Já há três dias a nefasta execução de Marielle Franco e Anderson Gomes nem aparece mais na capa dos principais jornais do país. É como se tudo tivesse sido resolvido (e nada foi). É como se já fizesse um bom tempo (e faz apenas duas semanas).
Como é possível que as coisas tenham esfriado assim?
Lembremos do calor: poucas horas após o terrível assassinato, a notícia correu entre amplos setores de esquerda e mesmo populares, gerando indignação. Os atos do dia seguinte juntaram massas consternadas e revoltadas, em dimensão não vista desde os protestos contra Dilma em 2015. Os grandes meios de comunicação anunciaram, temerosos, um novo junho de 2013, e afirmaram que a intervenção militar-federal de Temer estava na berlinda. A burguesia, que teme o fantasma de junho e a desmoralização de suas forças armadas, ficou perplexa: como era possível aquilo assim, do nada, de repente? Se as massas não saíssem das ruas nos dias seguintes, se sua revolta se voltasse contra a intervenção, derrubando-a, possivelmente derrubariam o próprio governo Temer. Onde aquilo poderia ir parar? Caos e instabilidade da dominação burguesa.
No entanto, nada ocorreu. Estranhamente, toda a indignação caminhou civilizadamente; as massas se manifestaram sem foco, sem reivindicação, passivamente. No Rio de Janeiro — onde há tradição de enfrentamento com a polícia e instituições do poder desde 2013, passando pela Copa das Confederações e pela Copa do Mundo — nem mesmo uma vidraça foi quebrada! Nesse estado falido — onde professores, policiais, bombeiros, garis etc. protestam há anos — deu-se um grande exemplo de bom-mocismo. Em São Paulo, a mesma coisa: milhares nas ruas, com sede de vingança, e nada foi direcionado a lugar algum.
Como é possível?
Pensamos que, infelizmente, grande parte da responsabilidade sobre essa falência recai sobre o PSOL (o partido da própria Marielle!).
Todos queriam radicalizar. Ao final do ato de quinta (dia seguinte ao assassinato), todos esperavam ir às ruas novamente na sexta. Entretanto, o PSOL apenas apoiou, com atraso de um dia, e de forma ressabiada, um ato convocado por setores autonomistas para o domingo. Depois disso, o PSOL convocou atos ecumênicos e religiosos para a semana que se abriu. E somente agora, 15 dias após o assassinato, a executiva do PSOL delibera pela convocação de uma “jornada de lutas” por Marielle! O que a executiva estava fazendo nesse tempo todo? Criando a campanha de Boulos? Será que agora o movimento não perdeu o pé, o momento certo? Esperamos sinceramente que não.
Apesar do grande medo da burguesia em ver sua intervenção federal-militar comprometida, o PSOL não ergueu de forma clara a reivindicação contra essa intervenção (contrariamente ao que fez a própria Marielle). Em vez de dizer que as massas deveriam ir às ruas incessantemente com um objetivo claro (derrubar a intervenção), o PSOL neutralizou a luta, dando vazão a um discurso genérico, sem foco, identitário e democrático-burguês.
Pelo jeito, o PSOL não aprendeu nada – ou não quis aprender – com junho de 2013, quando o Mov. Passe-Livre chamou atos incessantes e com uma pauta clara (derrubar o aumento).
O PSOL não está à altura de um movimento que pode se assemelhar a junho de 2013 porque seu foco não é a luta e a revolta das massas, em negação à ordem vigente. Seu foco é a “inclusão” via cidadania e abstratas noções de direitos humanos, tudo dentro do Estado atual. O PSOL circunscreveu o ódio legítimo dentro dos quadros estreitos de um movimento “cidadão”, democrático-burguês, visando a ganhar mais espacinhos no Estado burguês (eleger parlamentares). Infelizmente, agora veremos, até o final do ano, um uso oportunista da imagem de Marielle pelo PSOL, para conseguir votos e eleger deputados. Será coincidência que Guilherme Boulos correu para o Rio de Janeiro para carregar o caixão de Marielle? Boulos, deve-se lembrar, é aquele que apoia Dilma e Lula, os mesmos que fizeram a intervenção militar na favela de Marielle.
Ô Josué,
nunca vi
tamanha desgraça,
quanto mais miséria tem,
mais urubu ameaça.