Por um Comitê de Enlace entre organizações e agrupamentos da esquerda socialista brasileira, visando à construção de uma nova organização política
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Companheiros revolucionários, lutadores e militantes socialistas espalhados por este país: cremos ser visível a enorme impotência do proletariado brasileiro. Ela ficou ainda mais evidente neste período de pandemia do coronavírus. Como se viu, não houve nenhuma articulação real de organizações de trabalhadores para de fato paralisar locais de trabalho falsamente chamados de “essenciais” pelas autoridades. Grande parte dos setores produtivos chamados de “essenciais” não o eram. Muitas empresas mantiveram-se funcionando apenas para alimentar a fome “essencial” do lucro. Quantos trabalhadores não foram, por isso, sacrificados no altar do deus-capital?
Para piorar, ressurge agora como pesadelo a possibilidade de retorno do PT ao poder federal. Isso tem grande significado político. Lula foi reinserido pela burguesia no jogo eleitoral para apresentar à classe dominante brasileira um horizonte de paz, com o controle “populista” das massas trabalhadoras em conjuntura de miséria e crise. A instabilidade pela qual passa o país há anos se aprofundou e desmoraliza até parte das Forças Armadas. A burguesia sente-se “desgovernada”. As forças de repressão, por si só, aparecem a ela como pouca munição diante de um possível estouro social. É necessário – crê a classe dominante – recriar e fortalecer os aparelhos “sociais” de contenção.
O possível retorno do PT é um pesadelo porque é como se a história se repetisse num ciclo sem fim. Esse ciclo impede a construção de um partido verdadeiramente revolucionário em nosso país desde os anos 1980. Há cerca de vinte anos, os oportunistas do PT chegaram ao poder federal, com o mesmo Lula. Após 14 anos à frente do governo federal (com Lula e Dilma), não restou dúvida a ninguém de que o PT é um partido burguês como os demais (ou até melhor para a burguesia do que os demais, pois controla os “movimentos sociais”). Entretanto, o que ocorreu com a “oposição de esquerda” ao PT nesse longo período? Ela não se desenvolveu! Pelo contrário, ela se enfraqueceu e se dividiu, sempre cooptada teórica e praticamente pelo poder do Estado burguês.
E não foram anos de calmaria! Os últimos oito anos, particularmente, foram de crescente instabilidade para a classe dominante. Centenas de milhares de pessoas protestando nas ruas – algo extraordinário nas décadas anteriores – se tornou quase banal. Vimos as enormes jornadas de junho de 2013 (as maiores da história deste país), manifestações significativas em 2014 contra a Copa do Mundo, multitudinários protestos contra o governo Dilma em 2015, uma onda gigantesca de ocupações de escolas secundaristas também em 2015, o maior número de greves de trabalhadores na série histórica entre 2013-2016 (equivalente apenas ao período final da ditadura militar), o impeachment da gestora capitalista de plantão (Dilma), o quase-impeachment do sucessor (Temer), a prisão de boa parte do “PIB” brasileiro (com dezenas de réus-confessos e investigações de centenas de dirigentes burgueses, políticos e empresários), a prisão de um político-chave para a ordem burguesa, Lula (sem falar em peixes pequenos, como Eduardo Cunha e outros), a ascensão meteórica do desconhecido Bolsonaro e sua atual desmoralização (com risco de impeachment), juntamente com a desmoralização das Forças Armadas. Não é pouca coisa!
Há décadas não se via tamanha ingovernabilidade na ordem burguesa nacional. Entretanto, onde esteve a “esquerda” socialista (oposição de “esquerda” ao PT) em todo esse processo? Em tudo o que importa ela se alinhou ao PT, aberta ou veladamente, clara ou envergonhadamente. De tal forma que hoje nada mais resta a ela senão retornar ao colo do PT e apoiá-lo, velada ou diretamente, na sucessão eleitoral presidencial. Já vimos isso no segundo turno da eleição de 2018, quando a maioria da “esquerda” votou no poste de Lula (Haddad) com o argumento do suposto “fascismo”. Vimos isso também na eleição de 2020, quando toda a “esquerda” se alinhou na prática aos lulistas (sejam eles diretamente os do PT, sejam os do PCdoB, como Manuela D’Ávila, sejam os do PSOL, como Boulos). Sempre o mesmo argumento do “fascismo”. De tal forma que Lula, em 2022, aparecerá como o “salvador da democracia” – e a maioria da “esquerda” socialista o apoiará na hora decisiva, como faz desde 2002.
Os vinte anos que nos separam de 2002 (primeira eleição de Lula) evidenciam, para além de qualquer dúvida, que a nossa “esquerda” socialista não passou pela prova de fogo. Ela faliu historicamente. Ela retorna sempre ao ponto inicial porque sua gênese e essência é o PT. Seu programa é o “PT das origens” (social-democrata), que leva necessariamente ao PT atual. Também por isso ela tem o mesmo número de militantes ou menos do que tinha em 2002 (considerando-se as correntes que estavam no PT e aos poucos saíram, constituindo outros agrupamentos). Nenhum dos partidos da “esquerda” socialista se mostra realmente interessado em (ou capaz de) sair desse círculo vicioso. Estão acomodados nisso; construíram o que construíram nessa lógica e temem perder.
A raiz da capitulação desses grupos ao PT é sobretudo teórico-programática. Ela consiste, do nosso ponto de vista, em três eixos, os quais propomos para discussão inicial no Comitê de Enlace a ser formado. São eles:
A) A concepção de que é possível realizar melhorias nas condições de vida da classe trabalhadora (diminuir seu grau de exploração), no médio e no longo prazos, por meio de conquistas sindicais referentes a aumento de salário e diminuição de jornada;
B) A concepção de que melhorias similares podem ser alcançadas também por meio da atuação à frente do parlamento (aprovação de leis) e da conquista de alguns poderes executivos (municipal, estadual ou mesmo federal);
C) A concepção de que a estratégia de transição ao socialismo no Brasil tem de ser mesclada com tarefas democráticas ou algum tipo de “libertação nacional”.
Tratemos de cada um desses pontos.
Há mais de cento e cinquenta anos Marx ensinou, em O Capital, que as reivindicações usuais do movimento operário – “aumento salarial” e “diminuição da jornada de trabalho” – não necessariamente se contrapõem à acumulação capitalista. Marx demonstrou que a burguesia pode sim, muito bem, em determinadas condições, aumentar salários e diminuir jornadas sem afetar o grau de exploração da classe trabalhadora pelo capital. Esse grau pode até ser aumentado em tais condições. É nesse hiato – entre a luta usual por salários e jornada, de um lado, e a manutenção impassível das leis gerais da acumulação capitalista, de outro – que se assenta a burocracia sindical atual (inclusive a da “esquerda” socialista). Na prática, os sindicatos atuais agem como administradores ou organizadores da força de trabalho para o capital (gestores da luta de classes no local da produção).
Também há cerca de cento e cinquenta anos Marx e Engels ensinaram – em suas análises sobre a Revolução de 1848 (particularmente em Lutas de Classes na França e no Dezoito de Brumário de Luis Bonaparte) e sobre a Comuna de Paris (particularmente em Guerra Civil na França) – que a classe trabalhadora não pode se apoderar da máquina governamental atualmente existente e colocá-la a seu serviço; é necessária a sua destruição. A única forma de fazê-lo é por meio da criação de um poder proletário contraposto ao poder oficial, um poder que emane dos locais de trabalho e de moradia da ampla maioria da população trabalhadora e oprimida. O Estado oficial, por mais complexo que seja, nunca deixou de ser, para Marx e Engels, um balcão de negócios da burguesia. Entretanto, a nossa “esquerda” não só está totalmente entregue à lógica do cretinismo parlamentar e eleitoral – que crê em pequenas melhoras por meio de leis aprovadas no Poder Legislativo ou conduzidas pelo Executivo –, como inviabiliza, na prática, onde ela domina, qualquer forma de poder proletário. Nos sindicatos controlados por nossa “esquerda” socialista, todo e qualquer Comitê de Fabrica (iniciativa realmente de base) é barrado, para não concorrer com as diretorias sindicais. Se ela fala de “Conselhos” populares, é somente para esconder o fato de que o gérmen ou célula básica que dão sustentação real a esses conselhos – a organização no local de trabalho – é impossibilitada por ela mesma. Seja no local de trabalho, seja no bairro, restam apenas os poderes burgueses oficiais: as administrações das empresas, os parlamentos e o Executivo.
Com toda uma série de desculpas esfarrapadas (que remontam historicamente ao stalinismo), a nossa “esquerda” sempre apaga ou dilui o fato de que a revolução a ser realizada em nosso país tem de ser socialista e nada mais. Assim, ela melhor se adapta às pautas “afirmativas”, democrático-burguesas, a serem aprovadas no parlamento e disseminadas cotidianamente (em propaganda conjunta com a grande mídia burguesa). Assim ela melhor escolhe um setor burguês “amigável”, “negociável”, “menos pior” (como o PT, na hora de decidir entre este e “a direita histórica”, “a direita oligárquica”, ou, agora, “o fascismo”). Assim ela melhor se alia à burguesia “desenvolvimentista”, visando a superar a “atraso”, a “libertar o país” da “influência do imperialismo”. Para parte da nossa “esquerda”, a revolução em nosso país é propriamente “brasileira”, ou seja, não é uma revolução proletária internacionalista que apenas se inicia nesta região do mundo desafortunadamente chamada “Brasil”. Para Marx e Engels, pelo contrário (vide Manifesto Comunista), a revolução proletária é “nacional” apenas na forma, não no conteúdo. Ela é “nacional” (sem o sentido burguês do termo) apenas porque à classe trabalhadora de um determinado país cabe acertar as contas, antes de tudo, com sua própria burguesia (“o principal inimigo está dentro do seu próprio país”, ensinavam Rosa Luxemburgo e Lenin). A revolução não é nacional em conteúdo pois o socialismo não se instaura em escala nacional (pressupõe forças produtivas superiores às do capitalismo, estabelecíveis apenas em escala planetária). A revolução socialista é internacional ou não é.
Os piores inimigos da classe trabalhadora – ensinava Lenin – são os agentes da burguesia no interior do movimento da própria classe trabalhadora. São os que parecem conosco, sem ser. Enquanto não consegue se desvencilhar destes, a classe trabalhadora não realiza plenamente sua luta de classe contra a classe burguesa. Mas afastar a influência dos oportunistas e centristas só é possível com a existência de uma organização revolucionária. Já passou da hora dos diversos agrupamentos, organizações localizadas e aguerridos indivíduos isolados iniciarem uma articulação nacional por uma nova organização revolucionária. Nada há mais a esperar das organizações e partidos atualmente existentes: eles já deram provas suficientes, na rica conjuntura que passou, de que darão cobertura aos petistas e demais agentes burgueses “de esquerda” nos momentos decisivos. Se algo de progressivo se passar em tais organizações ou partidos, será a despeito de suas direções (contra elas) e a depender da pressão que nós próprios, conformando um novo polo, possamos estabelecer.
Fazemos por isso um chamado público e amplo a todas as organizações e agrupamentos neste país que minimamente percebem os problemas elencados no ponto acima (três eixos, no item dois). Isso é o mínimo que nós trazemos à discussão (e estamos abertos, evidentemente, a discutir mais do que isso). Venham conosco refletir e debater democraticamente, visando à construção de um programa comum. Venham conosco discutir a possibilidade de criarmos uma nova organização para a luta do proletariado brasileiro. Juntemos forças, num processo democrático de discussão, visando a superar nossas atuais limitações!
O Comitê de Enlace, do nosso ponto de vista, deve funcionar em formato paritário (cada organização ou agrupamento tem um voto. Os indivíduos isolados devem entrar em algum agrupamento ou organização existente, ou formar um novo agrupamento). Ainda assim, é praticamente desnecessário sugerir que, antes de votações, acordos comuns devem ser buscados, tendo em vista manter, ao máximo possível, um ambiente fraterno de discussão entre todos. Um órgão de debate comum e público pode ser criado, voltado sobretudo a questões teóricas, visando a compreender seriamente as diferenças programáticas entre as organizações e idealmente estreitar posições. Não há por que ter desespero no alcance de resultados. O único imperativo é o de que coloquemos as necessidades do movimento geral da classe trabalhadora à frente dos nossos interesses particulares de construção.
Não temos preciosismo quanto ao nosso nome, nossos materiais e nossos símbolos, apenas quanto ao nosso programa.
Urge apresentar, mais alto do que as nossas forças isoladas podem fazer, uma nova bandeira vermelha, limpa e claramente diferenciada das velhas e desmoralizadas.
Viva a luta internacional do proletariado!
Viva a luta pelo comunismo!
Pela criação de um Comitê de Enlace para a fundação de uma nova organização revolucionária dos trabalhadores brasileiros!
Transição Socialista
09 de agosto de 2021
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