Transição Socialista

PSTU e esquerda do PSOL capitulam na crise boliviana

Texto editado após a publicação, com inserção no final

Os dois agrupamentos mais à esquerda na política brasileira – a CST, corrente interna do PSOL, e o PSTU – deram declarações capitulacionistas frente à crise boliviana.

A capitulação da CST se expressa numa posição dúbia. Dúbia pois, incrivelmente, publicou dois textos abertamente contraditórios sobre a Bolívia. O primeiro é uma tradução de um texto lacônico da Izquierda Socialista (IS, grupo irmão da CST na Argentina), onde se defende o combate a um suposto “golpe de Estado” na Bolívia. O caráter lacônico e direto deixa clara a dificuldade para lidar com o tema e, sobretudo, para assumir a posição capitulacionista. Em quatro pequenos parágrafos, o combate ao “golpe” aparece 3 vezes.

O segundo texto é uma tradução mais longa, de uma boa declaração da Alternativa Revolucionaria de los Trabajadores (grupo irmão da CST na própria Bolívia). Curiosamente, apesar do tamanho, não se fala uma só vez em “golpe” e se elogia a luta popular que derrubou o presidente! É algo completamente contrário à posição da IS. A ART atua no próprio país onde se passa a crise, e, por estar minimamente vinculada ao processo real de descontentamento com Evo, verificou ser impossível sustentar tolices como a tese do “golpe” (o mesmo tipo de contradição se viu frente à crise venezuelana, no ano passado, quando a seção caribenha pediu a queda do Maduro, não sendo acompanhada pelas demais).

Incrivelmente, a CST e sua internacional não deram grande destaque à declaração da seção boliviana, e preferiram traduzir antes de tudo a nota da seção argentina, sua maior e mais importante base internacional. Para sermos bonzinhos, poderíamos dizer que a CST, por ter ao mesmo tempo duas posições, não tem posição alguma frente à crise boliviana.

Mas o caso mais vergonhoso é o do próprio PSTU e da LIT. Sem o álibi de uma dupla declaração, o PSTU optou por uma só declaração em si mesma dupla. A direção do partido, em vez de dirigi-lo com uma política clara (seja para onde for), buscou o malabarismo para acomodar posições divergentes ou enganar sua própria base.

A declaração se inicia dizendo que “foi consumado um golpe contrarrevolucionário na Bolívia”. Afirma também que “não houve simplesmente uma renúncia de Evo. Essa foi somente a forma. Houve em essência um golpe militar, que Evo aceitou sem resistência”. Ora, se os militares estão dando um golpe contrarrevolucionário em Evo, só se pode concluir que este – contrariando tudo o que o próprio texto diz – é, em algum grau, revolucionário (ainda que a la Allende).

Eis por que o PSTU exige de Evo o que comumente se exigia, nos anos 1970, de Allende: que resistisse ao golpe. O PSTU fala: “5- A renúncia de Evo Morales tem outro conteúdo importante. Trata-se da recusa em resistir ao golpe, típico de um dirigente burguês que tem muito a perder e foge sem lutar”. Para o PSTU, “era necessário mobilizar e armar os trabalhadores, e isso Evo não quis. Preferiu fugir e desmoralizar a resistência, facilitando a vitória do golpe”. Para o PSTU, o governo de Evo é de Frente Popular (ainda que no texto, confusamente, diga que é um governo democrático-burguês).

O PSTU queria que Evo fosse mais radical na “resistência”. Note-se todavia que o MAS armou sim grupos com armas de fogo e dinamites. O resultado foi o terrorismo sobre a maioria da população trabalhadora e a morte de oito pessoas miseráveis, usadas como bucha de canhão pelo MAS, para ter melhores condições de negociação de sua participação na próxima eleição (veja sobre tudo isso, aqui).

Na prática, é isso que o PSTU pediu a Evo: que, do alto do Poder Executivo do Estado burguês, reprimisse com mais força a população trabalhadora que se ergueu numa revolta espontânea!

Concluindo sua declaração na forma mais irracional possível, o PSTU reivindicou o seguinte:

“Defendemos eleições livres na Bolívia, sem restrição alguma. Não aceitamos a proibição da candidatura de Evo ou de qualquer candidatura do MAS, que é o que o novo poder golpista está tramando. Defendemos eleições livres para todos os trabalhadores e quaisquer setores que queiram participar.”

Ora, a maioria da população boliviana protestou contra a fraude eleitoral e exigiu novas eleições, o que resultou na queda do presidente. A isto o PSTU denominou “golpe”. Como então, segundo eles, combater esse “golpe” (protesto por nova eleição)? Com a exigência de… novas eleições!

Uma declaração política não poderia ser mais fajuta e irresponsável! Muito melhor é a declaração da antiga seção boliviana da LIT, o MST (Movimiento Socialista de los Trabajadores, ver aqui)

Por que a “esquerda” brasileira capitulou?

Essa “esquerda” capitula porque teme se afastar do que ela própria considera ser de “esquerda” (uma pequena-burguesia reformista ou oportunistas políticos de grandes partidos). Em parte porque ela teme ser atacada por seus iguais, seus irmãos, os outros agrupamentos ditos de “esquerda”. Assim, essas organizações – PSTU e CST – só comprovam que temem ficar em minoria na política. Elas não têm, portanto, verve para seguir o velho preceito de Lenin: “um contra 110”. Lenin afirmava isso relembrando Karl Liebknecht, que, sozinho, votou contra os 110 parlamentares do partido social-democrata alemão em agosto de 1914, quando dos votos dos créditos de guerra. Mas o futuro político do comunismo alemão estava em Liebknecht e somente em Liebknecht. Todos os outros 110 se afundaram no pântano do oportunismo. No Brasil e na América Latina de hoje, PSTU e CST preferem se afundar com os 110 oportunistas que giram em torno do PT.

Além disso, tais organizações revelam assim ter lastros materiais de uma burocracia.

No caso da CST, para além da pressão do meio de “esquerda” brasileiro, expressa-se a pressão da grande seção argentina, que, dentro da FIT-U, adapta-se ao cretinismo parlamentar do PTS.

Já no caso do PSTU, trata-se do peso de sindicatos como o de Metalúrgicos de São José dos Campos, desde o início em luta contra o “golpe”, calando os setores verdadeiramente marxistas dentro do partido. Quando pressionada por sua base de trabalhadores – como no caso da queda da Dilma –, tal burocracia sindical pode até ir mais à esquerda (para não ser derrubada), mas quando se trata de algo relativamente distante do trabalhador brasileiro (algo em outro país), as direções sindicais têm as mãos livres para assumir posições que facilitem composições com outros setores, majoritários, da burocracia sindical nacional (como a CUT, que também repudiou o “golpe”).

A necessidade de uma nova direção revolucionária

Tais posições capitulacionistas – como aquela do segundo turno de 2018, quando a “esquerda” deixou de anular voto, por medo de Bolsonaro, e correu para abraçar Lula-Haddad – explicitam a necessidade urgente de uma nova direção política para o proletariado brasileiro. Este está desarmado, sem um instrumento de combate realmente radical, à altura de suas necessidades históricas, e o país pode caminhar em um tempo relativamente curto para uma situação de crise política grave, de ingovernabilidade, como no resto da América Latina. Em condição assim, a ausência de um partido será uma tragédia. Toda capitulação ou enrolação no presente é um crime histórico com o futuro. Toda capitulação assim compromete decisivamente a formação marxista futura de novos militantes e quadros políticos. Tais organizações olham rotineiramente o presente como se sempre houvesse o amanhã.

Não dizemos com isso que uma nova organização revolucionária virá da TS e apenas da TS. Sabemos que há revolucionários e marxistas tanto no PSTU quanto no PSOL. A conjuntura nacional e latino-americana produzirá no futuro uma nova organização. A única condição dos marxistas no presente – onde quer que estejam e onde quer que atuem – é falar a verdade e somente a verdade às massas, mesmo que para isso tenham de nadar contra a corrente. Nós seguiremos esse preceito.

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EDIÇÃO: Após a publicação deste texto, companheiros da Luta Socialista, corrente interna do PSOL, reclamaram que o título deste editorial é injusto com eles, pois têm posição similar à nossa na questão boliviana. Nós não conhecíamos a posição da Luta Socialista sobre a Bolívia. De qualquer forma, pedimos desculpas aos companheiros e reforçamos que a referência direta aqui é à CST. Neste link há referência para a posição dos companheiros.