Este é o nosso terceiro texto de crítica ao programa apresentado pelo PSTU para debate no Polo Socialista. Veja os dois primeiros aqui. O texto de programa do PSTU, por sua vez, pode ser encontrado aqui.
Ao lermos o programa do PSTU, notamos que somente na metade do texto – após muito se falar sobre “imperialismo”, “soberania nacional”, “recolonização”, “dependência” etc. – chegamos ao que realmente importa para a maioria da população trabalhadora: empregos e salários. Isso é o que importa para a classe trabalhadora e também para o capital, pois é em torno da luta por empregos e salários que se determina a dimensão social da mais-valia (o alimento do capital). Portanto isso é o que importa, antes de tudo, para a luta de classes.
Na temática dos empregos e salários ocorre algo similar ao que comentamos no texto anterior, sobre nacionalismo e internacionalismo. Como apontamos, o internacionalismo ficou na prática suspenso, como um mero discurso, ao ser enquadrado dentro de uma concepção geral nacionalista. Agora, nesta nova temática (empregos e salários), são as reivindicações transitórias (as do Programa de Transição da IV Internacional) que ficam na prática suspensas, pois delimitadas pelo quadro geral das reivindicações da burocracia sindical. As reivindicações transitórias aparecem junto a outras reivindicações, sustentadas pela burocracia sindical, justamente para serem internamente negadas ou neutralizadas.
Diz por exemplo o documento do PSTU: “Defendemos duplicar já o salário-mínimo, em direção ao salário mínimo do DIEESE (hoje calculado em 5.657,00). Para combater os efeitos da inflação, defendemos a correção automática dos salários” [página 12].
Como se vê, a “correção automática” dos salários – o que mais se aproximaria da reivindicação transitória de reajuste mensal dos salários – fica subordinada ao ganho real, ou seja, à elevação do salário mínimo (sua duplicação imediata, ou elevação ao valor estabelecido pelo DIEESE). Em outro texto, já apontamos em detalhes as diversas críticas de Marx aos “ganhos reais” defendidos pelo movimento sindical de sua época (veja aqui).
Por ora, vale apenas apontar o seguinte: o “salário mínimo do DIEESE” é o que os socialistas, à época de Marx, chamavam de “salário justo” (ou seja, o salário que equivale ao valor da força de trabalho). É o salário mais ou menos necessário para a reprodução “digna” de um trabalhador e sua família.
Marx, em sua obra Salário, Preço e Lucro – palestra dada para a direção da Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional) em 1865 –, conclui sua exposição teórica rejeitando reivindicações como a do “salário justo”. Diz ele:
“Em vez do lema conservador de ‘Um salário justo por uma jornada de trabalho justa!’, [a classe operária] deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: ‘Abolição do sistema de trabalho assalariado!'”.
Em 1881, quando da preparação do programa do Partido Operário Francês, Marx protestou veementemente contra a inclusão da seguinte reivindicação: “Um salário mínimo legal, determinado a cada ano por uma comissão estatística operária, de acordo com o preço local dos alimentos”. Isso é exatamente o salário mínimo do DIEESE. Em carta de 05/11/1881 a F. Sorge, Marx considerou tal reivindicação puramente “infantil” [kindisch]. Todavia, a reivindicação – contra a vontade de Marx – foi incluída no famoso programa.
Para Marx, a reivindicação de “salário justo” (equivalente ao atual “salário mínimo do DIEESE”) deveria ser abandonada porque não necessariamente se contrapõe às leis gerais de acumulação capitalista. O gigantesco grau de exploração em países com economia capitalista de ponta – onde predomina a extração de mais-valia em sua forma relativa, e, por isso, também salários “justos” – comprova-o.
O desafio histórico apresentado à classe trabalhadora brasileira não é o de alcançar o padrão de vida da classe trabalhadora dos EUA ou da Alemanha, mas o de abolir o sistema capitalista. Para isso, é necessário recuperar as reivindicações transitórias em sua forma autônoma, não neutralizadas pelas reivindicações da burocracia sindical. Em vez de sonhar com salários europeus, é necessário impedir a defasagem do salário atual. Em vez de reivindicar o salário mínimo do DIEESE, é fundamental impedir qualquer piora no salário real, por meio do reajuste mensal dos salários. Escala móvel de salários já!