Transição Socialista

Ascensão e queda do Programa de Transição Parte 3

Por Rafael Padial

Esta é a terceira e última parte do artigo dedicado ao papel do Programa de Transição, de Leon Trotsky, dentro da história da IV Internacional. A primeira parte pode ser encontrada aqui e a segunda aqui. Na primeira parte analisamos a gênese histórica do Programa; como ele foi concebido por Trotsky, e sua relevância para o avanço do movimento marxista. Na segunda parte mostramos como o Programa de Transição, em sua concepção dialética (partindo-se das escalas móveis), foi defendido pelo movimento trotskista em seu movimento sadio (pré-pablismo). Mostramos também como o afastamento desse programa permitiu ascender dentro da IV Internacional um setor oportunista, que trabalhava com métodos estranhos ao marxismo (internacionalismo abstrato, empirismo, burocratismo), métodos que em grande parte se manterão no trotskismo posteriormente.

PARTE 3 – CRISE E DIVISÕES À LUZ DO PROGRAMA

Formação do Comitê Internacional (CI) e capitulação posterior do SWP

Ainda que atrasado, Cannon, secundado por Gerry Healy e Pierre Lambert, deu correto combate a Pablo. Uma vez que Pablo e sua claque (Ernest Mandel, Pierre Frank e, posteriormente, Livio Maitain) mantiveram o controle do aparelho internacional, Cannon, Healy e Lambert formaram nova articulação internacional, o Comitê Internacional da IV Internacional, e romperam todas as relações com o Secretariado Internacional de Pablo. O CI agrupou então cerca de 80% da militância trotskista internacional[1]. Mas a articulação internacional das seções dirigidas por eles para combater Pablo se enfraqueceu à medida que o SWP, a seção dirigente dessa articulação, sob pressão do macarthismo, se afastou decisivamente do Programa de Transição. Ao afastar-se do Programa e, em grande medida, com o afastamento de Cannon da direção na metade da década de 1950, devido à idade, o SWP também sucumbiu aos poucos à lógica do empirismo, lógica que já se manifestava no partido no início da década de 1950. Aos poucos, sobretudo com os novos dirigentes, como Joseph Hansen e George Novack, o SWP sobrevalorizará cada vez mais os “fatos”, se afastará da dialética (como comprovam os estudos superficiais de Novack sobre o tema), se aproximará do empirismo, e assumirá aos poucos posições oportunistas similares às de Pablo.

No passar de alguns anos o SWP optará pelo caminho da conciliação; fugindo do combate, militará cada vez mais em meios pequeno-burgueses, por direitos humanos e em aliança com um “socialismo” reformista – abrindo um grave precedente na história do trotskismo [2]. Com o afastamento de Cannon e a manutenção da já citada pressão imperialista e stalinista sobre a IV Internacional, crescerão as tendências conciliatórias nesse partido. Tais posições abrirão o caminho para a capitulação do SWP ao pablismo, marcada pela reunificação de 1963 em defesa dos “novos fatos” da Revolução Cubana (com “novos fatos” citamos expressamente Joseph Hansen). Comenta JJ. Marie, a respeito do SWP na segunda metade da década de 1950:

“Os trotskistas americanos buscarão uma forma de sair do seu gueto. Em 1956, a crise do PC americano, sacudido pela repressão à revolução húngara, não lhes rendeu quase nada. Assim, começarão a se orientar para os meios intelectuais mais receptivos às ‘ideias’ e à ‘propaganda’, e quando o Movimento 26 de Julho, dirigido por Castro, tomou o poder em Cuba, em 1958, foi a iluminação. A revolução, esperada em vão em 1946 no coração dos EUA, estourava enfim a 250 quilômetros de Miami. Ela reuniu e arrastou consigo toda uma camada de intelectuais ‘radicais’ ou de esquerda – os mesmos que o SWP [afastando-se da classe operária] tentava influenciar ou recrutar – que viam em Castro a ponta de lança de uma luta que não sabiam bem como conduzir nos EUA.

A adaptação ao castrismo e aos círculos da intelligentsia radical americana pesou cada vez mais sobre o SWP e seu movimento de juventude, a Young Socialist Alliance, que romperão com o Comitê Internacional em 1963 e defenderão a ‘reunificação’ com os pablistas, dando à luz no mesmo ano ao Secretariado Unificado.” [3]

Assim, graças às pressões dos “novos fatos” da conjuntura mundial, e em grande medida graças à pressão da juventude do SWP (em sua maioria, uma juventude pequeno-burguesa, formada sobretudo por intelectuais, estudantes radicais não trabalhadores, etc.), o SWP capitula e avança decisivamente para a reunificação com o Secretariado Internacional de Pablo. Funda-se o Secretariado Unificado, até hoje existente, que engloba então a esmagadora maioria do trotskismo mundial. Healy e Lambert ficam de fora e mantêm, sozinhos, a articulação do Comitê Internacional. São absolutamente corretas, claras e louváveis as críticas que esses dois dirigentes fazem à capitulação do SWP dirigida por Joseph Hansen. Em um dos textos principais de crítica, escrito pela direção da Socialist Labor League (seção inglesa, dirigida por Healy), não à toa chamado “Oportunismo e empirismo”, critica-se de forma consistente o que chamam de “o método de Hansen”: a submissão à lógica vulgar, ao pragmatismo, ao empirismo, aos “fatos”, às “circunstâncias dadas”, etc.; mostra-se, com amparo em Hegel, que “fatos” são abstrações e que o “concreto” e “dado” é absolutamente diferente para o empirismo e para o marxismo [4]. Já o método do pablismo envenenava seriamente a seção norte-americana.

Com a capitulação do SWP em 1963 concretizou-se o principal mal na história do trotskismo: o esquecimento do programa; a submissão, na quase totalidade do trotskismo mundial, ao empirismo e ao marxismo vulgar. O processo de apagamento do programa não foi, portanto, fácil, nem passageiro: durou mais ou menos do final da década de 1940 ao começo da década de 1960, cerca de 15 anos. Ao final da década de 1960 e início da década de 1970 nada mais restará da compreensão dialética do Programa de Transição no SWP e na esmagadora maioria do trotskismo. Basta ver, por exemplo, os “estudos” a respeito do Programa de Transição realizados por Joseph Hansen e George Novack no período, amplamente divulgados pelo Secretariado Unificado em vários países, inclusive na América Latina, que dão a linha do trotskismo neste continente até hoje. Nesses textos, após uma série de defesas vazias sobre o “método dialético de Trotsky”, sobre reivindicações supostamente transitórias, após uma série de elogios sobre a necessidade de se construir uma ponte entre a consciência atrasada dos trabalhadores e a revolução socialista, são ignoradas as escalas móveis; parte-se das reivindicações usuais da burocracia sindial e resolve-se aplicar “vários programas de transição” para as minorias, centrando-se fogo na ampliação dos “direitos democráticos” [5]. As escalas móveis são abandonadas em nome da adaptação às reivindicações pequeno-burgueses e/ou da adaptação à pauta da burocracia sindical.

Por outro lado, os contrários à unificação de 1963, Healy e Lambert, talvez devido ao isolamento, se aproximarão de posições ultra-esquerdistas e, pouco depois, como num salto para o outro lado da moeda, desenvolverão posições cada vez mais duvidosas, à medida que se afastarem do Programa.

Healy é um exemplo claro a esse respeito. Ainda que mantivesse concepções corretas contra as adaptações do SWP ao pablismo, sempre lutando para não cair nas teias centristas do capitulacionismo, Healy caiu, por outro lado, em posições esquerdistas que negavam as reivindicações transitórias das escalas móveis como muito pouco, como insuficiente, como um econômico sem devir. É sabido, por exemplo, que um dos motivos da expulsão da fração de Alan Thornett do Workers Revolutionary Party (WRP, que sucedeu a SLL) de Gerry Healy foi o fato dela defender a aplicação das escalas móveis no movimento operário. Thornett era um dos principais dirigentes do trabalho operário do WRP; sentia a fraqueza da linha esquerdista de Healy e a necessidade da mediação das escalas na agitação cotidiana do partido entre a classe operária. Em sua luta contra Healy, secundado pela OCI de Lambert, Thornett citava literalmente as “discussões do SWP com Crux (Trotsky)”, onde Trotsky afirmava ser mais fácil derrubar o capitalismo que realizar as escalas. Afirmava Thornett, por exemplo, da tribuna de um encontro realizado pelo WRP durante a luta fracional:

“Na luta por essas reivindicações [as escalas móveis] – que não podem ser atendidas pelo capitalismo – o Programa de Transição provê a ponte entre a consciência atual da classe trabalhadora e a revolução social. (…)

Isso coloca um desafio direto ao direito de propriedade. Apenas o Programa de Transição fornecerá um caminho para a classe operária. Temos de reivindicar – como fez ontem o Workers Press[6] – uma escala móvel de salários para proteger contra a inflação e uma escala móvel de horas para proteger os empregos. Temos de exigir que os livros-caixa das empresas sejam abertos a comitês de sindicatos como parte da luta pelo controle operário das fábricas. Se os salários e empregos não puderem ser protegidos exigiremos a nacionalização dessas empresas sem compensação. Isso tudo deve ser ligado à demanda por frentes públicas de trabalho nessas fábricas para mantê-las abertas, com base num plano realizado pelos operários desde baixo, desde a base, que conduza ao desenvolvimento de um plano em escala nacional.”[7]

Para Healy, em sua posição esquerdista, o que importava era a tomada do poder, o programa máximo. Healy via em gérmen a dualidade de poder onde nada havia. A defesa das escalas seria algo secundário, seria muito pouco[8]. Em 1974 o grupo de Alan Thornett é expulso burocraticamente; leva consigo cerca de 200 militantes e a parte mais importante do trabalho operário do WRP.

O pouco que restou do Comitê Internacional healysta após sua explosão em 1985, hoje vinculado ao site wsws.org e dirigido por David North, manteve todos os problemas da escola de Healy: a não referência às escalas móveis, uma posição marcadamente esquerdista, a defesa vazia da dualidade de poder desprezando o trabalho sindical, e a concepção de que a consciência revolucionária é trazida externamente à classe [9].

Nesse ponto, na segunda metade da década de 1970 e, sobretudo, nos anos 1980, a “ortodoxia” esquerdista do CI healysta (ortodoxia sempre baseada numa análise historicista da IV Internacional, e nunca no problema conceitual da transição socialista) era certa complementação do revisionismo pablista, como duas faces de uma mesma moeda, pois ambos comungavam do abandono da estratégia geral da revolução socialista, contida no Programa de Transição. Enquanto no pablismo o abandono das escalas móveis levava ao internacionalismo abstrato e ao centrismo adaptado ao stalinismo, no healysmo o abandono das escalas levava ao internacionalismo abstrato e ao esquerdista isolamento da classe[10].

A difícil constatação: a dissolução da IV Internacional

Nos posicionamos, portanto, com a concepção de que a fraqueza e as divisões da IV Internacional têm vinculação profunda com o apagamento da estratégia geral revolucionária desenvolvida com muito custo por Trotsky, amparado na experiência histórica da classe operária, estratégia embasada na própria dialética de O Capital de Marx [11]. Não vemos grande sentido, portanto, na maioria dos rachas e disputas que ainda hoje se processam na chamada IV Internacional, por serem em geral a respeito de questões meramente táticas, muitas vezes esvaziadas ou carentes de uma consideração programática mais profunda (numa organização sadia, os problemas táticos deveriam produzir, em geral, sempre que possível, diferenças e frações, oposições, mas nunca propriamente rachas e divisões tão profundas). As diferenças, ou “polêmicas”, são em geral a respeito de uma ou outra intervenção em determinado ponto do planeta – e em locais onde muitas vezes os grupos nem mesmo atuam –, ou seja, são em geral a respeito da leitura de determinados fatos (e muitas vezes, com base na cobertura realizada por jornais burgueses), mas nunca propriamente marcadas por um recorte estratégico. O central, o que importa em todas as épocas, a relação propriamente entre as classes e suas alianças estratégicas, está fora de consideração. Análises sem síntese; lutas muitas vezes entre pablistas e esquerdistas, ambos carentes da dialética marxista e revolucionária contida no Programa de Transição, ignorantes do papel das escalas móveis no desenvolvimento do programa e mesmo na história do trotskismo.

Não devemos ter ilusões a respeito desses métodos abstratos de análise como amparo para construção partidária. Sabemos seus limites pois já vimos que, mesmo agregando às vezes um respeitável número de militantes, a ausência programática cedo ou tarde se manifesta como fator determinante. Sabemos no que deu o centrista Movimiento Al Socialismo (MAS) argentino de Nahuel Moreno, que aglutinou cerca de 12 mil militantes (considerando, é claro, simpatizantes, “colaterais”, “tendências”); sabemos no que deu o esquerdista WRP de Healy, que chegou a articular mais de 10 mil pessoas em atividades amplas – ambos, da noite pro dia, racharam em dezenas de pedaços sem qualquer unidade entre si.

Pensamos, portanto, que não é possível falar em reerguimento do trotskismo que não passe, necessariamente, por um resgate sério e refletido do Programa de Transição, concebido em seu próprio desenvolvimento dialético, ou seja, sem se recortar partes do programa e essencializá-las; sem tomar o que é um processo e movimento enquanto algo estanque e identitário. A articulação internacional da classe trabalhadora está, possivelmente, no ponto mais baixo desde a metade do século XIX. Não há tarefa fácil, que não passe pela paciente e sólida construção partidária em torno de uma base programática clara, como tantas vezes defendeu James P. Cannon. A nova conjuntura que se abre mundialmente favorecerá esse trabalho.


NOTAS

[1]. A informação é de Nahuel Moreno nas suas Teses para atualização do Programa de Transição, capítulo XI. Nesse capítulo Moreno elogia a “ruptura espetacular” de Cannon com o pablismo, expressa na Carta de 1953. Mas em seguida critica, corretamente, o fato de que o SWP não levou a adiante o CI como articulação internacional do trotskismo, mantendo neste uma espécie de regime federalista, desagregador. Isso é sintomático a respeito da paralisia e confusão em que se encontrava o SWP na metade da década de 1950.

[2]. Cf. capítulos 20 a 24 do The Heritage We Defend. NORTH, D. Op. Cit.

[3]. MARIE, JJ. Le trotskysme. Coleção “Questions d’histoire”. Ed. Flammarion: Paris, 1970, p. 82.

[4]. O texto “Oportunismo e empirismo” também pode ser encontrado na Revista Maisvalia n. 3, São Paulo: Ed. Tykhe, 2008, pp. 55-69.

[5]. Cf. “Trotsky Transitional Program: Its origins and significance for Today”; “Transitional and democratic slogans as bridges to socialist revolution” (ambos de Hansen) e “The role os the Transitional Program in the revolutionary process” (de Novack). Todos estão presentes em TROTSKY, Leon. The Transitional Program for Socialist Revolution. Op. Cit. (há também uma pequena edição em espanhol com dois desses artigos, chamada Introducción al Programa de Transicion. Fontamara editorial, Barcelona, 1978). O texto de Novack, após muitas páginas de confusão sobrevalorizando a luta das minorias, defenderá na p. 88 da edição americana: “A geração atual apenas começou a assimilá-lo [o programa do partido], a aplicá-lo, e mesmo a ligá-lo aos vários programas transitórios que têm sido desenvolvidos (…)”. É exatamente com base nesses manuais simplistas de Hansen e Novack a respeito do Programa de Transição (e da dialética) que derivará a leitura vulgar ainda hoje predominante em boa parte do trotskismo mundial. Na América Latina, particularmente, é essa leitura do programa e da dialética, baseada em Hansen e Novack, a predominante nos seguidores de Moreno, bem como nos seus rachas neo-morenistas. O programa mínimo da social-democracia, oposto ao máximo esquerdista (entre os quais eles oscilam, pulando de um para o outro), é complementado por “vários programas transitórios”, com os quais a centralidade da luta da classe trabalhadora em defesa dos salários e empregos (ou seja, as escalas móveis, a disputa em torno da mais-valia) é apagada. No âmbito sindical retornam as reivindicações irracionais da burocracia sindical, misturadas com exigências esquerdistas por estatizações (em condições onde inexiste um poder dual), ou misturadas com reivindicações para um “desenvolvimento nacional-burguês”, como a defesa do “Petróleo é nosso” no Brasil.

[6]. Jornal do WRP, organização healysta. No dia anterior, por pressão da fração de Thornett, o jornal estampava extraordinariamente em seu programa a escala móvel de salários e a escala móvel das horas de trabalho. Evidentemente, foi apenas um ardil de Healy na luta fracionária. Em seguida as escalas novamente desapareceram dos materiais.

[7]. “An Account of the Expulsions from the WRP and the Political Methods used by the Leadership”, in The Battle for Trotskyism. Acessível em: <https://www.marxists.org/history/etol/document/wsl/Battle4Trotskyism-3.htm>. O texto destaca a incompreensão de Healy sobre a dialética interna ao Programa e sua posição marcadamente ultra-esquerdista.

[8]. Em ¿Hacia donde va Thornett?, livro publicado pela editora Tatum em 1975, escrito por Michael Banda, um dos principais membros do Comitê Central healysta, é possível perceber claramente a confusão programática. No capítulo intitulado “Thornett y el Programa de Transición”, após defender que a conjuntura da década de 1970 é absolutamente diferente da de 1938 e, portanto, exige outro programa (sempre o mesmo argumento!), que não tenha como foco as escalas móveis, se afirma: “Na época da SLL [organização que precedeu o WRP] uma das tarefas mais importantes do The Newsletter [então jornal da SLL] foi popularizar no programa trotskista uma grande variedade de temas, que incluíam a bomba atômica, a liberdade das colônias, a nacionalização, o Mercado Comum, o stalinismo (Hungria e Checoslováquia), o racismo (a defesa dos trabalhadores de Notting Hill) e uma série de outros problemas demasiado numerosos para serem analisados no presente artigo”. Op. Cit., p. 144. Ou seja, novamente, diversos “fatos” (por mais importante que sejam) passam a sobredeterminar o programa empiricamente e eclipsam as reivindicações propriamente operárias, voltadas à estrutura da sociedade capitalista, capazes de impulsionar o movimento dialético transitório para a ditadura do proletariado.

[9]. Tal posição, desenvolvida inicialmente por Karl Kautsky, como falamos, era a base do jornal diário de Healy, supostamente ancorado em Lenin e em sua defesa de “um jornal para toda Rússia” em Que Fazer?. Healy não superava fragilidades do Lenin de 1903 (ainda compartilhando dos pontos de vista de Kautsky sobre a consciência socialista externa à classe). O News Line, jornal da seção de Healy, era marcado por discussões doutrinárias, de conscientização, a respeito do socialismo, “análises”, “opiniões”, “pontos de vista”, e nunca caracterizou-se como um jornal propriamente operário, ou seja, como um jornal que desse voz à classe, como verdadeiramente buscou desenvolver Lenin desde cedo, apesar das concepções de Kautsky. Essa mesma característica equivocada do jornal diário doutrinário de Healy é mantida no portal diário online <http://www.wsws.org>, e em outros jornais da esquerda trotskista, que tece comentários e opiniões sobre o mundo, traz a “consciência” de fora, como dando aulas para a classe, mas não sabe dar propriamente voz à classe trabalhadora para a sua auto-emancipação.

[10]. O grupo de Pierre Lambert, na França, a OCI (Organização Comunista Internacionalista), também afastou-se do Programa de Transição e pulou, assim como Healy, do esquerdismo para o oportunismo ao final da década de 1970. Nesse período são excluídos, afastados ou lançados no limbo muitos dos intelectuais de renome do partido, como Pierre Broué, Gerard Bloch, François Chesnais, JJ. Marie e Stéphane Just. A claque de sindicalistas e burocratas controlada por Pierre Lambert passa a ter o controle total. A adaptação à democracia burguesa e ao Partido Socialista de François Miterrand era a base do movimento que se processava (e a central sindical Force Ouvrière, terceira maior central francesa, dirigida em parte pelo grupo de Lambert, era necessária à estabilidade burguesa. Ela não aplicava as escalas móveis, e mantinha uma linha sindical reformista adaptada às reivindicações da burocracia sindical). Em 1980, a OCI passa a apoiar o governo do PS de Miterrand, e uma parte do grupo pratica entrismo no PS. Um dos principais militantes da OCI, Lionel Jospin, nesse processo, se torna conselheiro pessoal de Miterrand e, depois, Primeiro Ministro da França. No Brasil um movimento similar ocorreu: a OSI (Organização Socialista Internacionalista), que dirigia a corrente estudantil Libelu (Liberdade e Luta), seguindo a orientação internacional de Lambert (orientação aplicada, no Brasil, por Luis Favre) defende o entrismo no Partido dos Trabalhadores. A OSI fornecerá parte importante dos quadros do PT, como Luis Gushiken, Antonio Palocci, Clara Ant, Glauco Arbix, Luis Favre, e outros. Na França, a OCI mudará de nome para Parti des Travailleus (PT), como se encontra ainda hoje. Sobre o assundo, cf. o “dossiê sobre o lambertismo” na Revista Maisvalia n. 2, de 2008.

[11]. Cf. BENOIT, H. “O desenvolvimento (dialético) do Programa”. Op. Cit.