O PSTU naufragou eleitoral e politicamente neste pleito de 2020. Seus resultados numéricos foram muito menores do que nos anos anteriores e suas posições políticas no segundo turno capitularam ao oportunismo. O fracasso eleitoral e o fracasso político são duas formas do mesmo problema (ausência de um programa verdadeiramente revolucionário) e demarcam que o PSTU não terá protagonismo numa futura reorganização dos revolucionários brasileiros.
“No princípio era a ação”
(Fausto, Goethe)
Em oito anos, o PSTU diminuiu 6,5 vezes nas três maiores cidades brasileiras
O número de votos numa eleição nunca é o determinante para os revolucionários. É assim pois uma revolução genuína é uma mudança na estrutura capitalista (em suas relações de produção, seu regime de propriedade) e não na superestrutura capitalista (no Estado). Todavia, ensinaram Engels e Trotsky que o número de votos pode servir para medir a penetração de um partido revolucionário no seio da classe trabalhadora. Nesse sentido, o resultado eleitoral deste ano é catastrófico para o PSTU e demarca um claro afastamento em relação à classe trabalhadora. Vejamos os dados de sua participação eleitoral em algumas importantes cidades brasileiras nos três últimos pleitos (2012, 2016 e 2020):
Os números nos permitem ver uma tendência clara de queda. Nas três principais cidades brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte –, o resultado eleitoral do PSTU desde 2012 foi, para usarmos uma palavra dura, desastroso. Dos cerca de 15 mil votos em 2012, em média, nessas 3 cidades, o PSTU baixou para uma média de cerca de 2.300 votos em 2020. Ou seja: o PSTU diminuiu cerca de seis vezes e meia, em média, nas três principais cidades brasileiras. O que teria se passado?
A mera saída da fração oportunista MAIS, em 2016 (hoje à direita no PSOL, sob o nome de Resistência), não explica tão grande diminuição em número de votos. Também não se explica pela atual (e antidemocrática) falta de acesso à televisão, pois a queda em votos se manifestou antes de tal exclusão e o tempo na TV já era pequeno demais (o que sempre fez o PSTU centrar sua publicidade nas redes sociais, em busca de seu público-alvo). O que explicaria então tamanha queda eleitoral?
Junho de 2013 e seus desdobramentos quebraram também o PSTU
De 2012 para cá, aconteceu justamente a revolta social de junho de 2013. Tal acontecimento desarranjou o acordo burguês em torno do PT, o que resultou – três anos depois – no impeachment de Dilma Rousseff. A queda numérica do PSTU é uma versão miniatura da acintosa queda numérica do PT. Em suma: o PSTU afundou juntamente com o PT na conjuntura após 2013. Vale sempre lembrar, quanto a isso, alguns episódios importantes:
Em junho de 2013, o PSTU ganhou destaque ao fazer coro com o PT e setores burgueses no ataque verbal a jovens que resistiam diretamente à violência policial em manifestações. O PSTU ajudou a taxar estes de “infiltrados” e “provocadores”, colaborando com o discurso burguês que deu base à repressão policial. Aliás, nisso o PSTU se opôs às orientações de Marx e Engels à Liga dos Comunistas, os quais ensinavam que os comunistas “não só devem tolerar estes excessos mas tomar em mãos a sua própria direção” (ver “Mensagem do CC à Liga”, março de 1850). Em 2014, o PSTU se contrapôs aos jovens que, desde o final de 2013, defendiam o cancelamento da Copa do Mundo no Brasil. Enquanto estes gritavam “Não Vai Ter Copa!”, combatendo de frente o PT, o PSTU uniu-se aos petistas para gritar “Vai ter Copa, mas vai ter luta!”. Logo no início de 2015, quando um amplo setor social das grandes cidades, majoritariamente proletário, resolveu protestar contra a vitória (por pequena margem de votos) do PT, o PSTU se negou a se unir à massa que defendia a queda de Dilma. Passeatas com mais de um milhão de pessoas numa única cidade (São Paulo) foram desqualificadas como majoritariamente de “direita” e o PSTU se negou a defender abertamente a queda de Dilma (“Fora Dilma!”). No lugar, o PSTU defendeu uma inexistente “terceira via”, longe dos atos de massa e dos atos petistas, bem como defendeu o esquerdista “Fora Todos!”. Para o PSTU de então, só se poderia defender a queda da Dilma se se defendesse ao mesmo tempo a queda de seu oponente, Aécio Neves, e a de todos os demais burgueses. Era um “ou tudo ou nada” (ou esquerdista ou petista). O radicalismo na aparência encobria o centrismo na essência. Em 2016, no dia seguinte à queda de Dilma, o PSTU embarcou no tragicômico “primeiramente, Fora Temer!” dos petistas. Antes não se podia nunca falar de “Fora Dilma”, mas agora o “Fora Temer” era o mantra cotidiano (apesar de que a esmagadora maioria da população trabalhadora ainda não defendesse sua queda, o que só ocorreu um ano depois, curiosamente quando o PT se recusou a derrubar Temer). No segundo turno da eleição de 2018, capitulando na prática à tese de que Bolsonaro implementaria um governo autoritário (a tese da “onda conservadora”), o PSTU chamou voto no poste de Lula, Haddad, como “menos pior”. De 2018 para cá não se verificou um autoritarismo real (para além do discurso) e Bolsonaro se manteve no poder graças ao apoio dos petistas (e centrão) nas altas cúpulas do poder.
Em todos os momentos relevantes da conjuntura após 2013 o PSTU poupou o PT, ora com posições esquerdistas, ora com posições centristas. Apesar de discursos críticos, na hora H o PSTU sempre deu seu apoio prático direto ao PT ou se recusou a atirar neste. Tal é o elemento mais importante para explicar porque o PSTU se enfraqueceu após 2013. Ele nunca teve coragem de assumir posições firmes e claras na conjuntura. A tal grau que praticamente não desenvolveu lideranças combativas reconhecidas pela classe trabalhadora no último período histórico. Na política nacional ou no movimento sindical – como nas greves metalúrgicas em São José dos Campos –, o PSTU ficou apagado, buscou sempre uma acomodação política e acordos rebaixados.
Na hora do voto, entretanto, a racionalidade simples do grosso da classe trabalhadora é implacável: ela prefere o burocrata original, que aparece como menos contraditório, menos auto-negado pelo que faz e fala, mais consequente e competente como gestor burguês.
No final das contas, ao procurar uma política centrista, o PSTU se afastou da revolta da maioria da classe operária contra Dilma. Enquanto oportunistas de fora da política e pouco conhecidos, como Dória, eram eleitos no primeiro turno, e enquanto semi-adolescentes antes desconhecidos, como os do MBL, eram eleitos vereadores, o PSTU diminuía três ou mais vezes o seu número de votos nas principais cidades (como em 2016). Assim, o PSTU se afastou, por um lado, da classe operária dos sindicatos. Mas, ao mesmo tempo, por não defender abertamente a Dilma (com medo da pressão operária), por defender o “Fora Todos”, o PSTU também não agradou a pequena-burguesia urbana supostamente de “esquerda”. Ao optar ficar no meio do caminho, no centrismo, o PSTU perdeu apoio pelos dois lados e terminou só.
Segundo turno de 2020: PSTU é arrastado pela pequena-burguesia para o colo da burguesia
No segundo turno desta eleição o PSTU capitulou na prática à tese da “onda conservadora”, que tanto negou em discurso. Essa tese da “onda conservadora”, entretanto, é falsa, como se mostrou nesta eleição; é mera narrativa de petistas e partidos satélites oportunistas para angariar votos entre a pequena-burguesia desesperada (veja aqui). Em realidade, o PSTU capitulou não propriamente à tese da onda conservadora, mas à pequena-burguesia enquanto classe social. O motivo mais profundo disso é o próprio programa essencialmente pequeno-burguês (reformista, estatista) do PSTU (também já esclarecemos isso, aqui). Incapaz de se contrapor ao movimento da pequena-burguesia, temendo ser por ela criticado, o PSTU se deixou arrastar para os braços dos oportunistas burgueses petistas e afins. O PSTU não teme ficar isolado da classe trabalhadora, mas – e contra o preceito de Lenin – morre de medo de ficar isolado da suposta “vanguarda” de “esquerda”.
Em São Paulo, o PSTU foi arrastado para os braços da coligação claramente burguesa PSOL-PT-PCdoB-PSB-PDT-REDE-PCB-UP (chamada de “Frente pela Democracia”). Já há até um manifesto de empresários e financistas por Boulos, mas isso não envergonha o PSTU. Em Porto Alegre, o PSTU foi arrastado para o apoio à stalinista Manuela D’Ávila, que gravou vídeo recente explicando que não fará qualquer lockdown frente à segunda onda de covid, para não atrapalhar o comércio e a indústria (veja aqui). Em Belém, o PSTU capitulou a Edmilson Rodrigues, ex-prefeito da cidade (pelo PT) duas vezes, para combater um perigosíssimo desconhecido.
O PSTU usou a desculpa de que vota em tais oportunistas “para acompanhar o movimento da juventude e dos trabalhadores”. Antes mesmo dos textos do PSTU, já antevendo esse tipo de argumento e esclarecemos como é totalmente falso (veja aqui). Esclarecemos que a pequena-burguesia, por sua própria condição de classe, não seria jamais convencida por meio de “críticas” discursivas como as do PSTU (e que só avançaria, minoritariamente, a uma posição revolucionária, em meio a uma ofensiva real da classe trabalhadora contra o capital). E esclarecemos também que a classe trabalhadora que hoje vota em Boulos o faz da mesma forma despolitizada com que vota em qualquer candidato burguês apresentado como mudança (oposição). Esse setor da classe trabalhadora conheceu Boulos no formato estúpido dado hoje por sua campanha (o “Boulos Paz e Amor”), e não em seu passado “radical” (embora sempre reformista).
É sim errado ser dogmático, sectário, ficar defendendo sempre a mesma coisa. Ninguém quer pregar no deserto. É necessário ter tática. Mas – como ensinava Lenin, no Esquerdismo, capítulo 8 – toda tática revolucionária deve ser usada para elevar o nível de consciência das massas, e não o contrário. A tática infeliz hoje aplicada pelo PSTU tem histórico; é exatamente a mesma que usou em 2002 para eleger Lula (veja o antigo texto do PSTU aqui). A argumentação de hoje é quase um “copia e cola” do texto anterior. O que teria ocorrido de 2002 para cá? O PT não só governou para a burguesia muito melhor do que o PSDB (garantindo um grau de exploração capitalista mais alto, como já demonstramos) como destruiu por completo a esquerda brasileira (a começar pela quebra da independência relativa dos sindicatos frente ao Estado). Com essa suposta tática do PSTU – contrária aos ensinamentos de Lenin –, os reformistas só se fortaleceram e os socialistas só se enfraqueceram nos últimos vinte anos. Se Boulos é uma cópia miniatura de Lula e o PSOL uma cópia miniatura do PT, o PSTU de hoje é uma paródia do seu próprio passado.
O PSTU atuou contra o principal texto de tática revolucionária de Marx e Engels – a “Mensagem do CC à Liga dos Comunistas”, de março de 1850 –, onde se argumenta que é mais importante que os comunistas apresentem um caminho próprio e independente para a classe trabalhadora, em vez de capitular ao discurso dos radicais pequeno-burgueses, que afirmam que com “sectarismo” se divide o “partido democrático” e se favorece a “reação”. Esse caminho diferente e independente, nas eleições, só poderia ser o voto nulo.
O PSTU atuou contra os princípios da IV Internacional, segundo os quais é preciso “não buscar a linha de menor resistência” (o caminho mais fácil) e é preciso saber nadar contra a corrente. O PSTU foi arrastado pela pequena-burguesia, por temer criticá-la. O PSTU atuou também contra as palavras de Lenin, que ensinava – no Esquerdismo, capítulo 4 – que o bolchevismo só se desenvolveu porque combateu “em primeiro lugar, e acima de tudo, o oportunismo” (ou seja, a falsa esquerda). “Em primeiro lugar e acima de tudo”, tais são as palavras de Lenin!
O que nos ensinaram sobre tática Marx, Engels, Lenin e Trotsky? Que não é possível conduzir uma luta verdadeira contra o capitalismo sem antes derrotar os agentes da burguesia dentro do movimento dos trabalhadores; que qualquer luta séria da classe trabalhadora contra o capital será necessariamente paralisada e quebrada se os oportunistas forem majoritários no seio da classe trabalhadora. Em vez de dar uma luta sem trégua contra os abertamente oportunistas, o PSTU lhes dá seu “apoio” crítico.
O PSTU está num dilema histórico
Como se vê pelo resultado eleitoral, o PSTU está num dilema histórico. Sua própria existência está em questão. Esse dilema só pode ser superado se sua atual linha e política e sua direção forem trocadas, mudando por completo seu caminho. Nós não temos esperança em tais modificações.
É verdade que em 2018 o PSTU já cometeu o erro tático grave de votar no PT enquanto um “mal menor”. Criticamos duramente o PSTU no momento (veja aqui), mas demos de lá para cá relativo benefício da dúvida (reconhecendo implicitamente que aquela eleição fora de fato complexa e desorientara muita gente honesta). Agora, em 2020, nada da complexidade de 2018 se apresentou. O bolsonarismo se mostrou um tigre de papel e os oponentes do PT (e satélites) foram em geral meros variantes da velha política. Se hoje, numa conjuntura muito mais simples, o PSTU aplicou a mesma tática errada de 2018, somos obrigados a concluir que não se trata mais de um mero (possível) erro, mas de capitulação à burocracia e à pequena-burguesia, tornada a essência da sua política prática.
Nós apoiamos publicamente o PSTU no segundo semestre de 2016, após a ruptura com o MAIS, na esperança de que pudesse haver uma depuração em suas fileiras; de que esse partido poderia se aproximar de uma política revolucionária. Isso não se comprovou. O PSTU manteve em linhas gerais a mesma política essencialmente centrista, que permite se desenvolver em seu seio oportunistas do tipo de Valério Arcary. Ora, perguntamos: se é para ser assim, se é para apoiar de forma envergonhada o oportunismo político, por que não seguir de vez o caminho do MAIS (agora Resistência), que ao menos rendeu a estes semi-petistas quatro vereadores em 2020?
A eleição indica que o PSTU não deverá mais ter papel de destaque na rearticulação dos revolucionários
Com esta eleição, fica cada vez mais claro que o PSTU não deverá mais ter um papel de destaque, relevante, numa nova aglutinação de revolucionários brasileiros (se é que terá). O PSTU escolheu afundar com o PT neste fim de ciclo histórico, não largando a alça do caixão mesmo quando não havia qualquer justificativa real para isso. Sobrou discurso, falou ação (o determinante).
Independentemente dos anseios e crenças do corpo de militantes e quadros da organização, o PSTU está sendo arrastado pela pequena-burguesia na contramão dos interesses históricos da classe trabalhadora. Engana-se quem acha que é somente o voto, como algo pontual. O apoio “crítico” à “Frente pela Democracia” de Boulos poderá muito bem se manifestar, amanhã, em outra conjuntura, como um apoio crítico a um governo de Frente Popular (um tipo de governo como o de Kerensky ou de Allende, e que não tem nada a ver com os governos claramente burgueses do PT, chamados erroneamente pelo PSTU de “Frente Popular”).
Torna-se, portanto, urgente que outra articulação de diferentes organizações revolucionárias e militantes independentes avance no próximo período, a despeito do PSTU.