Diante da situação das montadoras brasileiras, que alegam estagnação no mercado mas seguem lucrando, precisamos dar voz para o chão de fábrica. Quem vive na pele a exploração conta o outro lado da história.
Se o empresário quer reduzir a produção, que reduza! Pra nós a solução é reduzir a jornada sem reduzir o salário e sem demitir companheiros.
Não somos contra as paradas da produção, mas contra os descontos do seguro desemprego e as demissões. Se as montadoras precisam parar a produção, o problema é delas. Não podemos perder o seguro e o emprego por conta disso, afinal a GM, com seus lucros bilionários, pode muito bem pagar os trabalhadores parados em casa.
A seguir, entrevista com operário da GM de Gravataí, Rio Grande do Sul.
A situação da fábrica da GM de Gravataí era de férias coletivas. Quantos operários foram envolvidos?
A parada aqui na GM foi do dia 10 até dia 26 de junho. Entramos em férias coletivas em torno de 5 mil trabalhadores nesse período. Porém, antes da parada das férias a GM já estava adotando vários dayoffs, né? Então já faz um tempinho que vem tendo algumas paradas.
No início do ano também houve férias coletivas aí. Os jornais burgueses anunciaram muitas vezes que a GM estava assim por causa dos semicondutores, mas teve vez que a empresa também passou “por parada técnica para que a linha de produção recebesse atualizações”. Que atualizações foram essas?
As últimas atualizações que a GM aqui de Gravataí teve foi na parada da pandemia em 2020, na última parada as atualizações deles foi de aumentar o processo produtivo. Antes da pandemia nós produzíamos 64 unidades por hora, e depois que voltamos da pandemia temos capacidade de produção e produzimos entre 72 e 74 unidades por hora. Eles só fizeram os reajustes no processo de robótica que tinham alguns gargalos na linha de produção para ter mais capacidade de produzir. Então, só aumentou o trabalho pra nós, porque sair de 64 para 74 unidades por hora dá um acréscimo de 10 unidades, e não teve mais contratação de outros trabalhadores para dividir esse trabalho a mais, então aumentou o grau de exploração.
Férias em Gravataí e Layoff em SJC-SP. As justificativas são mercado desaquecido. É lorota? Qual seria a solução pra manter os empregos e salários em dia?
Não, não é lorota, de fato, nos últimos 2 ou 3 anos, as vendas de automóveis novos tem baixado, mas, a grande questão é que nos últimos 5 anos as montadoras tiveram, em média, um reajuste nos automóveis novos de 85%, e o nosso salário não acompanhou isso e continua miserável. Então, as montadoras continuam lucrando bastante, mesmo vendendo pouco, porque elas estão vendendo por um preço maior o veículo, um preço bem mais alto!
Pelo contrário, elas não estão deixando de ganhar, estão produzindo menos, com menos custo operacional, e com um valor maior por unidade, comparado ao preço que eram vendidos há 4 ou 5 anos atrás… praticamente dobrou o valor do automóvel zero, elas não estão tendo prejuízo, né?! Justamente porque foi reajustado em 85% os preços dos veículos novos.
A gente acha que essa questão de layoff é complicada, porque o trabalhador que é colocado em layoff utiliza o recurso do FAT que é o Fundo de Amparo ao Trabalhador, que seria o seguro desemprego em caso de demissão, aí depois que é utilizado esse dinheiro do seguro-desemprego no layoff, quando o trabalhador volta pra empresa e ela o demite, ele sai com uma mão na frente e outra atrás, isso porque já utilizou o seu seguro-desemprego.
Então, de fato, as empresas não perdem, porque elas não arcam praticamente com nada. Pra empresa é um baita negócio botar um turno de layoff e continuar trabalhando com outro turno ou dar layoff pros dois turnos. Enfim, a gente acha que uma uma solução para isso seria diminuir a jornada de trabalho sem diminuir o salário, fazer jornadas reduzidas de 3 ou 4 dias de trabalho na semana, isso seria uma alternativa para enfrentar a baixa demanda de carros novos no mercado.
Como as medidas do governo que supostamente iriam recair para maior produção de carros populares foram recebidas pelo chão de fábrica?
A galera no chão de fábrica não acredita que essas medidas do governo de incentivo à compra de carros novos vai alterar muita coisa no volume de produção na fábrica, isso porque mesmo com incentivo de 5 ou 10 mil de diminuição no valor dos carros novos ainda continuam sendo valores bem altos, bem abusivos, e só uma fração muito pequena da sociedade consegue adquirir esses carros novos. Então, a galera acha que essa crise perdurará por algum tempo, essa crise de consumo de carros novos, porque a grande maioria da população não é bem remunerada, não recebem um salário que seja possível de adquirir carros novos. O carro popular para o trabalhador é o carro usado, o único que ainda é possível para o trabalhador comprar, mas se continuar dessa forma não será possível nem comprar o carro usado, e acho que essa situação ainda vai durar algum tempo.