Transição Socialista

O enterro da Lava-Jato e o grande acordo nacional

Nas últimas semanas, assistimos aos mais recentes capítulos do melancólico fim da Lava-Jato. Depois de 7 anos de vida da operação, vemos executado, e de forma bem-sucedida, o produto do “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”.  O coroamento desse processo será a absolvição de Lula e, ao mesmo tempo, a blindagem do clã miliciano que governa o país.

O comando da política nacional segue à deriva, a cargo de oficiais que nunca trabalharam de verdade na vida. Nosso especialista em logística e sua equipe não conseguem demonstrar a mínima capacidade de planejamento para que o ritmo da vacinação supere o da disseminação do vírus. Covardemente, Pazuello nega publicamente as próprias palavras de ontem e tenta esconder seus crimes e responsabilidades na política de produção e prescrição massivas de cloroquina.

A bilionária negociação com o centrão, conduzida pelo General Luiz Eduardo Ramos, e as recentes decisões do supremo selam um aparente realinhamento institucional entre os principais organismos de poder burguês no país, em suas três esferas.

Esse equilíbrio é, no entanto, bastante tênue e algo circunstancial, porque é um abraço de desesperados, que temem a cadeia ou a perda da mamata, ou ambos. O centrão não deu seu apoio ao governo, mas o vendeu, e não cobrou pouco. E pode, amanhã, exigir o quanto quiser para manter esse apoio, assim como pode virar as costas a ele quando as ruas já não estiverem mais tão quietas, ou seja, quando o medo de perder votos os forçar a isso, como foi com Dilma.

Bolsonaro tenta se segurar no poder como pode. A extensão do auxílio com valor reduzido, já indicada pelo presidente, deve dar leve respiro à família Bolsonaro no primeiro semestre, enquanto alguma tentativa de retomada da atividade econômica terá lugar. Essa retomada, no entanto, deverá ser muito mais difícil e longa do que se tem aventado na imprensa econômica, o que certamente vai ficar mais claro ao longo do ano e, particularmente, no segundo semestre. Isso se deve, sobretudo, à crise econômica global, que não mostra sinais de recuperação e, muito pelo contrário, parece tender a uma queda ainda mais profunda. A burguesia brasileira está, sobretudo, a espera do que virá nas grandes economias capitalistas do globo. Setores localizados da indústria podem crescer, mas no cálculo geral muitos outros deverão seguir a rota descendente.

Nesse cenário, nada é sólido e tudo pode se dissolver ao menor choque ou novidade. Apesar de tentar adiar o momento da explosão por meio do endividamento, Bolsonaro sabe que essa ferramenta não vai durar para sempre e, principalmente, que ela sozinha não vai levá-lo inteiro até 2022. As pesquisas apontando novo movimento de deterioração da avaliação do presidente dão o sinal de que ele já não é um mito da mesma dimensão de há um ou dois anos atrás. Há, ainda, relevante apoio passivo de parte da população ao governo, mas ainda assim aquém dos presidentes eleitos que o precederam, no mesmo momento do primeiro mandato.

Os militares estão divididos, diante da desmoralização que parte da caserna enxerga em continuar compondo um governo tão claramente preocupado apenas em salvar a própria pele. Com muita picanha e cerveja superfaturadas e os salários dobrados, o planalto tenta comprar o baixo e o alto oficialato.

O discurso da “nova política” bolsonarista morreu de inanição e os irmãos siameses Bolsonaro e Lula nunca estiveram tão unidos. Na semana que um vence as disputas pelo “controle” (aparente) do legislativo (com apoio público do PT no Senado, diga-se de passagem) o outro lança seu poste, Haddad, para tentar sinalizar uma suposta postura comedida ao mercado, enquanto espera a possível absolvição.

O funcionamento do executivo federal segue a normalidade de todo governo Bolsonaro até aqui, com um corpo de funcionários comissionados onde o PT segue o partido com mais filiados, demonstrando que toda a aparente oposição entre Bolsonarismo e Lulismo é, no fundo, um grande jogo de cena.

Como já tratamos diversas vezes, os interesses do bolsonarismo e do lulismo têm confluído cada vez mais na conjuntura recente, sobretudo após o início do atual governo. O amor era velado durante as eleições, quando o aparente ódio já não era suficiente para esconder o desejo de ambos setores de se encontrarem no segundo turno. Mas criou raízes sérias quando, entre março e abril de 2019, Bolsonaro costurou com o petista Toffoli acordo para segurar o governo diante da enxurrada de denúncias de corrupção contra a sua famiglia à época.

Esse acordo levou o petista Aras à Procuradoria Geral da República, que segue até hoje como fiel escudeiro do presidente e garante desde então que nenhuma denúncia séria de fato avance contra seu clã. A queda de Moro foi novo capítulo de aprofundamento desta relação e prepara aquele que permanece o sonho tanto de Lula quanto de Bolsonaro, que é o de finalmente se encontrarem no segundo turno, em 2022.

Agora, não basta reinventar e perpetuar os esquemas de corrupção, não basta comprar a todos. É preciso humilhar publicamente a Lava-Jato, é preciso que o Supremo condene os procuradores e Moro, para, quem sabe, podermos retornar ao passado em 2022, em versão levemente pós-apocalíptica.

Essa “unidade nacional” que se estabeleceu é apenas resultado das ações desesperadas dos agentes diante da necessidade de sobrevivência. E, por mais que possa parecer um sinal de extrema força do governo, esconde conteúdo, no fundo, quase inverso. Por mais que possa surpreender os observadores desatentos, já existia e era visível antes mesmo de Bolsonaro subir a rampa do Palácio do Planalto. Apenas avança, como comentamos acima.

Tal unidade carrega conteúdo oposto ao aparente porque é, na verdade, o fato de o governo estar frágil e acuado que o leva ao colo do Centrão e o torna tão dependente daquilo que ele tanto critica em discurso, ou criticou um dia. É o isolamento que o força a abandonar seu discurso puritano pela simples e pura barganha e pelas negociatas à luz do dia. Houve, claro, relativo ganho de estabilidade com a compra do Centrão, mas o grande vencedor desta querela é, de fato, o tal do Centrão. Apenas aprofundou-se o nível de clientelismo e putrefação do legislativo e das relações entre os poderes no Estado brasileiro. No fundo, o nó ficou mais complicado e mais instável e o tamanho do problema não diminuiu, pelo contrário.

Nunca os partidos brasileiros tiveram tão pouco significado programático e nunca o regime político dependeu tanto justamente dos partidos que não têm ideia ou bandeira nenhuma, a quem nada interessa para além dos ganhos advindos da parasitagem das máquinas estatais (e nem tentam mais fingir o contrário!).

Difusamente, o coro dos descontentes dá os primeiros sussurros. Os pedidos de impeachment contra Bolsonaro voltaram a crescer após os tristes episódios de Manaus e já somavam 62 no fim de janeiro. Mas, muito mais importante do que a articulação parlamentar ou palaciana, a população começa a perder a paciência, vendo com mais clareza o impacto da negligência do presidente na gestão da pandemia.

A deterioração da situação econômica, que ainda não atingiu seu ponto mais baixo, vai certamente embaralhar ainda mais a reordenação das forças. Mas vai, sem sombra de dúvidas, aumentar a desconfiança e a reserva do brasileiro com relação aquele que, ainda ontem, era visto como salvador da pátria.

Até onde Bolsonaro vai durar depende também, é claro, da postura da oposição e, acima de tudo, da postura dos trabalhadores. Já sabemos que no parlamento as principais oposições querem fazê-lo sangrar lentamente ou estão em acordo aberto para mantê-lo no poder até as eleições, aguardando para agir no único momento em que sabem. No que depender delas, portanto, Bolsonaro terá vida relativamente fácil, como teve até aqui.

Quanto ao elemento determinante da conjuntura, a postura dos trabalhadores, estes estão ainda, é fato, muito pouco organizados para que seja certa sua ação decisiva na conjuntura próxima. Mas as tensões de classe vêm se acumulando no Brasil com a deterioração considerável das condições de vida no último período. O prolongamento desse processo de deterioração pode levar a uma situação limite que, embora seja um tipo de cenário que possa deprimir a ação da classe, costuma também evidenciar de forma dura a necessidade da associação e organização em defesa das próprias condições de vida.

E, como vimos no caso de Dilma, basta um ligeiro sopro das massas nas ruas para que a burguesia e os deputados tremam de medo, mudem suas posições e façam de tudo para conter a imensa força social que os pode derrubar a todos.

É urgente, neste momento, esclarecer a unidade de interesses do bolsonarismo e do lulismo e o papel de fiador geral da nação que o Centrão assume, a cada dia, daquele que recolhe as taxas da manutenção da impunidade de todos. E é central agir conjuntamente com todos os setores dispostos a derrubar Bolsonaro, autointitulem-se eles de esquerda ou de direita. Manifestações e atos unificados contra o governo atual devem ser construídos sempre que possível e, neste momento, com todos setores realmente interessados em derrubar este governo.