Mal se passaram 10 dias de governo e é como se fosse já um semestre ou mais. Estamos há zero dias sem recuos. Foram 10 recuos, média de um por dia. Os comentaristas burgueses da mídia estão incrédulos. Alguns deles, que apoiaram Bolsonaro, já o criticam abertamente e criticam seus apoiadores (sobretudo os que, como cavalos [ou jumentos], andam com cabresto).
Parece que os trapalhões tomaram de assalto o Planalto! Ou foram crianças mimadas?
“Mamãe passou açúcar em mim”. O caso espetacular foi o do Antonio Mourão, filho do general vice-presidente. Todos viram. Mourãozinho foi indicado Assessor Especial da Presidência do Banco do Brasil, tendo o salário triplicado (passando a ganhar mais que o próprio vice-presidente). Em defesa do filho, o pai falou que ele é muito inteligente e competente (e sua mãe deve ter dito que ele é lindo).
Ora, quem é Mourão para saber se o filho é realmente competente para assumir uma das 3 funções mais importantes junto à presidência de um dos maiores bancos do país? É o topo da carreira do banco! O que realmente o Gen. Mourão entende sobre alta competência de gestão bancária? Aliás, o próprio indicado à presidência do BB por Bolsonaro, Rubem Novaes, defendeu Mourãozinho e disse que ele é de total confiança sua. Mas como Novaes poderia saber das grandes competências de Mourãozinho (que ele não conhecia) se ele próprio, Novaes, não é do BB nem nunca trabalhou aí? Novaes é economista e foi indicado ao cargo por seu colega de faculdade (chicago boy) Paulo Guedes. O discurso da meritocracia afunda…
“Foi o Joãozinho!”. O alvoroço no MEC quanto às apostilas escolares pareceu causo da Quinta Série E. Quando a coisa fedeu, acusou-se o coleguinha ao lado. O novo chefão do MEC, Vélez Rodriguez, falou que o erro tinha sido da gestão de Rossieli Soares (ministro da educação de Temer). Este afirmou que nada tinha a ver com isso (e comprovou). Então Vélez Rodriguez resolveu demitir o estagiário. De pronto foram para a rua 10 servidores do alto escalão do MEC. Tudo fica fácil agora: invoca-se a “despetização” (ou destemerização?) para se acobertar os próprios erros. E no final das contas, no recuo do recuo, as apostilas ficaram praticamente como antes (e, vale dizer, já bastante ruins).
Bolsonaro, por sua vez, indicou o Capitão-tenente da reserva da Marinha Carlos Victor Guerra Nagem para ao cargo de Gerente Executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras. Seu salário subirá de cerca de 15 mil para 50 mil reais. Mais um presente dos deuses! E, novamente, o discurso da meritocracia pelo ralo! Troca-se cupinchas petistas por cupinchas bolsonaristas, e assim tudo segue como dantes do quartel (bordel?) de Abrantes. A questão é que – e para usar mais uma expressão superbatida dos jornalistas – a mulher de César não pode apenas ser honesta, ela tem de parecer honesta. O Capitão-tenente pode até ter todas as qualificações para executar seu posto na Petrobras, mas sua relação de amizade com Bolsonaro faz o negócio azedar. E o mau-cheiro toma todo o Palácio.
Mas tem ainda mais: o outro trapalhão, Ernesto Araújo – aquele que acredita que a terra é plana, senão não se chamaria planeta –, Ministro das Relações Exteriores indicado por Olavo de Carvalho, enfiou um cupincha seu na APEX – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Atração de Investimentos. Acontece que o nobre cavalheiro não tinha qualificação para o cargo; não entende de comércio exterior e, para piorar, não fala inglês, a língua do capital global. Dado que é contra o que chama de “globalismo” (em nome do “nacionalismo”), Ernesto Araújo não achou a falta dessa habilidade (falar inglês) algo tão relevante. Todavia, incapaz de reimplantar o nheengatu e impotente ante à língua do grande capital, Araújo, por fim, não teve opção senão demitir seu amiguinho. Tomou coragem e, imitando Trump, “demitiu” o amigo via Twitter! Ao que parece, em tempos como os atuais, publicações no Diário Oficial são um luxo demasiado ou formalidade desnecessária frente ao poder dos aplicativos de celular. Mas o cupincha, por não ter Twitter, foi trabalhar (trapalhar?) no dia seguinte, normalmente, despachando e recebendo autoridades. Tudo isso forçou o chefe, o 01, Bolsonaro, a intervir. E foi-se finalmente o cupincha pela janela.
E antes veio o laranja dos Bolsonaro, Fabrício Queiroz, cuja cirurgia de câncer parece ser uma farsa, que apareceu dançando horas antes de realizá-la. E antes veio o acordo espúrio, de toma-lá-dá-cá, para reeleger Rodrigo Maia para a presidência da Câmara dos Deputados. E antes veio o Onyx desdizer o Bolsonaro quanto à questão do aumento do IOF e diminuição do IR. E agora veio o general Heleno desdizer Bolsonaro quanto à questão das bases militares dos EUA no Brasil.
Aliás, Bolsonaro vai se assemelhando, em quantidade de trapalhadas e mesmo na forma de falar – cada vez mais pausada, temerosa, confusa e semi-lacônica –, a uma famosa ex-presidenta amada por todos nós brasileiros. Para aqueles que lastimaram o impeachment apenas por perder um motivo diário de diversão (pois Temer ao menos re-estabeleceu a lógica do raciocínio), o problema pode estar chegando ao fim.
Dá-se em nosso país uma espécie de intervenção surrealista estatal de massas. De tanto recuo, de tanto diz-que-disse-e-não-disse, de tanta fake-news, o brasileiro já se acostuma a não mais distinguir o verdadeiro do falso. Isso pode ser uma estratégia de governo (como em parte é nos EUA e sua sociedade espetacular). Coroe-se tudo com pitadas de psicopatia diversionista e outras besteiras – como discussões inúteis sobre posse de armas e cores de camisetas de crianças – e pronto: atingimos o total non-sense. É o suprassumo da ordem burguesa e sua racionalidade. O país foi tomado pela mediocridade da burguesia, durante anos gestada pelo PT em união com o fisiologismo mais baixo.
Mas por trás do delírio nacional, como sempre, prepara-se novos ataques. A decisão de Toffoli de manter o voto secreto nas duas casas do legislativo deve ajudar a conduzir Rodrigo Maia e Renan Calheiros às presidências, o que devemos tratar como longe de ser um anteparo a Bolsonaro e Guedes. Renan, totalmente contra a reforma da previdência quando fazia campanha por Haddad, agora já a defende (bem como pautas conservadoras, sobre as quais dizia ser contra). Os únicos que restam no governo contra a reforma – vejam só! – são os militares, o “bastião moral da nação”. Querem que o povo todo pague o pato, trabalhe anos a mais, mas eles – categoria do próprio presidente! – ficam de fora. Eles, que representam mais da metade do chamado (e suposto) “déficit da previdência”! Eles, que têm bolsas de auxílio a suas filhas e suas viúvas! Isso comprova o que já dissemos: os militares em grande medida entraram no governo por seus interesses particulares. É claro que eles temiam o total aparelhamento do Estado (e sobretudo das FFAA) pelos cupinchas petistas, e é claro que eles se adiantaram percebendo a enorme fraqueza que seria um governo da claque corrupta e aventureira bolsonarista. Mas é claro, também, que “farinha pouca meu pirão primeiro” é a lei primordial dessa corporação.
A única contraposição real ao pacote de maldades dos bolsonaristas-chicago-boys é a classe trabalhadora, e somente em suas forças é possível confiar. Somente a sua ação, as suas paralisações unitárias, pode colocar um freio aos trapalhões e aventureiros do capital.
A classe trabalhadora está numa situação de desespero frente à miséria. Os governantes se deparam com o “crime” e a “falta de segurança”, mas a população está frente à falta de emprego e de arroz no prato. Os governantes sabem que o “aumento do crime” é também aumento do desespero e potencial explosivo da classe trabalhadora, e por isso não veem outra opção para “resolver” a situação senão aumentar a violência sobre toda a sociedade. Note-se a situação do Ceará, que tanto chamou a atenção na semana. O “crime” tomou conta do estado. O governador cearense do PT afirmou que os “bandidos” vão ver que quem manda é a “lei” e o braço forte do Estado. Mas ninguém se pergunta como chegamos a esta situação absurda.
Na verdade, por trás de toda a inútil perfumaria da petralha petista, e por trás de toda a cortina de fumaça dos trapalhões bolsonaristas, rege a sociedade apenas uma lei: a lei geral da acumulação capitalista, tão bem analisada por Marx há mais de 100 anos em O capital. A sociedade capitalista produz riqueza em maior grau, acumulada cada vez mais num pequeno pólo, e produz, no mesmo processo, necessariamente, como espelhamento, uma miséria crescente, em dimensão similar à da riqueza acumulada. A mesma lei revela que o Exército Industrial de Reserva, com a ampliação da miséria, amplia-se e globaliza-se, ao mesmo tempo em que se expande ou diminui relativamente ao período de cada ciclo econômico (prosperidade, paralisação, crise; nova prosperidade construída sobre grau de maior de miséria concentrada num pólo e maior riqueza concentrada noutro, paralisação, crise…). Numa situação de um país com 12% de desempregados oficiais (mas, se considerarmos os bicos, meios-serviços etc., atinge-se mais da metade da população), numa situação assim, alguém acha estranho um jovem ver perspectiva na empresa capitalista do crime e não na empresa capitalista legal?
A resposta, trapalhão Moro e trapalhão Bolsonaro, não é a Força Nacional de Segurança. A resposta é emprego para todos – mas isso vocês e o capitalismo não podem dar. Vocês só podem reproduzir e aumentar a miséria e violência, necessariamente.
A situação brasileira, reafirmamos, encaminha-se para o ingovernável. Que se volte então contra burguesia, sua órdem e seu trapalhões e petralhas. Como diria Heine: maldição a Deus, maldição ao Rei, maldição aos ricaços, maldição à Pátria: nós tecemos e tecemos a sua mortalha!