Os termos esquerda e direita na política têm origem na Revolução Francesa. Num processo que foi marcado pela formação da Assembleia Nacional em 1789, sua substituição pela Assembleia Legislativa em 1791, pela convocação da Convenção Nacional em 1792, pela tomada do poder pelos Jacobinos em 1793, pelo golpe de Napoleão em 1794 e pelo período da Restauração entre 1814 e 1815. Os deputados ficaram marcados pelos lugares que escolheram sentar: à direita do presidente da Assembleia, ficavam os defensores da monarquia, contrários à revolução; à esquerda os simpatizantes da revolução, e favoráveis à república.
Essa, porém, era só a superfície do processo. Na sua base, estava a passagem da antiga sociedade feudal para a nova sociedade capitalista. Nesse tempo de transição, a burguesia era considerada como parte da massa do povo, e era do seu interesse lutar contra os privilégios das classes que sustentavam o antigo regime. A nova sociedade aparecia como um único bloco diante da antiga. É daí que vem a confusão: no exato nascimento do termo esquerda, ainda não estavam claras as diferenças de interesse entre a massa dos trabalhadores explorados, e os líderes do processo revolucionário à época, a burguesia democrática. É sobre essa indeterminação que se apoiam hoje aqueles que desejam manter a confusão sobre o significado de esquerda.
O capitalismo desenvolveu a grande indústria. O motor a explosão, a máquina a vapor, permitiram um o surgimento de novas formas e meios de produção. Pela primeira vez, a capacidade de produção da humanidade atingiu níveis que permitiam a elevação do padrão de vida de grandes massas das sociedades. As novas relações capitalistas destruíram antigos preconceitos e desaguaram em novos modos de vida. Junto com a grande indústria, floresceu um numeroso proletariado, primeiro urbano, e depois rural.
Logo, porém, ficou claro que o desenvolvimento da indústria não levaria indefinidamente ao desenvolvimento das condições de vida dos trabalhadores. Muito rapidamente, as relações de propriedade se esbarravam com as possibilidades do proletariado, que se encontrava em desvantagem: as jornadas de trabalho ultrapassavam as 15 horas diárias, e os salários eram insuficientes para repor a saúde perdida na fábrica. Ao se erguerem contra essas condições extremas, os trabalhadores entraram em choque com os antigos líderes da revolução. Estavam separados de maneira irreconciliável os interesses dos trabalhadores, à esquerda, e o dos burgueses, à direita.
No final dos anos 1840, a sociedade capitalista viu pela primeira vez um fenômeno não muito diferente do que passamos hoje no mundo. Uma crise econômica combinada a monarquias despóticas fez eclodir uma série de levantes espontâneos e não coordenados pela Europa. O mundo testemunhava revoltas em que se misturavam reivindicações democráticas, republicanas, liberais, nacionalistas e até incipientemente socialistas. Por volta de 1848, porém, veio a reação liderada pela aliança entre a grande burguesia e as monarquias européias para dar um basta ao período que ficou conhecido como Primavera dos Povos.
A mistura de reivindicações era resultado do caráter pouco claro da divisão de interesses das lideranças. Participaram dos levantes burgueses reformadores; pequenos comerciantes, artesãos e outras classes médias das cidades; e trabalhadores. Monarquias absolutistas foram derrubadas, e nasceram aí rudimentos de luta contra o desemprego e pela limitação das horas de trabalho, mas essas conquistas logo foram ameaçadas e abafadas pela reação: a burguesia apresentou uma nova forma de governo autoritário, e o proletariado se viu desarmado diante dela, pois tinha ficado a reboque das confusões e ilusões das classes intermediárias entre ele e a burguesia: a pequena-burguesia. Entre a esquerda e a direita, revelava-se uma posição que oscilava ora para um lado, ora para outro.
mposto progressivo. Distribuição de renda. Humanismo. Educação Pública. Reforma Agrária. Durante o curso das lutas do século XIX, o proletariado aprendeu a duras penas que essas reivindicações não eram revolucionárias por si mesmas. Pelo contrário, quanto mais elas ocupavam papel central, mais a luta se enroscava nas ilusões da pequeno-burguesia democrática. As lideranças dessa camada social tomavam a frente, se permitiam cair em ilusões quanto ao papel da democracia no capitalismo, à natureza da exploração no regime da propriedade privada, e à função do estado, e entregavam a luta para ser derrotada pela repressão e pelos regimes autoritários da burguesia.
Pela experiência da repressão e da ditadura, o proletariado aprendeu que o estado não é neutro. Pelo contrário, ele é um instrumento de concentração da violência nas mãos burguesia. Sempre que é preciso, essa violência é chamada para manter a dominação no local de trabalho. O estado é uma ferramenta de dominação, então os trabalhadores só podem contar com as suas próprias forças. A luta pela emancipação passa centralmente pelo fim da dominação onde a riqueza é produzida, isto é, pelo controle dos meios de produção por quem trabalha neles diretamente. O estado que garante a exploração do proletariado não é uma casca oca e neutra que pode ser preenchida: a tomada do poder político coincide com o desmonte dessa forma de estado – o Estado Burguês.
Os governos dos estados europeus disputam mercados e território entre si. O conflito desemboca em guerras, em que o proletariado dos diversos países é chamado a morrer no campo de batalha para garantir os negócios da sua burguesia nacional. A covardia dos governantes, a desagregação econômica, o sofrimento dos trabalhadores e dos soldados fazem com que a guerra seja a parteira da revolução. Cansados, eles resolvem finalmente tomar o destino em suas mãos. O proletariado do mundo tem duas experiências clássicas nesse sentido: a Comuna de Paris de 1871, e a Revolução Russa, de Outubro de 1917.
A Comuna foi o primeiro ensaio, e a Revolução de Outubro a primeira confirmação de que aquela forma de organização social do trabalho era possível a nível nacional. O estado burguês é desmontado. Ele dá lugar a outra forma, realmente democrática, em que, a partir de organizações de base (os chamados Sovietes), toda a produção nacional é reorientada não mais para servir ao lucro de poucos, mas às necessidades da maioria. Seus representantes são eleitos e revogáveis a qualquer momento, pelo voto universal direto em assembléia. O trabalho e as necessidades em torno dele, como creches, educação, alimentação, são organizados pelos próprios trabalhadores. A partir dessas experiências, ser de esquerda verdadeiramente significa defender a tomada do poder e a socialização dos meios de produção pelos trabalhadores.
Foi por um triz. Houve outros processos em que o proletariado se ergueu até as portas da revolução. Os Soviets, ou conselhos, não surgiram espontaneamente apenas na Rússia. No coração da Europa outras revoluções chacoalharam o mundo capitalista, como na Itália e na Alemanha. Porém, elas foram derrotadas e a Rússia Soviética ficou isolada. Com o isolamento político e econômico, a revolução estagnou. Diante da escassez de produtos, filas passaram a ser lugar comum. Onde há uma fila, há um burocrata, e logo essa burocracia aparelhou o estado operário e passou a deformá-lo, para manter seus pequenos privilégios. A política soviética passou a ser hegemonizada pelo interesse da pequena burguesia. Era questão de tempo que fosse aberta guerra contra os revolucionários. Uma nova revolução proletária, em qualquer lugar do planeta, poderia abrir uma situação em que seu poder fosse ameaçado, e a burocracia passou a agir para evitar revoluções, selando um acordo com as burguesias ao redor do mundo.
Assim, toda uma série de concepções que já tinham sido superadas pela luta foi trazida de volta, para bloquear e esconder a história da esquerda que havia levado pela primeira vez o proletariado ao poder. A política dos stalinistas, os representantes da burocracia, levou ao fim da União Soviética e à restauração do capitalismo nos países do leste europeu, mas as defesas de conciliação com a burguesia nacional se espalharam como uma praga muito antes disso. Hoje, compõem a retórica dos partidos que se pintam de vermelho para melhor enganar o trabalhador e contaminam as práticas das organizações que se pretendem revolucionárias, de forma tal que muitas pessoas acreditam que todo esse entulho são ideias de esquerda.
Resistindo à mais brutal das perseguições, à difamação e à calúnia, a falsos processos e tribunais, aos fuzilamentos, ao assassinato de militantes por agentes infiltrados, ao ataque combinado dos reformistas, dos stalinistas e dos burgueses, o programa revolucionário ainda existe. Nesse momento, em que a burguesia guia de olhos vendados o mundo em direção à catástrofe, a única chance para a humanidade é fazer com que esse programa volte para a mão dos trabalhadores.