Torcemos para que Lula seja preso! Todavia, parte da chamada “esquerda” brasileira que se diz oposição ao PT, em vez de se posicionar ao lado da revolta de amplos setores populares brasileiros pela prisão de Lula, inventa desculpas esfarrapadas para não apoiá-la. Por qual motivo a esquerda capitula dessa forma? Qual a base material disso?
Para ficar claro que é uma capitulação – e não um erro fortuito ou confusão –, lembremos a série de argumentos da nossa “esquerda”: 1) não há provas contra Lula; 2) está se passando um “golpe” no Brasil; 3) há o risco de uma ditadura do judiciário; 4) a condenação de Lula em segunda instância foi antecipada, comprovando perseguição política; 5) Lula tem o “direito democrático” de se candidatar; 6) a burguesia quer afastar o PT e deixar um governo “puro sangue”, para passar todas os ataques possíveis contra os trabalhadores na maior velocidade.
Na verdade, tudo o que essa esquerda fala significa o contrário da verdade. Já comentamos isso uma série de vezes, mas vale sintetizar uma vez mais.
Como já analisamos aqui, há provas de sobra para a condenação de Lula. Entretanto, a “esquerda” nem se deu ao trabalho de ler a condenação do juiz Sérgio Moro a Lula. Ela prefere repetir de forma vazia exatamente os argumentos dos advogados de Lula. Ou seja: essa “esquerda” baseia-se cegamente nos argumentos dos próprios petistas e ainda pretende criar — não se sabe bem como — uma oposição ao PT…
Como também já analisamos há quase dois anos, não há qualquer “golpe” no Brasil hoje. A própria esquerda foi aos poucos admitindo isso, de forma envergonhada, silenciosamente, mudando a denominação do “golpe” para “golpe parlamentar” ou “golpe institucional”. Como falamos, uma das lições mais básicas de qualquer curso de Ciência Política ― nem precisa ser de marxismo ― é a de que um “golpe” é uma mudança de regime político. Por um acaso houve alguma mudança no corrupto regime democrático-burguês brasileiro com a saída de Dilma e a entrada de seu vice? O fato de Lula aliar-se novamente ao PMDB para ser eleito é a prova maior de que não. Lula, inteligente como é, jamais acreditou na tese do golpe e só a usou para enganar a pequena-burguesia.
Também já analisamos aqui que não há qualquer risco de “ditadura do judiciário”; que não há exemplo histórico disso em qualquer país capitalista avançado, pois o poder judiciário não tem estruturação tal que permita estabelecer uma ditadura própria (na verdade, ensinou Marx em O 18 de brumário, e ensina toda a história das ditaduras na América Latina, somente o poder executivo consegue fazer isso). O que há no país é uma falência do poder executivo e legislativo, produzida em grande medida pela acintosa lama de corrupção do PT (associado ao PMDB e PSDB). Isso levou o judiciário a ter proeminência política nacional. Não há judicialização da política, mas politização do judiciário. Este, no exato inverso do que falam os petistas, é o último fio de sustentação do regime democrático-burguês. Ao atacar o judiciário, os petistas e seus devotos apenas ajudam a romper esse fio e a preparar um regime mais autoritário.
Essa mesma esquerda cheia de invencionices agora fala que o julgamento de Lula na segunda instância (TRF4) seria uma perseguição política, pois se daria em “tempo recorde”. Foi só o PT verbalizar isso que toda a “esquerda” repetiu a cartilha, uma vez mais, sem pensar. Até que foi feito uma levantamento real das condenações do TRF4 e foi provado que isso era falso e o contrário do que falam os petistas. Das 2.181 apelações no TRF4 até finais desta ano, 1.326 foram julgadas em até 150 dias. O julgamento de Lula no dia 24/01/2017 será após 181 dias da apelação, ou seja, será mais lento do que a maioria dos julgamentos nesse tribunal.
Agora a esquerda fala que Lula tem o “direito democrático de se candidatar”. Ora, se a lei democrático-burguesa diz que um sujeito criminoso não pode se candidatar, por que Lula teria esse direito? Por que Lula tem mais direito do que outros demais cidadãos submetidos à lei da sociedade burguesa? E se Lula tem, por que Aécio Neves não teria? A esquerda que se diz oposição ao PT não percebe que, assim, apenas engrandece Lula, esse sujeito que ela mesma diz combater. Ela jamais combaterá de verdade, consequentemente, o mesmo sujeito que ela endeusa. E, para piorar, essa esquerda fortalece o Brasil da impunidade, onde os filhos da classe trabalhadora ficam presos meses a fio sem julgamento diante de crimes produzidos pela condição de miséria, e a burguesia fica livre pois é importante demais para ser presa. Temos a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 700 mil pessoas presas, das quais mais de 40% estão de forma provisória, sem qualquer condenação, e a nossa “esquerda” chora as dores do sr. Lula, sabidamente corrupto e gângster burguês! A população carcerária cresceu 240% sob os anos de governo do PT!
Ah, mas a burguesia estaria tirando o PT do governo para colocar um “governo puro sangue” e, assim, desferir os mais rápidos golpes contra a classe trabalhadora na história. Acaso a nossa esquerda leu os dados recentemente divulgados pelo economista francês T. Piketty? Ele não é marxista, mas seus dados são interessantes. Eles apenas concretizam o que o próprio Lula sempre disse: “a burguesia nunca ganhou tanto quanto no meu governo”. O Brasil se tornou o país mais desigual do mundo e essa desigualdade social cresceu acintosamente nos anos de governo do PT! Talvez a burguesia nunca tenha ganhado tanto em tão pouco tempo! Aliás, como adiantou neste fim de semana o jornalista Clovis Rossi, da Folha de São Paulo, Lula provavelmente se tornará o candidato das elites econômicas em 2018, bem como será o candidato de todos os políticos corruptos que temem a Lava-Jato. É literalmente o plano expresso por Romero Jucá para estancar a sangria (“a gente salva o Lula e salva todo mundo”).
Lula será um governo forte para seguir os ataques burgueses contra a classe trabalhadora. Lembremos que absolutamente todos os ataques de Temer e Meirelles eram preparados por Dilma. Lembremos que Lula chegou a propor Meirelles no governo para salvar Dilma em 2016. Lembremos que, em 2003, Lula aprovou com a mão nas costas ― e muita mesada, soube-se depois ― uma reforma da previdência tão nefasta quanto a de Temer. E hoje o governo Temer tem de adiar a aprovação da reforma da previdência justamente porque é um governo fraco e impopular.
Ora, diante de tão evidentes inconsistências no discurso da suposta “esquerda” de oposição ao PT, por que ela as continua sustentando? Os motivos são vários. Em parte, porque ela cresceu sob as asas do PT e não sabe pensar sem ele. Teme agir sem ele, teme desorganizar sua vida política morosa e adaptada. Já analisamos isso num importante antigo texto. Em parte, porque é pressionada diretamente pelo próprio PT, cujos dirigentes agem desesperadamente temendo prisões. Em parte, mas não menos importante, porque essa “esquerda” está infectada pela doença do “idiotismo parlamentar”. Eis como Marx falava daqueles cuja preocupação maior era eleger-se para ter base material (financeira) no parlamento e “popularidade”.
A direção majoritária do PSOL é um bom exemplo disso. Ela não sabe agir nem agirá totalmente por fora das asas do PT, pelo simples fato de que quer ocupar o espaço vazio deixado pelo PT; seus parlamentares elegem-se com base no público que até ontem era eleitor do PT (aqueles que ainda são petistas em alma, mas sentem-se vexados em apoiá-lo abertamente). Talvez por conta dessa característica da direção majoritária do PSOL, setores que nos últimos tempos tentaram ingressar ou ingressaram no PSOL deram um giro político tão gigantesco em suas posições. De radicais em discurso de ontem a semi-petistas de hoje. Necessitam de ser aceitos pela direção do PSOL. Quem sabe assim conseguem eleger um deputado (o que ontem, com seu “radicalismo anacrônico”, sua “dureza” ou “sectarismo” seria impossível). As analises de conjuntura tornam-se de conveniência, adaptadas ao idiotismo parlamentar.
Nada há de errado em candidatar-se taticamente a cargos políticos, errado é abrir mão de princípios ou de qualquer análise séria sobre a realidade em nome disso. Assim não se constrói organizações revolucionárias consistentes. O mês de janeiro produzirá mais uma prova de fogo para a nossa “esquerda”. Vejamos se ela ultrapassará a prova, se finalmente superará suas vacilações anteriores. De nossa parte, não temos dúvida:
Às ruas pela prisão de Lula!