescoço? Nossa função é ampliar a confusão política da burguesia, o que cria bases para a ampliação da luta dos trabalhadores nos locais de trabalho. Assim podem ser criadas condições, a partir dos locais de trabalho, para uma revolução de verdade.
É necessário se focar na derrubada de Bolsonaro (e, se possível, também de Mourão), mas sem erguer palavras de ordem democrático-burguesas. É necessário armar o povo trabalhador com reivindicações propriamente proletárias, por emprego e salário, pois é isso que está realmente por trás da gigantesca insatisfação popular que corre o mundo. Os EUA não estão em fogo apenas porque querem direitos democrático-raciais (“mais democracia”) mas sim porque estão asfixiados (“i can’t breath”) pelo capitalismo, pela devastação dos empregos e dos salários, que sem dúvida pesa mais ainda sobre negros americanos. O mesmo vale para o Brasil. Em vez de afirmar direito democrático e ajudar a salvar o regime, é urgente levar um programa de transição ao socialismo aos setores mais explorados da classe trabalhadora. Só no socialismo haverá verdadeira democracia.
É hora de ir às ruas. A luta de classes atropelou a quarentena. Mas isso é porque os governantes burgueses nunca, em momento algum, fizeram uma quarentena de verdade. A situação se tornou insustentável e ir às ruas é, inclusive, a única forma de protestar por uma quarentena real.
Fora Bolsonaro!
Não às demissões! Pela escala móvel das horas de trabalho!
Não ao rebaixamento salarial! Pela escala móvel de salários!
Por emprego para todos! Frentes públicas de trabalho já!