Por R. Padial
Esta é a terceira e última parte da crítica às posições eleitorais apresentadas pelo PSTU nestas eleições. Na primeira parte (veja aqui) buscamos mostrar como o PSTU realiza uma leitura equivocada da tese parlamentar da Internacional Comunista. Na segunda parte (veja aqui), mostramos como essa leitura equivocada levou o PSTU a apresentar uma série de medidas imediatas para uma “gestão socialista” que, do ponto de vista de Marx e Engels, não têm grande efetividade (ou conduzem ao contrário do que pretendem). Nesta parte do texto buscamos mostrar como a concepção de longo prazo do PSTU, propriamente estatista, contraria as posições dos clássicos do marxismo sobre o Estado.
Se os companheiros do PSTU tivessem limitado seu programa meramente às medidas imediatas (as analisadas na segunda parte deste texto), poderíamos dizer que seria uma possível leitura equivocada da tese parlamentar do Segundo Congresso da Internacional Comunista. Entretanto, agora, para além de pequenas reformas, vemos que é apresentada propriamente uma estratégia estatista. Assim se comprova que a essencialização do item 13 da tese da Internacional Comunista já era pré-condicionada por uma estratégia geral de não quebra do Estado.
No texto de “Propostas”, o PSTU defende a “estatização da saúde privada e a garantia de saúde 100% pública, gratuita e de qualidade para todos”; “a estatização do ensino privado”; “a estatização de todo o transporte público”; “a estatização do sistema financeiro” e “a reestatização das empresas e de todos os serviços privatizados”. Em suma, é a estatização ou reestatização de tudo, como via para o socialismo. O PSTU parece considerar que o Estado poderia ter algum papel na transição ao socialismo. Só isso justifica a ideia de que “estatizações” melhoram a vida da população e devem ser generalizadas. Entretanto, para Marx, o Estado não é neutro, não pode ser passado de uma mão a outra (da burguesia ao proletariado), não tem função na transição ao socialismo, as privatizações são um desenvolvimento capitalista dentro do próprio capitalismo, e nada mais se pode fazer com o Estado senão destruí-lo.
No Dezoito de Brumário (1851/52), em seu último capítulo, Marx explicava o que é a essência do Estado. Para ele, o Estado moderno é “um terrível corpo parasita, que enclausura o corpo da sociedade e entope todos os seus poros”. E diz mais, logo em seguida, sobre o que realizou o Estado moderno:
“Todo interesse comum foi imediatamente separado da sociedade e contraposto a ela como um interesse geral superior, arrancado da auto-atividade dos membros da sociedade e transformado em objeto da atividade do governo, desde a ponte, a escola e a propriedade comunal de uma aldeia, até as ferrovias, a riqueza nacional e as universidades da França.”
Note-se que até mesmo as escolas e as universidades, para Marx, num Estado moderno, são partes do controle e da opressão, contrapostas à sociedade. Eis por que, na sequência desse mesmo trecho, Marx argumenta que a tarefa genuína de uma revolução socialista não consiste em aperfeiçoar o Estado, mas em destruí-lo: “Todas as revoluções [anteriores, como a Francesa de 1789 e a Inglesa de 1648] aperfeiçoaram essa máquina em vez de quebrá-la”. Eis por que, também, em conhecida carta de 12 de abril de 1871 a Kugelmann, em meio à Comuna de Paris, Marx diz que
“a próxima tentativa da revolução francesa [a tentativa socialista] não consistirá mais em transferir a máquina burocrático-militar [estatal] de uma mão a outra, como até agora, mas de quebrá-la, e isso é a pré-condição de qualquer revolução efetiva (…)”.
É verdade que Marx defendeu em certo momento da vida a ideia de que o Estado teria uma função na transição ao socialismo. Basta ver as dez reivindicações estatistas apresentadas por ele e Engels ao final do capítulo II do Manifesto do Partido Comunista (1847/48). Ali, copiando a estratégia da Rev. Francesa de 1789, Marx e Engels achavam que o Estado seria útil na transição ao socialismo. Eles ainda não haviam compreendido que a transição ao socialismo exigia outro tipo de poder, contraposto ao Estado. Somente as experiências das revoluções de 1848/49 e de 1871 (Comuna de Paris) ensinaram a eles que a revolução proletária teria um caráter único; que, por seu novo conteúdo, ela exigia também uma nova forma de luta pelo poder. Em 1872 (um ano após a Comuna de Paris), para deixar claro a seus seguidores que o Estado não poderia ter qualquer função na transição ao socialismo, Marx e Engels escreveram o importante prefácio à edição alemã do Manifesto. Nele, dizem exatamente o seguinte, em autocrítica em relação às dez reivindicações contidas no Manifesto:
“não se deve atribuir de modo nenhum qualquer importância particular às medidas revolucionárias propostas no fim do capítulo II [as 10 reivindicações estatistas]. Essa passagem teria sido hoje, em muitos aspectos, redigida de modo diferente. Face ao imenso desenvolvimento da grande indústria nos últimos vinte e cinco anos e, com ele, ao progresso da organização do partido da classe operária; face às experiências práticas, primeiro da revolução de Fevereiro [de 1848], e muito mais ainda da Comuna de Paris [de 1871] – na qual pela primeira vez o proletariado deteve o poder político durante dois meses –, esse programa está hoje, em vários sentidos, antiquado. A Comuna, nomeadamente, forneceu a prova de que ‘a classe operária não pode simplesmente tomar posse da máquina de Estado [que encontra] montada e pô-la em movimento para seus objetivos próprios’.”
As últimas linhas são uma citação do texto que Marx escreveu, em nome da Primeira Internacional, analisando a Comuna de Paris (reunido depois no livro Guerra Civil na França). Assim, defender aquelas dez reivindicações do Manifesto e acreditar que o Estado tem papel na transição ao comunismo é fazer apagar da história e da experiência do proletariado a própria Comuna de Paris, que foi uma revolução contra o Estado. Lenin já protestou em sua época contra os que faziam isso. Escrevendo contra Kautsky, em O Estado e a Revolução Lenin o acusou de
“admitir a conquista do poder sem a destruição da máquina do Estado. Kautsky ressuscita em 1902 exatamente aquilo que em 1872 Marx declarou morto no programa do Manifesto Comunista.” (os grifos itálicos são de Lenin. O trecho está no capítulo “Polêmica de Kautsky com o oportunismo”)
Marx, em 1875 – três anos após o prefácio autocrítico do Manifesto –, escreveu contra os reformistas-estatistas seguidores de Ferdinand Lassalle, que na Alemanha influenciavam muitos dos autodenominados marxistas. Na já citada Crítica ao Programa de Gotha, Marx atacou violentamente a lógica dos lassalleanos, que tinham a seguinte concepção geral sobre a forma de nascimento da sociedade socialista: “Em vez de ‘emergir’ do processo revolucionário de transformação da sociedade, a ‘organização socialista do trabalho total’ [emerge] da ‘ajuda estatal’…”. Para Marx, os seguidores de Lassalle, com tais ideias, “demonstram que neles as ideias socialistas nem sequer são profundas, dado que, em vez de tratar a sociedade existente (…) como fundamento do Estado existente (…), tratam antes o Estado como um ser autônomo”. Os seguidores de Lassalle defendiam estatizações e acreditavam, diz Marx, que uma sociedade socialista poderia ser construída da mesma forma como um governo constrói uma estrada de ferro.
Engels, por sua vez, é tão ou mais taxativo que Marx, e insiste que deve-se abandonar o uso da palavra Estado vinculada a socialismo; deve-se parar de falar, de uma vez por todas, em estatizações, para parar de vez de criar confusões com os reformistas lassalleanos. Em carta a Bebel de 18/28 de março de 1875, escreveu Engels:
“Dever-se-ia abandonar todo discurso sobre o Estado, particularmente depois da Comuna, que já não era mais um Estado em sentido verdadeiro. (…). Portanto, propomos [Marx e Engels] colocar, em todos os lugares, em vez de Estado, a palavra Gemeinwesen [Comunidade], uma boa e velha palavra alemã, que equivale bem à palavra francesa Commune.” (itálicos nossos)
Os bens não devem ser do Estado – essa força superior e parasita –, mas da Comunidade. É isso que Marx e Engels recomendam. Não se deve exigir a “estatização” de nada, e sim a socialização dos meios de produção. Isso é o clássico marxista, que não dá brecha a concepções social-democratas e reformistas que encontram vias por dentro do Estado burguês. Quando Lenin usava a palavra “Estado” para se referir à ditadura do proletariado, ele tinha em mente outro Estado. Eis por que ele insistia que a Comuna de Paris era um Estado “de novo tipo”, cuja instituição passava necessariamente – como pré-condição – pela quebra do Estado atual.
Exigir “estatizações” hoje significa pura e simplesmente estatizar para o Estado atual, contrariando toda a estratégia revolucionária de Marx, Engels e Lenin!
Além disso, o PSTU parece não entender o porquê de algumas empresas serem estatais na sociedade capitalista. É um erro de caracterização sobre o que é o Estado e qual sua função no capitalismo. Para Marx, as estatizações, quando ocorrem, são produto de uma necessidade comum capitalista. Em situações onde há pouco desenvolvimento de capital ou pouca rentabilidade, os custos de determinadas empreitadas são socializados com o conjunto da população (sobretudo com a classe trabalhadora), até que tais empreitadas se tornem rentáveis. A determinada obra estatal, no médio e longo prazos, desenvolverá forças produtivas e criará possibilidades de rentabilidade para diversos capitais (seja naquele ramo direto, seja em ramos adjacentes ou vinculados). Para Marx, quando, depois de um determinado tempo, tal obra estatal vira rentável, é possível elevá-la à forma propriamente capitalista (ou seja, privatizá-la). Diz Marx, nos Grundrisse:
“O abandono dos trabalhos públicos pelo Estado e sua elevação [Übergehn] ao domínio das obras empreendidas pelo próprio capital [ou seja, a privatização] indicam o grau em que a comunidade real [a determinada região ou país] já se constituiu na forma de capital. Um país, por exemplo os Estados Unidos, pode sentir na própria esfera produtiva a necessidade de ferrovias; no entanto, a vantagem imediata que resulta para a produção pode ser muito pequena e o investimento tende a virar um fundo perdido. Então o capital o coloca [o investimento] sobre os ombros do Estado (…), tal trabalho geralmente é útil, e ao mesmo tempo cria as condições gerais de produção, portanto, não como uma condição especial para qualquer capitalista.” (Ver segunda seção dos Grundrisse, “o processo de circulação do capital”, item “Circulação do capital”)
Marx, sempre coerente com a estratégia de destruição do Estado, nunca considera que a estatização é uma medida socialista. Considera-a, pelo contrário, sempre uma medida capitalista. Para Marx, a discussão entre “coisa pública” ou “coisa privada” é completamente falsa. A perspectiva marxista está fora dessa falsa dicotomia, que somente interessa a capitalistas de matizes diferentes (liberais ou keynesianos). Não é papel dos socialistas gerir bem o Estado e estatizar o mundo, mas sim criar um poder operário paralelo, oposto ao Estado, que o derrube. Os revolucionários que defendem estatizações deveriam tentar responder por que os maiores “estatistas” brasileiros foram sempre ditadores que ferozmente perseguiram a a classe trabalhadora (Getúlio Vargas e os militares de 1964, por exemplo).
Quanto às propostas específicas de estatização apresentadas pelo PSTU, ao mesmo duas delas Marx tratou (e sempre criticamente): a estatização do ensino e a estatização do sistema financeiro. Na Crítica ao Programa de Gotha (1875), Marx atacou os seguidores de Lassalle, que queriam escolas para todos e instrução gratuita:
“‘Escolaridade obrigatória. Instrução gratuita’. A primeira existe até na Alemanha, a segunda na Suíça [e] nos Estados Unidos para escolas primárias. Se em alguns estados deste último [EUA] mesmo os estabelecimentos educacionais ‘superiores’ são ‘gratuitos’, isso significa apenas que as classes mais altas pagam seus custos de educação com o fundo comum dos impostos.”
No mesmo texto, Marx afirma ainda que a “educação popular pelo Estado” seria “totalmente rejeitável”; e que seria necessário, pelo contrario, “excluir igualmente o governo e a Igreja de toda a influência sobre a escola”. E mais: em vez de o Estado educar o povo, diz ele, “é o Estado que precisa da mais rude educação pelo povo”. Ou seja: é o povo que deve “educar” o Estado, quebrando-o violentamente.
Marx criticou diretamente também a reivindicação de “estatização do sistema financeiro”. O PSTU defende que o objetivo dessa estatização seria o seguinte: “financiar melhores condições à classe trabalhadora e à população, e não parasitar e sugar nossas riquezas como é hoje”. Trata-se de uma variação da ideia do Banco do Povo, apresentada por Proudhon ao final da década de 1840. Logo no artigo 2 do capítulo primeiro do estatuto desse Banco, pode-se ler: “Esta sociedade [o Banco do Povo] tem por objetivo organizar democraticamente o crédito”. No capítulo segundo, defende-se que “o Banco do Povo tem por base a gratuidade do crédito e da troca”. Marx submeteu a sérias críticas a fugaz aventura utópica de Proudhon (o Banco, que em seu artigo 7 fixava sua existência em no máximo 99 anos, durou menos de um).
Parte das críticas de Marx a tal concepção já foram apresentadas na parte 2 deste texto (quando comentamos as tentativas de meras mudanças na esfera da circulação, sem tocar na esfera da produção). Não só nos Grundrisse, mas também nos manuscritos preparatórios de O Capital do início da década de 1860, e no próprio O Capital (sobretudo capítulo 36 do Livro III) aparecem críticas ao Banco do Povo de Proudhon. Nos capítulos 27 e 36 do Livro III, Marx deixa claro que o crédito não é em si nenhum vilão, que sua função é a de elevar o capital à máxima potência, a de transformar o capital numa força social que supera os pequenos capitais privados. Nisso o crédito é sempre – disse Marx no capítulo 27 do Livro III – uma forma de abolição da propriedade privada dentro da sociedade capitalista. Assim, levando o capitalismo à última potência, o próprio crédito cria condições econômico-sociais para a revolução socialista. Mas nisso ele não se confunde abstratamente com a ação revolucionária do proletariado em transição a outra sociedade. Sobretudo não se confunde se se trata de uma ação a ser realizada pelo Estado burguês oficial. Escreve Marx, por exemplo, no capítulo 36:
“Não resta a menor dúvida de que o sistema creditício servirá como uma poderosa alavanca durante a transição do modo de produção capitalista ao modo de produção do trabalho associado; mas só como um elemento em conexão com outras modificações profundas e orgânicas do próprio modo de produção. Pelo contrário, as ilusões acerta do poder milagroso dos sistemas creditício e bancário, no sentido socialista, provêm de um total desconhecimento do modo capitalista de produção e do sistema creditício como uma de suas formas.” (o grifo itálico é nosso)
Quais seriam essas “outras modificações profundas”, com as quais o crédito poderia assumir o papel de alavanca na transição ao socialismo? Exatamente as formas de poder da classe trabalhadora, opostas ao Estado. É isso que Trotsky ensina no Programa de Transição, no qual a “estatização do sistema financeiro” aparece logicamente depois da criação de Comitês de Fábrica e depois do item Controle Operário Sobre a Indústria (ou seja, depois de serem criadas as formas duais de poder na indústria). O Programa de Transição, insistimos sempre, tem um desenvolvimento dialético. Não se pode pegar qualquer parte isolada e aplicar a qualquer situação. Não se pode pegar a noção de “Estado” apresentada no meio do texto, que significa poder paralelo, e achar que equivale ao Estado atual. Nesse Programa, o “Banco Único” que daria créditos baratos a fábricas parcialmente controladas pelo poder operário ou já expropriadas, bem como daria créditos baratos a pequenos lojistas (para ganhar a classe média para a revolução), não seria um banco propriamente “estatal”, mas um banco controlado pelo poder dos trabalhadores bancários ou já expropriado por ele. Trotsky insiste ao final do item que tal banco só pode funcionar na transição ao socialismo se o poder político sobre ele estiver nas mãos da classe trabalhadora, e não do Estado burguês.
Para finalmente terminar esta crítica a respeito da concepção de Estado do PSTU, notemos uma última coisa: às vezes aparece em seu texto a frase “estatização sob controle dos trabalhadores“. Diz o PSTU: “Pela reestatização, sob controle operário, das empresas entregues pelo Governo Federal”. E, pouco à frente: “Que os municípios lutem para a estatização do sistema financeiro, sob o controle dos trabalhadores“. Essa frase – “sob controle dos trabalhadores” – é apenas uma forma de mascarar ou camuflar o verdadeiro conteúdo da reivindicação (a “estatização” para o Estado atual). É uma forma de tentar dar um ar mais combativo, proletário ou radical a uma proposta burguesa. Tal procedimento é manjado e já foi criticado diretamente por Marx e Trotsky.
Marx, por exemplo, atacou os seus próprios supostos seguidores alemães, que se adaptavam ao lassalleanismo reformista-estatista, mas usavam essa frase – “sob controle dos trabalhadores” – para esconder tal adaptação. Na Crítica do Programa de Gotha, Marx zombou dos próprios “marxistas”, da seguinte forma:
“Por [um resto de] vergonha na cara, coloca-se (…) ‘sob controle democrático pelo povo trabalhador’ (…) mas ‘democrático’ em alemão significa ‘de domínio do povo’. Então, que significa ‘controle do domínio do povo pelo povo trabalhador’? E precisamente para um povo trabalhador que, por meio dessa reivindicação colocada ao Estado, expressa a sua completa consciência de que não está no poder nem está pronto para governar!”
A formulação, para Marx, é tão confusa, que só revela que seus seguidores não estão aptos a estar no poder. Trotsky, entretanto, é mais claro que Marx ao criticar a frase “sob controle dos trabalhadores” vinculada à ideia de estatização. Trotsky indica a raiz de classe dessa deformação no programa. Ensina ele que isso é parte do atrelamento da burocracia sindical ao Estado, e que tal reivindicação em nada está em conflito com o controle capitalista sobre os trabalhadores. Para ele, isso nada tem a ver com o verdadeiro controle operário da indústria, que só pode surgir da articulação de Comitês de Fábrica (ou seja, de formas duais de poder operário, formas paralelas, necessariamente contrapostas ao poder oficial, estatal e burguês). Explica Trotsky, num de seus últimos textos, “Os sindicatos na época da decadência imperialista” (1940):
“A administração das estradas de ferro, campos petrolíferos etc., sob controle das organizações operarias, não tem nada a ver com o controle operário da indústria, porque em última instância a administração se faz por meio da burocracia trabalhista, que é independente dos operários, mas que depende totalmente do Estado burguês. Essa medida tem, por parte da classe dominante, o objetivo de disciplinar a classe operaria fazendo-a trabalhar mais a serviço dos ‘interesses comuns’ do Estado, que superficialmente parecem coincidir com os da própria classe operaria. Na realidade, a tarefa da burguesia consiste em liquidar os sindicatos como organismos da luta de classes e substituí-los pela burocracia, como organismos de dominação dos operários pelo Estado burguês”. (grifo itálico nosso)
Assim, a raiz de tal deformação seria a própria burocracia sindical, atrelada ao Estado, dependente de suas verbas e seus impostos. E tal reivindicação levaria apenas ao aprofundamento do fim da independência da classe trabalhadora. Seria tal deformação burocrática que determinaria todo o programa do PSTU, levando inclusive à leitura equivocada das teses parlamentares da Internacional Comunista? Seria ela a responsável pelo caráter nacionalista muitas vezes defendido pelo PSTU (a ideia de “soberania nacional”)?
Apesar de todas essas sérias diferenças aqui expressas, neste ano a Transição Socialista declarou voto crítico no PSTU (veja aqui). Fizemos isso considerando 1) nosso próprio tamanho; 2) que o PSOL é hoje um partido morto para o socialismo, completamente submetido ao cretinismo parlamentar, ao petismo e ao reformismo oportunista (e seria melhor que os socialistas ainda lá dentro saíssem); e 3) que o PSTU tem honestos lutadores pela causa socialista, com quem travamos luta conjunta e podemos debater aberta e seriamente ideias como as deste texto.
Votamos no PSTU criticamente com a esperança de que a conjuntura explosiva que se abre permita um desenvolvimento desse partido rumo a uma estratégia propriamente comunista, ou seja, de destruição do Estado pela via da criação do poder proletário. O necessário, acima de tudo, é o retorno ao Programa de Transição de Trotsky, que contém claramente a estratégia da dualidade de poderes. Trata-se do programa de fundação da IV Internacional, não de qualquer texto secundário. É o texto escrito por Trotsky ao final da vida para orientar ao mesmo tempo todas as seções da IV Internacional. Sem esse programa, não se pode falar de trotskismo de fato. A crise do movimento trotskista consiste exatamente no afastamento desse programa, que leva necessariamente à adaptação às concepções social-democratas, reformistas, estatistas.
Companheiros do PSTU: a conjuntura exige de nós outra estratégia de luta! A conjuntura será o fiel da balança, indicando quanto e se os agrupamentos de esquerda estão avançando à altura das necessidades. A conjuntura, portanto, definirá se o PSTU cumprirá ou não um possível papel de aglutinador de um novo pólo revolucionário. A falência do sistema político, a reconfiguração dos partidos no Brasil, o salto completo do PSOL ao oportunismo, tudo isso deixa um grande espaço vazio para os revolucionários crescerem. O PSTU, dado seu tamanho, poderia desempenhar um papel de aglutinador de algo novo. Mas tudo depende de saber o quanto será capaz de avançar na modificação de seu programa. Se avançar timidamente, mais em discurso do que na prática, a rearticulação terá de se dar totalmente por fora do PSTU, com riscos ainda maiores de a oportunidade histórica ser perdida.