Transição Socialista

O desespero da família Bolsonaro diante do caso Marielle

Bolsonaro se enreda cada vez mais numa teia da qual dificilmente conseguirá escapar. Desesperado, repete as palavras, injúrias e adjetivações de Collor no começo dos anos 1990. A história se repete. Visivelmente frágil e isolado, Bolsonaro e sua família tentam atacar, como animais encurralados. 

O recente episódio vinculando Bolsonaro ao assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes foi uma bomba que desestabilizou consideravelmente o presidente. Na sua live publicada na mesma noite em que o Jornal Nacional divulgou a investigação, Bolsonaro expressou claramente seu desespero diante da publicização do caso. Antes tivesse resolvido isso diretamente com os ministros do STF, debaixo dos panos. O presidente mesmo se reuniu com três dos ministros (Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes) no dia 16/10, e no dia seguinte apenas com Gilmar Mendes, uma semana depois de ter sido avisado do caso, segundo ele, pelo governador Wilson Witzel, no dia 09/10. Rapidamente depois de saber das investigações (informalmente, diga-se de passagem), Bolsonaro correu para seu condomínio e “averiguou”, segundo ele mesmo, as provas que o poderiam incriminar – as gravações da portaria. Quando isso ocorreu – se foi antes ou depois do síndico do condomínio entregá-las à polícia por “livre e espontânea vontade” – não se sabe ao certo. Para Bolsonaro, tudo estaria sob controle, seguindo o jogo da velha política dos acordões (com STF e PGR) e, claro, das falcatruas ilegais. No jogo do “salve-se quem puder”, cabe saber quanto tempo (ou até que ponto) esses acordos se manterão.

O que Bolsonaro não previa, de fato, era que a investigação fosse publicizada. Havia ainda pontas soltas a serem amarradas. Foi então, às pressas, que os áudios da portaria foram “periciados” e indicaram que a voz referida era de Ronnie Lessa, contradizendo o depoimento do porteiro. A perícia do MP foi criticada pelo SindPerj, Perícia Técnica Oficial da Polícia Civil, que não foi acionada para avaliar o material. Além de ter sido feita em duas horas (uma verdadeira operação relâmpago), o MP não solicitou perícia dos computadores onde os áudios foram originalmente registrados, o que não comprova se foram ou não adulterados. Soube-se depois, inclusive, que a procuradora do MP era uma bolsomínion…

As falhas na coleta de provas pelo MP não param por aí. Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram presos acusados do assassinato de Marielle e Anderson no dia 12/03/19, mesma data em que os policiais analisaram a planilha da portaria do condomínio de Bolsonaro e alegaram que não havia indícios da presença de Élcio no dia do assassinato. Na última semana (meses depois), os promotores do caso disseram ter havido um “equívoco” na análise da planilha pelos policiais, e que não teriam visto o registro de Élcio rumo à casa 58 (de Bolsonaro), como estava de fato anotado. A posse da planilha de controle só foi exigida no dia 05/10, quando foi expedida busca e apreensão na portaria do condomínio. A demora em ter a planilha de controle como objeto de investigação pelo MP foi justificada da seguinte forma: o MP demorou para acessar o conteúdo do celular de Ronnie Lessa, e, quando o fez, viu uma mensagem de sua mulher encaminhando, em janeiro, uma foto da mesma planilha. Ou seja: havia um interesse pelo registro das entradas e saídas do condomínio e, de fato, diversos indícios de adulteração de provas (ou para incriminar Bolsonaro, ou para encobrir o seu envolvimento no caso, ou, ainda, como forma de despistar as ações da milícia usando o nome do parlamentar).

Um dos indícios de adulteração de provas é do próprio presidente, que se precipitou e se entregou: antes mesmo que fossem apresentadas quaisquer provas de que ele teve acesso às gravações de áudio, o próprio confirmou a informação, construindo um sólido caso de obstrução da justiça. O próprio Carlos Bolsonaro divulgou, em um tuíte, parte dos áudios da portaria. Parecem crianças em um delírio de poder, apostando todas as fichas na sua frágil base de apoio, achando que podem ser juízes de si mesmos. Seja como for, agora Bolsonaro está efetivamente envolvido, no mínimo numa possível tentativa de obstrução de justiça, o que pode virar um grande problema contra si (sobretudo tendo em vista que mandantes e poderosos nos demais poderes, Legislativo e Judiciário, contam os dias para lhe passar a perna). 

O foco dos ataques de Bolsonaro agora recai sobre o governador Wilson Witzel e os delegados do RJ. A estratégia é ameaçar Witzel e conduzir a investigação da Polícia Federal sobre o inquérito de “tentativa de envolvimento indevido”, solicitado por Sérgio Moro à Procuradoria Geral da República. Ou seja, Bolsonaro tenta se segurar com todas as forças nos seus aliados declarados: os ministros do STF, Augusto Aras e Sérgio Moro. 

Entretanto, a questão que se apresenta sobre Bolsonaro é: ele se exalta por que tem de fato envolvimento com a morte de Marielle ou por que esse caso pode simplesmente revelar outros casos contra ele, envolvendo milícias? Quantos casos não podem vir à tona? Se sua relação com os mandantes do assassinato de Marielle se comprovar, o que segurará o presidente em seu cargo? Cabe lembrar que Flávio Bolsonaro nomeou para seu gabinete, na Assembléia Legislativa do RJ, a mãe e a mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, uma das lideranças da milícia Escritório do Crime, a mesma dos assassinos de Marielle e Anderson. 

Bolsonaro diz: “diante do que ocorre hoje na América Latina, querem me colocar na fogueira”. Um pouco de lucidez perpassou a mente do presidente. Sim, a conjuntura (a verdadeira bomba-relógio) está explodindo em todos os países vizinhos, e, se algo ocorrer no Brasil, o presidente sabe que não terá força, respaldo ou alianças suficientes para se salvar. No Chile, um presidente com aliança governamental muito mais sólida não teve alternativa senão recuar ante as massas. O que ele poderia fazer? Se reprimisse as massas diretamente com o Exército – dado que a polícia não dava mais conta –, provavelmente essa instituição racharia ao meio. A crise social em nosso continente é tamanha que, ao que parece, nem mesmo os militares dão conta. Imaginem algo assim no Brasil, com sua miséria, exploração e revolta de dimensões continentais? Eis por que eles têm medo. 

Revelando o completo temor da famiglia, Eduardo Bolsonaro fez sua declaração estúpida ameaçando a instalação de um novo AI-5, “caso a esquerda radicalize”. Foi logo obrigado a recuar e se calar, com rabo entre as pernas, frente à declaração do Rodrigo “Botafogo” Maia. O general Heleno disse que caso fosse necessário acionar o AI-5 seria preciso “ver como fazer”. Parte das pessoas leu isso no sentido de que o general estava também ameaçando. Mas o que ele quis dizer nas entrelinhas é que isso seria praticamente impossível de ser feito hoje, com a atual correlação de forças. E é isso que confirmaram os militares de alto escalão. E confirmou também o próprio Gustavo Bebianno, ex-braço direito do presidente. Segundo Bebianno, em entrevista recente, o presidente e sua família são sim autoritários em seu foro íntimo, gostariam sim de implantar uma ditadura, mas não têm a menor capacidade política e social para isso hoje. Isso é mais próximo da verdade. Lembremos: Bolsonaro não foi eleito para tanto, mas para tirar o PT do poder

A recente declaração de Eduardo Bolsonaro é não apenas um crime do ponto de vista da legalidade burguesa. Mais do que isso, é uma comprovação da completa crise de dominação política da burguesia no continente. É um sinal claro de despreparo. Sobretudo considerando-se o dito acima, sobre o Chile, revela-se que a posição de Eduardo é típica de um aventureirismo inconsequente, sem lastro na realidade. A História é às vezes conduzida por aventuras, mas os problemas mais sérios, das conjunturas mais agudas, são sempre resolvidos pela condução firme – seja de qual lado do conflito se considere – por parte de dirigentes políticos seguros e conscientes da realidade em conflito. O que se passa no Brasil é o absoluto contrário disso; é um atestado de desespero, de descolamento da realidade, de criação de cortinas de fumaça ideológicas para resgatar contato com uma base bolsonarista radical que, na verdade, não existe nem nunca existiu de forma muito consistente. Bolsonaro e sua família são a poeira da história, um acidente, explicado apenas pela crise do PT, e não por sua própria capacidade ou base social e material.

Bolsonaro a cada semana parece estar mais por um fio. Só não cai porque não existe qualquer oposição séria a ele. Enquanto isso, a população trabalhadora, sem caminho claro a seguir, continua a assistir à novela da crise política se desenrolando “lá em cima”. A revolta cresce, destroçando suas últimas ilusões com a democracia burguesa. Os acontecimentos no Equador, Chile e Bolívia aparecem como inspiração (e como certa nostalgia dos tempos em que as ruas determinavam o rumo dos acontecimentos), mas toda essa força está paralisada diante da ausência completa de direção revolucionária.