Transição Socialista

Lukács e a práxis revolucionária

Fernando Dillenburg

Este artigo é parte integrante da dissertação de mestrado defendida em agosto de 2006 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

Introdução

O filósofo marxista Georg Lukács produziu uma extensa obra a respeito de questões relacionadas à dialética marxista. Pouco estudados no mundo inteiro, os textos lukacianos são, no entanto, bastante difundidos no Brasil. Aliás, o o Brasil está entre os países em que mais se estuda a obra de Lukács. Em-bora a influência de Lukács no Brasil se concentre mais na instância acadêmica, os lukacianos têm um bom trânsito em vários partidos de esquerda, como o PSol e o PSTU, apesar de não terem hegemonia em nenhum deles. A influência do lukacianismo em partidos ditos “trotskistas” nos leva a esclarecer o verdadeiro papel desempenhado por Lukács no interior do marxismo.

Analisar a obra teórica de Lukács, no entanto, não é suficiente. Pensamos que para estudar um autor marxista é fundamental estabelecer a relação entre a sua obra teórica e sua prática na luta de classes. Afinal, Marx mostrou com o exemplo de sua própria vida que o marxismo é práxis revolucionária, ou seja, é uma unidade indissociável entre a teoria e a prática[1]. Marx não nos legou apenas uma vasta obra teórica; não nos deixou somente um programa do proletariado revolucionário; além disso, deixou-nos o exemplo de sua própria vida, vida dedicada inteiramente a um projeto histórico de negação determinada da sociedade capitalista.
Com base nisso, pensamos que uma análise séria de qualquer autor marxista pressupõe a consideração tanto de suas contribuições teóricas quanto de seu envolvimento prático na luta de classes. É por essa razão que, ao analisarmos, nesse artigo, o marxista húngaro Georg Lukács, procuraremos sempre estabelecer uma relação entre sua obra teórica e a sua trajetória política. Comecemos, portanto, pelo jovem Lukács.


O Jovem Lukács: um anti-capitalista romântico

Lukács teve o primeiro contato com O Capital em 1908. No entanto, isto não foi suficiente para tirar aquele jovem de 23 anos do pessimismo e do desespero que o afligiam ao perceber o caos criado pelo capitalismo, por um lado, e as extremas dificuldades da realização da revolução, por outro. Por isso, as obras de Lukács do período entre 1908 de 1916 são carregadas de uma nostalgia em busca de uma vida autêntica e da dicotomia entre a verdadeira vida —onde reinariam valores absolutos— e a vida empírica —totalmente corrompida [2]. Em 1910, Lukács mudou-se de Florença para Heidelberg a fim de participar do Círculo de Max Weber. O impacto da sociologia de Weber sobre Lukács foi admitido por ele próprio algumas décadas mais tarde [3]. Até aqui ele nunca tinha participado de alguma atividade política, o que veio ocorrer somente depois da I Guerra Mundial e da Revolução Russa.


O dirigente político (1919-1929)

A adesão de Lukács ao bolchevismo

A Revolução Russa de outubro de 1917 e o o retorno à Hungria, em 1918, daqueles que tinham sido enviados a I Guerra — muitos dos quais tinham se tornado comunistas — chamou a atenção de Lukács, que já tinha nesta época 32 anos. No entanto, a atitude de Lukács diante dos comunistas foi extremamente ambígua. Sua indecisão fica evidente no artigo intitulado O bolchevismo como problema moral, publicado em novembro de 1918, no qual ele expressa sua simpatia pelos revolucionários, mas questiona, ao mesmo tempo, o fato do bolchevismo colocar os homens perante um dilema ético insolúvel, expresso nas seguintes perguntas: “pode-se atingir o que é bom através de maus procedimentos? Pode-se chegar à liberdade pela via da opressão?”[4]. Ele próprio afirma que não. Para ele, a conquista da liberdade se daria por meio de uma “luta lenta, que trabalha a alma daquele que assume até o fim a democracia”[5].

Depois de questionar um dos princípios do marxismo, o princípio segundo o qual a violência da luta de classes é inevitável numa sociedade baseada no capital [6], Lukács tomou uma decisão surpreendente, até mesmo para os seus amigos Max Weber, Ernest Bloch, Simmel, Mannheim: apenas um mês depois de ter escrito este artigo, Lukács ingressou no Partido Comunista Húngaro, filiado à III Internacional. Ninguém melhor que o próprio Lukács para comentar este curioso episódio. Na última entrevista que concedeu antes de morrer, Lukács disse que “é preciso dizer, e há mesmo um documento neste sentido, que aderi ao Partido Comunista só depois de certa hesitação. É uma história curiosa, mas na realidade são coisas que sucedem. Mesmo tendo idéias perfeitamente claras sobre o papel positivo da violência na história e mesmo não tendo tido jamais nada a objetar aos jacobinos, no momento em que me defrontei com a questão da violência, no sentido de dever favorecê-la através de minhas atividades pessoais, resultou que a teoria na cabeça de um homem não coincide exatamente com a prática. Foi necessário um certo processo, em novembro, para que eu, em meados de dezembro [de 1918], pudesse aderir ao Partido Comunista”[7].

A extraordinária virada ocorrida no percurso do jovem Lukács que resultou na sua adesão ao Partido Comunista Húngaro foi comentada por sua amiga Anna Lisznai como sendo “uma conversão entre dois domingos: Saulo tornou-se Paulo” [8].

Vice-Comissário do Povo

Quatro meses depois do ingresso de Lukács no PCH, a monarquia húngara foi derrubada e substituída pela República Húngara dos Conselhos, dirigida pelo Partido. No dia 21 de março de 1919 o novo e vacilante membro do Partido foi nomeado Vice-Comissário do Povo para a Cultura e a Educação Popular, cargo equivalente a Ministro da Cultura [9]. A nomeação de alguém com posições extremamente vacilantes como as de Lukács coloca em dúvida a consistência do novo governo [10]. Em 1971, o próprio Lukács admite a fragilidade do partido e dele mesmo, ao afirmar que “a cultura marxista, até mesmo em gente como eu que tinha lido Marx, era muito escassa. De resto, ninguém havia tido experiências no movimento, muito menos experiências revolucionárias, e acrescentemos que, ainda que com isso me distancie da posição ortodoxa, a maturidade política daqueles que vinham de Moscou foi tremendamente superestimada (…) Naquilo que me diz respeito, posso dizer que entrei no partido totalmente despreparado e que, sob este aspecto, no partido não aprendi absolutamente nada” [11].

Diante destas condições subjetivas, era inevitável que a frágil República dos Conselhos não resistisse ao ataque da Entente. Ela não durou mais do que cinco meses, caindo em 6 de agosto de 1919. Em setembro Lukács exilou-se na Áustria.

Depois da derrota, o ultra-esquerdismo

Depois dessa breve e catastrófica experiência política, Lukács passou a defender posições ultra-esquerdistas. Num artigo publicado em 1920, ele defendeu que os Conselhos Operários seriam “as organizações ofensivas do proletariado revolucionário, que deve-riam existir sempre de forma clandestina, [pois] a legalidade aniquila-os (…) Onde é possível constituir um conselho operário (ainda que no âmbito mais modesto), o parlamentarismo é supérfluo (…) O parlamento é um instrumento particular da burguesia, [podendo, no máximo, transformar-se numa] arma defensiva do proletariado” [12].

Lênin fez duras críticas a esse artigo, afirmando que “o artigo de G. L. é muito esquerdista e muito ruim. Seu marxismo é puramente verbal; a diferença entre as táticas ‘defensiva’ e ‘ofensiva’ é imaginária; carece de análise concreta de situações históricas bem definidas; o essencial (a necessidade de conquistar e aprender a conquistar todas as esferas de trabalho e todas as instituições onde a burguesia exerce sua ifluência sobre as massas, etc.) não é levado em consideração” [13].

Em 1967, Lukács admitiu que “na época da República Húngara dos Conselhos, estávamos todos — eu também, eu sobretudo, talvez —intelectualmente muito pouco preparados para assumir essas grandes tarefas (…) Quase nada conhecíamos da teoria da revolução de Lênin, os desenvolvimentos novos e essenciais que ele trouxera ao marxismo nestes domínios” [14].

Em 1929, o Comitê Central do PCH propôs que Lukács redigisse as teses para o II Congresso do partido. Este documento ficou conhecido como as Teses de Blum [15].

As teses de Blum

Nas Teses, Lukács defendeu a realização da ditadura democrática do proletariado e do campesinato na Hungria, afirmando que “o programa aprovado pelo VI congresso mundial, inclui, corretamente, a Hungria entre aqueles Estados onde o problema da ditadura democrática desempenha um papel decisivo diante da passagem à revolução do proletariado” [16].

Lukács manteve esta posição até o final da vida. Assim, em 1967, ele diz: “mesmo na hipótese de uma crise do regime de Horthy tão profunda que criasse as condições objetivas de uma convulsão radical, uma passagem direta à república dos conselhos não era possível. Eis porque a palavra-de-ordem legal da república devia ser concretizada no espírito do que Lênin chamava em 1905 a ditadura democrática dos operários e dos camponeses” [17].

Esta fórmula, criada por Lênin em 1905, baseava-se na suposta necessidade de uma etapa democrática da revolução, que prepararia as condições objetivas para a futura implementação da ditadura do proletariado.18 No entanto, Lênin superou-a no início de 1917, conseguindo assim fazer do Partido Bolchevique o partido dirigente da Revolução de Outubro. Nas cartas sobre tática, escritas entre 8 e 13 de abril de 1917, Lênin afirmou:
aqueles que atualmente não falam senão da ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato atrasam sua vida; passam devido a esse fato, praticamente, à pequena-burguesia, e merecem ser relegados aos arquivos das curiosidades bolcheviques pré-revolucionárias —aos arquivos dos ‘velhos bolcheviques’, poder-se-ia dizer [19].

Em abril de 1919, Lênin foi ainda mais claro na superação da fórmula da ditadura democrática, se aproximando da noção dialética de transição, ao observar que a Revolução de Outubro representou um “salto por cima da democracia burguesa” [20]. A palavra-de-ordem da ditadura democrática do proletariado e do campesinato estava definitivamente sepultada pelo processo avassalador da Revolução Russa [21].

A noção de transição da revolução democrática à revolução socialista por meio da construção de um duplo poder não é de autoria de Trotsky nem de Lênin. Marx e Engels já haviam levantado esta proposta em 1850. Eles defendiam que ao lado dos novos governos oficiais, os operários deverão constituir imediatamente governos operários revolucionários, seja na forma de comitês ou de conselhos municipais, seja na forma de clubes operários ou de comitês operários, de tal modo que os governos democrático-burgueses não só percam imediatamente o apoio dos operários, mas também se vejam desde o primeiro momento fiscalizados e ameaçados por autoridades atrás das quais se encontre a massa inteira dos operários [22].

Então, se para Marx e Engels era possível a passagem ininterrupta da revolução democrática à revolução socialista na Alemanha em 1850, se para Lênin o mesmo era possível na Rússia em 1917, porque, afinal, não seria possível a passagem direta da monarquia à república dos conselhos na Hungria de 1929? Lukács se esquiva de responder a esta pergunta. Em 1967, ele diz apenas que “não cabe aqui tratar mais a fundo estas questões” [23], admitindo, no entanto, que isso não havia sido devidamente explicado nas Teses de Blum, pois, segundo ele, “a exposição [das teses] não era nem suficientemente concreta nem suficientemente firme nos seus princípios, que era devido a ter eu atenuado e tratado de modo excessivamente geral muitos pormenores para melhor fazer aceitar o essencial do conteúdo” [24].

Portanto, cabe aqui a pergunta: o que significa defender, como fez Lukács, a fórmula da ditadura democrática após a experiência da Revolução de Outubro na Rússia? Significa não seguir as noções programáticas de Marx e Engels expostas em 1850, significa não seguir a experiência do proletariado revolucionário russo dirigido pelo partido de Lênin.

Assim, apesar da vasta obra teórica a respeito da dialética, Lukács foi incapaz de aplicá-la à prática nos momentos decisivos da luta de classes. Nesse caso, Lukács aproximou-se dos velhos bolcheviques, aproximou-se de todos aqueles que se mantiveram presos a esquemas fixos, não acompanhando Lênin na arte de dirigir o proletariado.

A repercussão das Teses de Blum

Na época em que Lukács escreveu as Teses de Blum, a Internacional Comunista havia adotado uma linha ultra-esquerdista, considerando a social-democracia alemã como sua principal inimiga, como a irmã-gêmea do fascismo [25]. A resistência que as Teses de Blum enfrentaram na III Internacional foi devido ao descompasso em relação ao zigue-zague tático característico da política stalinista, que sempre oscilou entre o oportunismo e o ultra-esquerdismo. Os stalinistas diriam que as Teses de Blum deveriam ter sido lançadas no Segundo Período, o período de refluxo das massas. No entanto, elas apareceram somente no chamado Terceiro Período, o período de acirramento da luta de classes [26]. Na verdade, tanto a dissolução capitulacionista do PC chinês no Cuomintang, quanto a posição ultraesquerdista na Alemanha serviram igualmente para levar o proletariado à derrota.

No entanto, as reviravoltas táticas do stalinismo, que já haviam provocado várias derrotas do proletariado mundial, não pararam por aí. Após a ascensão de Hitler em janeiro de 1933, a III Internacional abandonou o ultra-esquerdismo e passou a defender a política de frente popular, que, segundo Celso Frederico, não é nada mais do que um retorno às propostas de Lukács apresentadas nas Teses de Blum [27].

Na mesma direção se inclinam vários outros estudiosos da obra de Lukács. José Paulo Netto afirma que Lukács teria sido, no caso da política de frente popular, o precursor do stalinismo. Ele diz que “desde as vésperas da crise de 1929 e, portanto, muito antes da viragem que se opera no VII Congresso do Comintern [1935], Lukács já perdera as esperanças sobre a possibilidade de liquidar a curto prazo a dominação burguesa e extraíra daí amplas conseqüências táticas e estratégicas, tornando-se um coerente ideólogo da política de frente popular avant la lettre” [28].

Para Netto, Lukács não foi apenas o precursor teórico da política de frentes populares, mas um militante que continuou trabalhando na fundamentação teórica da política stalinista. Ele observa que: “quando esta política [de frentes populares] é implementada no movimento operário revolucionário, a partir de 1935, ela encontra Lukács apetrechado para fundamentá-la teórica e ideologicamente — e nesta fundamentação localiza-se o travejamento básico da sua atividade nos anos trinta e quarenta [29]”.

E acrescenta Netto: “Lukács condensou, em face do fenômeno stalinista, a oposição de princípio possível para um intelectual que escolheu travar a sua luta por dentro do movimento comunista real” [30] (grifos do autor).

O discípulo de Lukács, István Mészáros, segue este mesmo raciocínio. Ele considera que embora Lukács tenha feito críticas a alguns aspectos particulares da concepção stalinista, nunca chegou a romper com este. Segundo Mészáros, “Lukács oferece uma crítica metodológica geral ao stalinismo, sem entrar nas questões substantivas da estratégia stalinista do ‘socialismo em um só país‘, que ele aceita até o fim, sem reservas” [31] (grifos do autor).

Cliff Slaughter também considerava Lukács um stalinista convicto e seu precursor teórico em alguns aspectos. Ele diz que “longe de ter sido um anti-stalinista disfarçado, Lukács, como hoje se vê claramente, foi um teórico que caminhou um passo à frente de Stalin na revisão que se tornou inevitável da teoria marxista” [32].

Mas cabe perguntar: que consequências a política de frente popular proposta por Lukács trouxe à luta do proletariado? Nos vários países onde foi aplicada pelos partidos comunistas, a frente popular se mostrou uma política catastrófica [33]. E, afinal, o que fez Lukács depois da derrota das Teses de Blum?


A falsa autocrítica: o abandono da atividade política

Ao ver derrotadas as suas teses tanto no Partido quanto na Internacional, Lukács fez uma autocrítica, admitindo publicamente seu erro. No entanto, segundo ele próprio, essa autocrítica é falsa, pois ele tinha convicção de que as teses eram corretas. Em 1967 ele afirmou textualmente que fingiu ter revisto suas posições para sobreviver no interior do stalinismo: “logo que eu soube de fonte segura que Béla Kun preparava a minha expulsão do partido como ‘liquidacionista’ renunciei a prosseguir a luta (pois conhecia a influência de Béla Kun na Internacional) e publiquei uma ‘autocrítica’. É certo que estava então firmemente convencido da correção do meu ponto de vista, mas também sabia (pensando, por exemplo, em Korsch) que a expulsão do partido significava a impossibilidade de tomar parte ativa na luta contra o fascismo ameaçador. Considerei a minha autocrítica o preço dessa participação, uma vez que não queria nem podia militar mais no movimento húngaro” [34].

E conclui afirmando: “a pouca sinceridade desta autocrítica é evidente. O conteúdo teórico das Teses de Blum constituiu término secreto da minha evolução, sem que eu, naturalmente, tivesse tido na época o mínimo pressentimento disso (…) [Com as teses] os meus anos de aprendizagem do marxismo podiam considerar-se encerrados” [35].

Portanto, Lukács defendeu até o final de sua vida a posição dos velhos bolcheviques, aquela da necessidade da realização de uma etapa democrático-burguesa, que serve somente para bloquear a revolução socialista. Isso foi o máximo alcançado por ele do ponto de vista político-programático. Ele ficou, assim, aquém do Lênin das Teses de abril e do Trotsky de 1905 e, evidentemente, aquém de Marx e de Engels.

Ao comentar a respeito da importância das Teses de Blum para a obra madura de Lukács, Sérgio Lessa confirma, talvez sem perceber, os limites de seu mestre. Ele afirma que “a idéia central desse importante texto — a defesa de uma ‘ditadura democrática do proletariado e do campesinato’ e da ruptura com o isolamento da classe operária, alçada à condição de herdeira da melhor tradição da humanidade e não meramente retratada como criadora da nova cultura operária — seria recorrente na obra futura do filósofo húngaro” [36].

Portanto, a democracia burguesa continuou a ser o programa estratégico de Lukács até o final da vida, apesar da retórica socialista. É o que ele diz claramente numa entrevista concedida em setembro de 1966: “(…) uma palavra-de-ordem eficaz e um ponto de união de todas as forças deve ser a transformação da democracia fictícia, que existe em todos os lugares, em uma democracia efetiva (…) Creio que nos próximos anos essa questão da democracia se revestirá de uma importância imensa” [37] (grifo do autor).

Depois da derrota das Teses de Blum, Lukács passou a se dedicar ao estudo da estética, área mais neutra e menos conflitante. No entanto, ele nunca abandonou suas posições políticas fundamentais, como veremos a seguir.


As posições do Lukács maduro

Lukács sempre defendeu abertamente a possibilidade de construir o socialismo em um só país. Ele afirma que “a luta pelo poder foi decidida em favor de Stalin entre a morte de Lênin e 1928. A questão: ‘pode o socialismo sobreviver, se só puder ser realizado num só país?’ ocupava o centro da luta ideológica. Stalin venceu, e temos que dizer que venceu — apesar das muitas medidas que tomou nas lutas partidárias concretas —principalmente porque seu ponto de vista era o único sustentável, o único que proporcionava direção e perspectiva para a construção do socialismo no momento em que se encerrava a onda revolucionária mundial” [38].

Ele manteve esta posição até o final da vida. Em 1962 Lukács defendeu esta tese num pronunciamento feito na mesa redonda internacional organizada pelo periódico Nuovi Argomenti durante o XXII Congresso do Partido Comunista Soviético, dizendo que: “já que a onda revolucionária que tinha se desencadeado em 1917 passara sem instaurar uma ditadura do proletariado estável também em outros países, era preciso enfrentar resolutamente o problema da construção do socialismo em um só país (já que a União Soviética era um país atrasado). Nesse período Stalin se revelou um estadista notável e que via longe. Sua enérgica defesa da nova teoria leninista quanto à possibilidade do socialismo em um só país, contra os ataques de Trotsky, representou, como não se pode deixar de reconhecer hoje, a salvação da revolução soviética.” [39] (grifo nosso).

Para espanto de muitos [40], Lukács fez esta afirmação mesmo depois da morte de Stalin (5/3/1953), do levante da Alemanha Oriental (1953), da Revolução Húngara (1956) e sobretudo, depois da autocrítica feita pela própria direção stalinista, expressa no discurso de Kruschev durante o XX Congresso do Partido Comunista Soviético (1956) [41]. O anacronismo de Lukács se tornou flagrante, pois ele se manteve até o final da vida defendendo a política do socialismo em um só país, que se mostrou totalmente absurda. O que Lukács não mencionou é que o “notável estadista” Stalin só se manteve no poder falsificando a história para tentar construir uma suposta identidade com Lênin, além de levar a cabo uma repressão brutal e o assassinato de valiosos dirigentes bolcheviques.

Mas, afinal, teria Lênin defendido a política do socialismo em um só país, como afirma Lukács? [42] Na verdade, Lênin nunca defendeu a possibilidade do socialismo se manter em um só país. Ao contrário, sempre colocou o futuro da União Soviética na dependência da revolução mundial. No III Congresso da III Internacional realizado entre os dias 22 de junho e 12 de julho de 1921, Lênin disse: “compreendíamos perfeitamente que a vitória da revolução era impossível [em nosso país] sem o apoio da revolução internacional. Tanto antes como depois da Revolução, pensávamos: ou a revolução irrompe imediatamente — ou pelo menos muito em breve — em outros países, nos países mais desenvolvidos do ponto de vista capitalista, ou então estaremos condenados a perecer” [43].

E em outro artigo escrito um ano depois: “ainda não temos conseguido or-ganizar os fundamentos da economia socialista e as forças hostis do capitalismo moribundo podem arrebatá-las de nós. [Admitimos isso] porque temos reconhecido e repetido a verdade elementar do marxismo, que para a vitória do socialismo é necessário o esforço conjunto dos operários de vários países avançados” [44].

Portanto, Stalin e Lukács tentaram falsificar a história conferindo a Lênin a autoria da teoria do socialismo em um só país, e de maneira similar, atribuindo a teoria da Revolução Permanente a Trotsky. Na verdade, a teoria da revolução per-manente não é uma teoria trotskista. No Manifesto Comunista Marx e Engels já observavam que a revolução nos países atrasados dependia da revolução nos países avançados. Afirmam que “a ação comum do proletariado, pelo menos nos países civilizados, é uma das primeiras condições para sua emancipação” [45] e que a revolução russa poderia “constituir-se no sinal para a revolução proletária no Ocidente” [46]. Da mesma forma, em 1850, eles reafirmam essa idéia dizendo que “o primeiro ato revolucionário [dos operários alemães] que se avizinha coincidirá com o triunfo direto da sua própria classe na França, o qual contribuirá para o acelerar consideravelmente (…) Seu grito de guerra há de ser: a revolução permanente” [47].

Assim, fica evidente que a tese do socialismo em um só país considerada por Lukács e por Stalin como uma concepção leninista foi, na verdade, uma revisão stalinista dos princípios funda-mentais de Marx e de Engels, aqueles da teoria da revolução permanente, re-tomados por Trotsky desde 1905. Mas o apoio de Lukács ao stalinismo não se restringiu à instância teórica, estendendo-se também ao âmbito militante, ao admitir, em certa medida, a repressão stalinista dirigida contra os próprios camaradas bolcheviques, naqueles som-brios episódios que ficaram conhecidos como os processos de Moscou.


Os processos de Moscou

Os Processos de Moscou ocorreram entre 1936 e 1938 e levaram ao extermínio de quase todos os dirigentes da Revolução de Outubro e suas famílias, o mesmo ocorrendo com a absoluta maioria dos membros do Comitê Central do Partido Bolchevique do período de 1917-1923, com os três secretários-gerais da organização do período 1919-1924, e com 108 dos 139 membros do CC designado pelo próprio Stalin, em 1934 [48].
Nesta época, Lukács estava vivendo em Moscou, onde ficou até o final da II Guerra Mundial [49]. Em Moscou ele aderiu à campanha de Stalin contra a Rapp, uma Associação Russa dos Escritores Proletários presidida pelo trotskista Averbach. A campanha teve como objetivo neutralizar Averbach e transferir a direção da Associação a pessoas de confiança de Stalin. Averbach foi assassinado durante os processos de Moscou [50].

Ao comentar o caso de Averbach, Lukács diz, de maneira surpreendente, quase cínica, que teria assumido uma posição de neutralidade em relação aos processos de Moscou [51]. Em outro momento da mesma entrevista, ele assumiu uma posição claramente pró-Stalin, contradizendo sua aparente neutralidade. Nessa passagem, Lukács não apenas defende o stalinismo, mas se considera parte integrante: “hoje estamos no papel de Robespierre, embora o processo contra Danton, se analisado em termos jurídicos, não fosse muito melhor do que o processo contra Bukharin” [52] (grifo nosso). Em seguida ele afirmou que não considerava correta a comparação entre Bukharin e Danton, pois Danton nunca tinha traído ou abandonado a república, como Robespierre o havia acusado. No entanto, segundo Lukács, “no que diz respeito aos acusados dos processos, esta situação não se repetiu em termos tão nítidos” [53]. Ou seja, segundo Lukács, os acusados teriam, ao contrário de Danton, traído e/ou abandonado a URSS. O que é isto senão a justificativa da violência dos processos contra os dirigentes bolcheviques Como se vê, a posição de Lukács não tem nada de neutralidade.

Em outro trecho da entrevista ele chega a admitir que a sua defesa de Stalin estava relacionada a preservação de sua própria vida. Ele diz: “mas na perspectiva de um emigrado húngaro que vivia na Rússia de então, considero-a compreensível” [54]. Mas afinal, qual terá sido a opinião de Lukács a respeito de Trotsky, aquele que foi o principal opositor de Stalin?

Trotsky e os trotskistas

Na entrevista citada acima, Lukács iniciou os ataques a Trotsky de uma maneira bastante subjetiva, carregada de psicologismo, dizendo que conheceu Trotsky no III Congresso da Internacional Comunista e que ele não lhe foi nada simpático, que Trotsky e os trotskistas não lhe agradavam de modo nenhum.55Em seguida ele determina sua crítica ao trotskismo, comentando qual foi, segundo ele, o papel deste na luta contra Hitler: “(…) o trotskismo, e aqui incluo também Zinoviev, Kamenev e Bukharin, não podia ser entendido naquele tempo senão como uma possibilidade de mobilizar, nas lutas contra Hitler, a opinião pública americana e inglesa contra a União Soviética. (…) E não podíamos esperar o aniquilamento de Hitler por parte do Ocidente, mas somente pelos soviéticos” [56].

Portanto, depois de ter aberto o caminho para a ascensão de Hitler [57], Stalin seria agora, segundo Lukács, o único capaz de livrar a humanidade do tirano alemão. Lukács não comenta que sob o pretexto de derrotar Hitler, Stalin dissolveu a III Internacional em 1943, em meio a II Guerra Mundial, num momento de extrema fragilidade da burguesia internacional [58]. Ao contrário de Lênin, que soube aproveitar muito bem um momento de instabilidade mundial causado pela I Guerra, Lukács apoiou a política traidora de Stalin, que se aliou à setores do capital internacional e liquidou da III Internacional, que já vinha, aliás, num processo acelerado de degeneração desde a década de 1930 [59].

Baseado no exposto até aqui, poderíamos perguntar se as posições políticas de Lukács não estariam determina-das, em grande parte, desde a ascensão de Stalin, pela tentativa de garantir sua própria segurança pessoal e sua existência de intelectual pequeno-burguês? Ao contrário de Marx — que, com vimos,60 dedicou sua vida à revolução, vincula-do-se diretamente à dura e perigosa luta pela direção da classe operária — Lukács procurou um caminho mais fácil: tentou equilibrar-se como um crítico interno ao stalinismo e, como muitos daqueles considerados marxistas “ocidentais”, restringiu-se a uma tranquila carreira acadêmica [61].

Se considerarmos, como Benoit, que a obra madura de Marx, “enquanto crítica da Economia burguesa, nada mais é do que a sistematização teórica da consciência de classe da classe operária, ou seja, da consciência desenvolvida pela e na própria luta de classes” [62], questionamos se seria coerente para um marxista abandonar, como fez Lukács, a esfera da política e se refugiar nos estudos sobre cultura, literatura e arte? Marx assumiu por completo a responsabilidade levantada por ele próprio na XI Tese sobre Feuerbach [63]. Será que Lukács levou tão a sério quanto Marx esta proposição? Pensamos que não. Prova disto é que ele não considerou de modo algum o seu afastamento das atividades políticas como um problema. Em 1967, referindo-se à derrota das Teses de Blum, ele afirmou que “a partir daí pude renunciar a carreira política com a consciência tranqüila e concentrar-me de novo na atividade teórica. Nunca me arrependi desta decisão” [64].


[1] Desde muito jovem, aos 24 anos de idade, Marx já enfrentou a repressão governamental. Em janeiro de 1843, como diretor do jornal Gazeta Renana, ele escreveu um violento artigo contra o absolutismo russo e a conivência do governo de Berlim com a política externa russa. O jornal foi fechado pela censura três meses depois. Marx foi para Paris e editou, junto com Arnold Ruge, a revista Anais Franco-Alemães. A revista não passou do primeiro número, pois grande parte de seus exemplares foi apreendida nas fronteiras da Prússia e da Bavária. Em junho de 1844 participou de reuniões dos tecelões insurrectos na Silésia, contato que teve uma importância decisiva na vida Marx, levando-o à ruptura definitiva com todas as suas antigas posições influenciadas pelo jovem hegelianismo, inclusive Feuerbach. Três anos mais tarde, em dezembro de 1847, Marx e Engels já participavam do congresso de fundação da Liga dos Comunistas, à frente da qual dirigiram o proletariado durante da revolução de 1848. Após a derrota do proletariado—sempre enfrentando todas as conseqüências decorrentes da atividade revolucionária, como enormes privações econômicas que levaram à morte de quatro de seus filhos e o exílio que durou até o final de sua vida — Marx participou, ao lado de Engels, da construção da Associação Internacional dos Trabalhadores, que ficou conhecida posteriormente como I Internacional. Ao mesmo tempo em que contribuía na construção das organizações proletárias, Marx se dedicava à elaboração dos esboços de sua obra da maturidade: O capital.

[2] Cfe. KONDER, L. “Rebeldia, desespero e revolução no jovem Lukács. In: Temas de ciências humanas, nº 2, México: Grijalbo, 1977, p. 63. Algumas das obras publicadas por Lukács neste período são: A forma dramática, A alma e as formas, Observações sobre a teoria da história literária, Cultura estética, Teoria do romance e Da pobreza do espírito.

[3] No posfácio à História e consciência de classe escrito em 1967, Lukács afirmou que sua primeira leitura d’O capital foi profundamente influenciada pelas “lentes metodológicas de Simmel e Max Weber”. Ele diz que nesta época o que lhe interessava era “o Marx ‘sociólogo’”. LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Estudos de dialética marxista. Porto: Escor-pião, 1974, p. 350. Em 1933 ele já havia afirmado que por volta de 1910 Marx era para ele o mais competente entre os economistas e os “sociólogos”. LUKÁCS, G. “Meu caminho para Marx”. In: CHASIN, J. (Org.) Marx hoje. São Paulo: Ensaio, 1988, p. 121.

[4] LUKÁCS, G. “O bolchevismo como problema moral.” Citado por FREDERICO, C. Lukács: um clássico do século XX. São Paulo: Moderna, 1997, p. 8.

[5] Idem. Ibidem.

[6] No capítulo XXIV de O capital, Marx afirma que “a conquista, a subjugação, o assassínio para roubar, em suma, a violência, desempenham o principal papel” na acumulação originária do capital. Marx descreve a origem do capitalismo como a combinação de vários processos históricos que provocaram a separação absoluta dos trabalhadores dos meios de produção. No entanto, segundo Marx, a violência da luta de classes, além de um pressuposto, é um fenômeno que se aprofunda cada vez mais na sociedade capitalista. Nesse sentido ele diz: “tão logo a produção capitalista se apóie sobre seus próprios pés, não apenas conserva aquela separação, mas a reproduz em escala sempre crescente”. MARX, K. O capital. Crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984, vol I., pp. 261-262.

[7] LUKÁCS, G. “Diálogo sobre o ‘Pensamento vivido’ (última entrevista de Lukács) extratos”. In: CHASIN, J. (Org.) Revista Ensaio. São Paulo: Ensaio, 1986, nº 15-16, pp. 31-32.

[8] Citado por LÖWY, M. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: a evolução política de Lukács (1909-1929). São Paulo: Lech, 1979, p. 139.

[9] A respeito da participação de Lukács no governo, Celso Frederico comenta que “durante a curta duração do regime revolucionário (apenas 133 dias), Lukács enfrentou o batismo de fogo da prática política. A política deixava de ser um imperativo da consciência moral e o pensador idealista, recém-convertido a um marxismo mal assimilado, estava às voltas com a tarefa de intervir na ‘árida realidade’”. FREDERICO, C. Op. cit., p. 10. Na mesma direção, Leandro Konder observa que “até dezembro de 1918, Lukács nunca tinha feito política e carecia, portanto, de um conheci-mento real interno da atividade política. A política era para ele o mero lugar onde se deveriam traduzir de-terminadas opções éticas, as mediações específicas do plano político se dissolviam numa subordinação integral e imediata à ética”. (grifos do autor) KONDER, L. Op. cit., p. 68.

[10] Lênin, observador atento do movimento operário internacional, não deixou de perceber os problemas da situação húngara e demonstrar suas preocupações. Numa carta endereçada diretamente a Bela Kun, secretário-geral do recém criado PCH, Lênin pediu que ele lhe dissesse quais as garantias efetivas de que “o novo governo húngaro é, na realidade, um governo comunista e não simplesmente socialista, que dizer, social-traidor. Os comunistas representam a maioria no governo? Quando será realizado o congresso dos sovietes? Em que consiste na realidade o reconhecimento da ditadura do proletariado pelos socialistas?” LÊNIN, V.I. “Radiograma enviado a Bela Kun”. In: Obras completas. Madrid: Akal, 1978, tomo XXXI, p. 93.

[11] LUKÁCS, G. “Diálogo sobre o ‘Pensamento vivi-do’”. Op. cit., pp. 32-33.

[12] LUKÁCS, G. “A questão do parlamentarismo”. Citado por FREDERICO, C. Op. cit. p. 10. Este artigo foi publicado na revista Kommunismus, sediada em Viena, na qual Lukács era co-editor.

[13] LENIN,V.I. “Kommunismus”. In: Obras completas. Op. cit., tomo XXXIII, p. 259. Na última entrevista concedida por Lukács, em 1971, ele comentou este fato, dizendo que “Lênin disse muito asperamente a sua opinião a respeito do meu artigo sobre o parlamentarismo (…) Lênin me considerava como um simples extremista de esquerda”. LUKÁCS, G. “Diálogo sobre o ‘Pensamento vivido’. Op. cit., p. 47″.

[14] LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Op. cit., p. 352.

[15] Blum era o pseudônimo de Lukács no Partido Comunista Húngaro.

[16] LUKÁCS, G. “Teses de Blum (Extrato) A ditadura democrática”. In: CHASIN, J. et alii (Org.) Revista Te-mas de ciências humanas. São Paulo: Lech, 1980, nº 7, pp. 19-20.

[17] LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Op. cit., p. 369. Miklós Horty foi o regente na monarquia restabelecida no dia 1º de março de 1920 pela Assembléia Nacional.

[18] Em junho-julho de 1905, Lênin afirmou que “a dita-dura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato é, sem dúvida, só um objetivo transitório e temporário dos socialistas, mas passar por cima do período da revolução democrática é algo francamente reacionário”. LÊNIN, V.I. “Dos tácticas de la social-democracia en la revolución democrática”. In: Obras completas. Op. cit., tomo IX, p. 81.

[19] LÊNIN, V.I. “Cartas sobre táctica”. In: Obras completas. Op. cit., tomo XXIV, p. 460.

[20] Lênin disse: “talvez não nos enganemos se dissermos que precisamente a contradição entre o atraso da Rússia e o ‘salto’ que se deu até a forma mais alta de democracia, passando por cima da democracia burguesa para chegar à democracia soviética ou proletária (…) foi uma das causas que dificultaram ou retardaram a compreensão do papel dos sovietes no Ocidente” (grifos nossos) LÊNIN, V.I. “La Tercera Internacional y su lugar en la historia”. In: Obras com-pletas. Op. cit., tomo XXXI, pp. 176-177. Citado por TROTSKY, L. A revolução permanente. São Paulo: Kairós, 1985, p. 108.

[21] Esta observação foi feita por Trotsky, que disse: “graças à sua amplitude, a experiência bolchevique de 1905-1917 fechou definitivamente a porta à ‘ditadura democrática’. Sobre essa porta, o próprio Lênin colocou a inscrição: ‘Condenada’”.  TROTSKY, L. A revolução permanente. Op. cit., p. 104.

[22] MARX, K. & ENGELS, F. “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas”. In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa Omega, volume 1, p. 88.

[23] LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Op. cit., p. 370.

[24] Idem. Ibidem.

[25] Trotsky discordava completamente desta caracterização. Ele disse que “o fato de todos os partidos burgueses, do fascismo à social-democracia, colocarem a defesa da dominação burguesa acima de suas divergências de programa não suprime, entretanto, nem a diferença destes partidos, nem a luta entre si, nem a nossa obrigação de tirar proveito dessa luta”. TROTSKY, L. Revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: Laemmert, 1968, p. 103. Ele observou que, ao igualar a social-democracia ao fascismo, o Partido Comunista Alemão, sob orientação da III Internacional stalinista, perdeu uma extraordinária oportunidade histórica de aproximar, na luta contra o fascismo, milhões de operários social-democratas aos operários comunistas e derrotar Hitler antes que ele chegas-se ao poder. Trotsky comenta que os bolcheviques enfrentaram uma situação semelhante em agosto de 1917, quando Kornilov tentou derrubar o governo de Kerensky. Os bolcheviques lutaram junto com os operários e soldados mencheviques e socialistas-revolucionários na defesa do governo provisório, para derrubá-lo meses depois. Segundo Trotsky, a disposição de luta dos bolcheviques foi fundamental para que os operários e soldados dos outros partidos passassem a reconhecer neles a vanguarda revolucionária, rompendo com os seus antigos partidos e aderindo ao bolchevismo. Portanto, Trotsky discordava tanto do programa mínimo de Lukács que propunha uma ditadura democrática quanto do programa máximo ultra-esquerdista da III Internacional. Para ele, o problema só pode ser resolvido por meio de um pro-cesso dialético-transitório que conduza o proletariado ao poder, processo dirigido e impulsionado pela agitação de um sistema de reivindicações transitórias. Cfe. TROTSKY, L. “Programa de transição—A agonia do capitalismo e as tarefas da IV Internacional”. In: A questão do programa. São Paulo: Kairós, 1979, p.76. Ver também artigo de BENOIT, H. “Sobre o desenvolvimento (dialético) do programa”. In: Revista Crítica marxista, nº 4, São Paulo: Xamã, 1997.

[26] Trotsky discordava completamente desta terminologia, que, para ele, era própria de burocratas centristas. Nesse sentido ele diz: “repelimos a apreciação apocalíptica do ‘terceiro’ período considerado como o último. O número de períodos até a vitória do proletariado é uma questão de relação de forças e de mudanças de situação; tudo isso só pode ser verificado pela ação. Condenamos o próprio conteúdo do esquematismo estratégico com os seus períodos numerados; não existe uma tática abstrata, estabelecida de antemão para o ‘segundo’ ou o ‘terceiro’ período”.TROTSKY, L. Revolução e contra-revolução. Op. cit., p. 50.

[27] Celso Frederico afirma que a III Internacional, “sob a orientação do revolucionário búlgaro Dimitrov (…) passou a adotar a política das frentes populares, que, de certa forma, possuía afinidades com as idéias expostas nas Teses de Blum”. FREDERICO, C. Lukács: um clássico do século XX. Op. cit. p. 21.

[28] NETTO, J.P. “Lukács e a problemática cultural da era stalinista”. In: Temas de ciências humanas. São Paulo: Lech, nº 6, 1979, p. 46.

[29] Idem. pp. 46-47.

[30] NETTO, J.P. “Georg Lukács: um exílio na pós-modernidade”. In: LESSA, S. & PINASSI, M.O. Lukács e a atualidade do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 81. Outros comentadores da obra de Lukács seguem uma direção contrária, caracterizando-o como um severo crítico do stalinismo. É o caso de Nicolas Tertulian, que afirma que “longe de ser um defensor do ‘socialismo stalinista’, Lukács era, muito pelo contrário, um de seus adversários mais resolutos”. TERTULIAN, N. “Lukács hoje”. In: LESSA, S. & PINASSI, M.O. (Org.) Lukács e a atualidade do mar-xismo. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 39.

[31] MÉSZÁROS, I. Para além do capital. Rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 477. Citado por BENOIT, H. “Uma teoria de transição aquém de qualquer além?” In: Revista Crítica marxista, nº 16, São Paulo: Boitempo, março/ 2003, p. 162.

[32] SLAUGHTER, C. “Um homem para todas as cir-cunstâncias: Lukács”. In: Marxismo, ideologia e lite-ratura. Rio de Janeiro. Zahar, 1983, p. 114.

[33] Ao analisar a experiência das revoluções na Espanha e na França durante a década de 1930, Trotsky afirmou que a Frente Popular representa uma aliança do proletariado com a burguesia imperialista, aliança esta que acaba submetendo os operários à burguesia. TROTSKY, L. “La revolución española y la táctica de los comunistas”. In: La revolución española. El Puente, pp. 62-63; e TROTSKY, L. “Frente popular e comitês de ação”. In: Aonde vai a França? São Paulo: Desafio, 1994, p. 117. Na Espanha, particularmente, a frente popular consistiu num pacto firmado em 14 de janeiro de 1936 entre o Partido Comunista Espanhol, os partidos republicanos e outros partidos (Partido Obrero de Unificación Marxista [POUM], Partido Socialista, Partido Sindicalista de Pestana), a Unión General de Trabajadores (UGT) e as Juventudes Socialistas. Essa coalizão conduziu Largo Caballero ao poder, que decretou e realizou, segundo Pierre Broué, “a dissolução efetiva dos comitês revolucionários e a liquidação da situação de ‘duplo poder’ criada como resposta à insurreição popular”. BROUÉ, P. “Trotsky y la guerra civil española”. In: TROTSKY, L. La revolución española. El Puente (Coleção La Pluma—I), pp. 19-21. Trotsky comenta que com a política de Frente Popular, Stalin “rechaçou o programa bolchevique e, com ele, os sovietes, enquanto formas necessárias para a iniciativa das massas”. TROTSKY, L. “Lección de España, último aviso”. In: Écrits, tomo III, pp. 548-Citado por BROUÉ, P., Op. cit., p. 31.

[34] LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Op. cit., p. 370. Citado também por NETTO, J.P. “Lukács e a problemática da era stalinista”. Op. cit., p. 46.

[35] Idem. Ibidem.

[36] LESSA, S. & PINASSI, M.O. “Georg Lukács: uma breve biogrfia”. In: Lukács e a atualidade do marxismo. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 187.

[37] HOLZ, H.H., KOFLER, L. & ABENDROTH, W. Conversando com Lukács. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p. 170.

[38] LUKÁCS, G. “Art and society”. In: New Hungarian Quarterly, vol. XIII, 1972, pp. 48-49. Citado por SLAU-GHTER, C. Op. cit., p. 111.

[39] Mais tarde, o pronunciamento de Lukács durante o Congresso foi transcrito, transformando-se no docu-mento intitulado “Carta sobre o stalinismo”. LUKÁCS, G. “Carta sobre o stalinismo”. In: Temas de ciências humanas. São Paulo: Grijalbo, nº 1, 1977, p. 3.

[40] MÉSZÁROS, I. Op. cit., p. 477; SLAUGHTER, C. Op.cit., p. 108.

[41] É claro que esta autocrítica é muito duvidosa, pois seria uma ilusão imaginar que os stalinistas abandonariam sua tradição e passariam a defender um programa transitório pela tomada do poder. No entanto, foram justamente estas supostas mudanças no interior do stalinismo após a morte de Stalin que impressionaram alguns trotskistas, como Michel Pablo, que passou a considerar determinados setores do stalinismo recuperáveis, supondo que estes poderiam ainda cumprir um papel revolucionário, o que ocasionou a ruptura entre os pablistas e o Comitê Internacional da IV Internacional (CIQI) em 1953.

[42] Stalin também tentou atribuir a Lênin a autoria da teoria do socialismo em um só país. Ao criticar a teoria da revolução permanente, ele disse que ela descartava, como regra geral, “a teoria leninista da revolução sobre a vitória do socialismo num só país” (grifo nosso) STALIN, J.V. “La revolución de octubre y la tactica de los comunistas rusos”. In: Obras. Edicio-nes en lenguas estranjeras, tomo 6, 1953, p. 392.

[43] LÊNIN, V.I. “Informe sobre la táctica del PCR. III Congresso de la Internacional Comunista”. In: Obras completas. Op. cit., tomo XXXV, p. 383. Citado por TROTSKY, L. A revolução permanente. Op. cit., p. 127.

[44] LÊNIN, V.I. “Notas de un publicista”. In: Obras completas. Tomo XXXVI, p. 165. Trotsky tinha a mes-ma posição de Lênin, ao afirmar que “o verdadeiro desenvolvimento da economia socialista na Rússia não era possível senão depois da vitória do proletariado nos países da Europa”. TROTSKY, L. “El programa de paz”. Citado por STALIN, J.V. Op. cit., pp. 394-395.

[45] MARX, K. & ENG0ELS, F. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo, 1998, p. 72.

[46] Idem, p. 56.

[47] MARX, K. & ENGELS, F. “Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas”. Op. cit., p. 92.

[48] TROTSKY, L. Programa de transição. Op. cit., nota nº 10.

[49] Lukács mudou-se da Alemanha para Moscou dois meses depois de Hitler tornar-se chanceler do Reich, em 30 de janeiro de 1933. Perguntamos se a permanência de Lukács em Moscou durante os processos não seria uma prova irrefutável de sua adesão ao stalinismo. Ou será que alguém contrário a Stalin sobreviveria em plena União Soviética durante a década de 1930?

[50] Cfe. depoimento do próprio Lukács em “Diálogo sobre o ‘Pensamento vivido’”. Op. cit., p. 56.

[51] Ele diz: “não se pode dizer que nós [os emigra-dos na URSS] não desaprovássemos os processos no plano tático. Neste ponto éramos neutros”. Idem, p. 65.

[52] Idem. p. 64.

[53] Idem. Ibidem.

[54] Idem. p. 66.

[55] Idem. Ibidem.

[56] Idem. pp. 64 e 67.

[57] Cfe. nota nº 26.

[58] Vários autores comentam que Stalin dissolveu a III Internacional para provar sua lealdade a seus possíveis aliados (Estados Unidos e Inglaterra) na luta contra Hitler. Nesse sentido, Pierre Broué cita Firtsov em sua comunicação ao colóquio de La Chaux-de-Fonds, Suíça. Firtsov afirma que “a pressa manifestada por Stalin para a publicação da resolução sobre a dissolução do Comintern atesta que ele era guiado não pelos interesses dos partidos que procuravam realmente obter uma total independência, mas por outros motivos, a saber, seu desejo de instaurar boas relações com os EUA e seus aliados na coalizão anti-Hitler. É nesta época que o embaixador estadunidense Davies recebeu instruções de seu governo, que incluíam, entre outras orientações, a de pressionar pela dissolução do Comintern”. Broué observa que a dissolução do Comintern apareceu na primeira fileira das exigências feitas a Stalin pela diplomacia esta-dunidense, expostas numa carta de William Bullitt ao presidente Roosevelt em 31 de janeiro de 1943. Bullitt foi o primeiro embaixador dos EUA na União Soviética, ocupando este cargo entre 1933 e 1936. Broué conclui que “parece que Stalin ficou muito ansioso em dar a Churchill e a Roosevelt garantias quanto as suas intenções ‘não revolucionárias’ e que a dissolução do Comintern—que não o incomodava, mas, ao contrário, lhe facilitava a tarefa—era verdadeiramente uma concessão fácil a ser feita. A pressa de Stalin é confirmada no fato dele nem sequer ter esperado a resposta de todas as 41 seções filiadas à Internacional, anunciando precipitadamente a dissolução no dia 28 de maio de 1943 ao correspondente da Reuters em Moscou. A imprensa estadunidense comemorou o fato: o News & Observer anunciou que “o mundo respira melhor” desde “o fim da loucura de Trotsky”; O Hartford Courante urra de alegria: “A Terceira Internacional morreu! O sonho de Marx terminou!” O Buffalo Evening News escreve um elogio fúnebre: “Assim termina o Comintern, fundado em 1918 (!) por Lênin e Trotsky para fomentar a revolução mundial”; O Philadelphia Evening Bulletin vê em Stalin um homem de Estado realista: “Stalin fez bem ao retirar toda aparência de uma tolerância de sua parte na Rússia por esta organização subversiva”. BRUOÉ, P. História da Internacional Comunista. 1919-1943. São Paulo: Sundermann, 2007, p. 1013-1014. Ver também CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista. São Paulo: Global, 1985-1986, vol. I.

[59] Em 1935, por ocasião do VII Congresso do Comintern, Trotsky já denunciava o processo de liquidação da III Internacional. Ele afirma que “o VII Congresso do Comintern (…) passará para a história, cedo ou tarde, como o congresso de liquidação do Comintern. Mesmo que seus participantes não admitam, estão se dirigindo—com essa unanimidade obrigatória que tem sido característica geral da III Internacional nos últimos anos—para a liquidação do programa, dos princípios e dos métodos táticos estabelecidos por Lênin e estão preparando a abolição total do Comintern como organização independente”. TROTSKY, L. “El congreso de liquidación de la Comintern”. In: Escritos. Colômbia: Pluma, 1979, tomo VII, vol. 1, p. 127. Como previu Trotsky, este foi o último congresso da III Internacional antes da dissolução, ocorrida em maio de 1943. Em 1933 Trotsky já havia proposto a ruptura com a III Internacional. Dirigindo-se aos camaradas da Oposição de Esquerda Internacional, ele disse: “é hora de romper com esta caricatura moscovita de Internacional. É impossível responsabilizar-se politicamente, nem mesmo minimamente, pelos stalinistas. Fomos muito prudentes e pacientes a respeito do Comintern, mas há limites para tudo. Agora que Hitler chegou ao poder perante o mundo inteiro, sus-tentado de um lado [pelo social-democrata] Wels e de outro por Stalin; agora que, apesar da catástrofe, o Comintern declarou que sua política é infalível, nenhuma pessoa sensível pode manter esperanças em reformar esta camarilha”. TROTSKY, L. “Es imposible permanecer en la misma ‘Internacional’ com Stalin, Manuilski, Lozovski y Cia. Una conversación”. In: Es-critos. Op.cit., tomo V, vol. 1, pp. 19-20. Um mês de-pois, no dia 26 de agosto de 1933, Trotsky propôs a criação da IV Internacional, afirmando que “a situação do capitalismo mundial, a tremenda crise que impôs às massas trabalhadoras uma miséria sem precedentes, o movimento revolucionário das massas coloniais oprimidas, o perigo mundial do fascismo, a perspectiva de um novo ciclo de guerras que ameaça destruir a cultura da humanidade: tais são as condições que exigem categoricamente a fusão da vanguarda proletária numa nova (Quarta) Internacional”. (grifo do au-tor) TROTSKY, L. “La declaración de los cuatro. Sobre a necesidad y los principios de una nueva Internacional”. In: Escritos. Op. cit., tomo V, vol. 1, p. 75. Lukács, como vimos, estava ao lado de Stalin.

[60] Ver nota nº 2.

[61] ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 140. Perry Anderson considera que o trabalho de Trotsky é o pólo oposto tanto do stalinismo quanto do marxismo ocidental. Idem, pp. 136-137.

[62] BENOIT, H. “Sobre a crítica (dialética) de O capital. In: Revista Crítica marxista, nº 8, São Paulo: Xamã, 1996. Nesse mesmo sentido, Anderson afirma que “Marx procurou constantemente, depois de 1848, apresentar seu pensamento da forma mais simples e lúcida possível, a fim de maximizar sua inteligibilidade pela classe operária, à qual se destinava”. ANDERSON, P. Op. cit., p. 80.

[63] Marx afirmou: “os filósofos só interpretaram o mundo de diferentes maneiras, mas o que se trata é de transformá-lo” (grifos do autor) MARX, K. “Teses sobre Feuerbach”. In: A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 97.

[64] LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Op. cit., p. 371.