Transição Socialista

A popularidade de Lula na encruzilhada

Diante do tarifaço de Trump e dos tiros no pé da família Bolsonaro, a popularidade de Lula voltou a crescer, embalada pelo discurso patriótico, após importante período de desconfianças. A despeito do recente fôlego, quais as bases econômicas da baixa popularidade de Lula até então? Por que a popularidade de Lula estava baixa até Bolsonaro vir salvá-lo? O recente aumento de popularidade tem consistência e atende aos interesses da classe trabalhadora? A Transição Socialista analisa a situação para além dos discursos de ocasião.

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As eleições de 2022 marcaram o retorno de Lula à presidência do Brasil. Já naquele momento, no calor da disputa eleitoral, setores expressivos da burguesia e da burocracia estatal estavam dispostos a apoiar o petista, o que ficou demonstrado na “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, assinadas inclusive pela FIESP e pela FEBRABAN, sindicatos patronais da indústria e dos bancos.

Apesar de não mencionar nenhum candidato, a carta apontava que o país passava por um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Também externava preocupação com os Ataques infundados e desacompanhados de provas” que “questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.”A mensagem era direcionada a Jair Bolsonaro. Sua aventura na presidência não mais servia à burguesia em sua busca por estabilidade política. Era necessário recorrer outra vez a Lula, que se alçou ao protagonismo político exercendo o papel de bombeiro da luta de classes no Brasil ao final da década de 1970. Nenhum partido brasileiro além do PT, devido à sua organicidade sindical e ao seu papel controlador dentro da própria classe trabalhadora, tem o poder de tranquilizar a correlação de forças em benefício dos capitalistas.

E Lula sabia disso. Tanto é que orientou o PT a fazer uma oposição cartorial a Bolsonaro, muitas vezes evitando que as manifestações de rua ganhassem força contra ele em meio ao descalabro sanitário da pandemia. A bandeira do partido, lembremos, era “Fora Bolsonaro, Lula 2022!”, indicando sua postura eleitoreira em favor de uma sangria lenta, contornando uma instabilidade política que pudesse comprometer o desempenho de Lula nas eleições. Jair Bolsonaro era considerado a opção mais favorável para a disputa. Apostava-se no aumento da impopularidade do então presidente, conforme o número de mortes por COVID-19 aumentava, para aglutinar os votos da parcela da população que estava corretamente enraivecida contra o governo da época.

Ao longo de 2022, Lula costurou uma extensa coalizão partidária e sindical que contou com nove siglas: PSOL, Rede, PSB, PCdoB, PV, Agir, Avante, Pros e Solidariedade. Também teve apoio, já em primeiro turno, de figuras mais à direita no espectro político burguês, como Henrique Meirelles (ex-presidente internacional do BankBoston, ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, filiado ao União Brasil) e Aloysio Nunes (filiado ao PSDB). Essa lista aumentou no segundo turno, com o apoio de Fernando Henrique Cardoso (filiado ao PSDB), Simone Tebet (filiada ao MDB e atual ministra do planejamento e orçamento) e Armínio Fraga (ex-presidente do Banco Central, sócio fundador da Gávea Investimentos e ex-membro do conselho internacional do banco JP Morgan). Também obteve apoio financeiro, via doação ao PT, de R$1 milhão de Rubens Ometto, CEO e dono da Cosan, uma das maiores produtoras de açúcar e etanol do Brasil. Outro importante apoiador foi José Serpieri Filho, fundador da Qualicorp (vendida à Rede D’Or em 2019), do ramo de planos coletivos de saúde. Seu financiamento ao PT foi da ordem de R$2,6 milhões, beneficiando a campanha de Lula.

Sua eleição representava, portanto, um compromisso com segmentos expressivos dos capitalistas brasileiros e da burocracia estatal na tentativa de garantir a estabilidade política do regime democrático-burguês. O Lula III já indicava, antes mesmo de nascer, sua intenção conciliadora para acalmar as tensões de classe no país.

Isso se expressou logo na formação de seu ministério, no qual 20% (8 de 37 cadeiras) foi destinado a partidos do “centrão” do Congresso Nacional. Atualmente, 29% (11 de 38 cadeiras) são ocupadas por siglas que, até 2022, faziam negócio também com Bolsonaro (União, MDB, PP, Republicanos, PSD, PRD). Lula, como seria o caso de qualquer outro político em seu lugar, precisou ceder aos desígnios desses partidos para garantir a estabilidade política. As revoltas de junho de 2013 tiveram um desdobramento importante na relação entre as instâncias burguesas, na qual o legislativo ganha maior capacidade de determinar os rumos do executivo.

E, no entanto, por mais bem pensadas que possam ter sido as jogadas de Lula no xadrez na política nacional, sua popularidade não alcançou as marcas dos primeiros dois mandatos. Na última pesquisa Quaest do dia 16 de julho de 2025, 28% da população avaliava seu governo positivamente. Do ponto de vista da aprovação ou desaprovação popular, 60% das pessoas aprovavam o presidente em agosto de 2023. Número que diminuiu para 50% em maio de 2024 e que hoje está em 43%.

Façamos, ainda, uma observação dessa mesma pesquisa pelo aspecto salarial. Trata-se, é claro, de uma segmentação insuficiente, pois traz um recorte de renda que não entra nas distinções de classe. No limite, a diferenciação se dá dentro dos vários níveis da classe trabalhadora. Não é possível, portanto, definir o grau de exploração nesses diversos níveis, já que não é estabelecida uma relação entre o custo unitário do trabalho e o excedente realizado no processo de produção e circulação das mercadorias. Tampouco podemos indagar, a partir do levantamento, sobre a aprovação entre os capitalistas. Ainda assim, conseguimos fazer uma aproximação para verificar a aprovação de Lula dentro do proletariado.

Além de apresentar queda em todos os segmentos de renda desde o início do terceiro mandato, Lula perdeu apoio dos setores mais pauperizados da classe (que recebem até 2 salários mínimos). Chamam, no entanto, especial atenção as faixas que recebem de 2 a 5 salários mínimos e a que ganha mais de 5. Elas possuem maior qualificação e inserção nos setores mais decisivos da produção capitalista. Em fevereiro de 2024, o governo tinha aprovação de 45% e 44%, respectivamente. Em março de 2025, chegou a 36% e 34%. Atualmente, oscilou positivamente para 43% e 37%. Ou seja, uma parcela importante do proletariado produtivo está distante do governo, desaprova-o claramente como mostram os dados. Há um potencial de tensão entre a classe trabalhadora e o governo burguês de ocasião que vem sendo revelado recorrentemente nas pesquisas de opinião.

E, no entanto, os dados macroeconômicos agregados referentes ao PIB e ao desemprego poderiam sugerir que essa desaprovação carece de fundamento real. Afinal, com uma taxa acumulada de crescimento de 2,9% em 2023 e 3,4% em 2024 e com um nível de desemprego de 6,2% no segundo trimestre de 2025, por qual motivo há um descontentamento tão evidente entre os trabalhadores?

Ao mesmo tempo, o rendimento médio real habitual de todos os trabalhadores ocupados aumentou nos últimos dois anos, superando o patamar observado antes da pandemia de COVID-19. Hoje, o trabalhador ganha em média R$3.457,00, depois de descontada a inflação (considerando os dados do trimestre encerrado em maio de 2025).

Como explicar essa aparente contradição de robustos dados macroeconômicos essenciais (produção e emprego) com o desempenho negativo do governo nas pesquisas de opinião?

Sem dúvida, o bolsonarismo é um fator político que contribui para o esclarecimento da questão. O atual dilema de Lula é em boa medida fruto de sua própria estratégia eleitoral em 2022. A aposta em Jair Bolsonaro como principal oponente já no primeiro turno buscava angariar apoio da população que rejeitava o então presidente. O resultado foi um pleito eleitoral bastante dividido, com dois candidatos procurando os votos de rejeição ao outro. Lula, portanto, já iniciou seu terceiro mandato com o ônus de quase 50% dos eleitores que não o escolheram, além daqueles que só votaram nele porque odiavam Bolsonaro ainda mais. Além disso, o desempenho mais forte do que o esperado da ala bolsonarista no Congresso Nacional trouxe a Lula uma oposição parlamentar considerável, a qual influi no sentimento e na visão das massas sobre o atual governo. 

O elemento acima é útil à nossa compreensão, mas não suficiente. Vem ao nosso auxílio, por isso, uma apreciação mais crítica dos dados econômicos para entender o movimento descendente contínuo da aprovação de Lula nos últimos dois anos.

Em primeiro lugar, vejamos o conceito de desemprego e seu uso generalizado no noticiário econômico. Sua definição básica é a de pessoas disponíveis para o trabalho, procurando emprego regularmente, mas que não estão trabalhando no momento. Esse cálculo, embora útil para nossas investigações, é mais restritivo que a noção de exército industrial de reserva. Aqui, precisamos englobar também os trabalhadores que estão disponíveis para o trabalho, mas que deixaram de procurar emprego pela falta de oportunidades ou pela dificuldade de encontrar um trabalho (são os chamados “desalentados”, conforme consta no IBGE). Também temos aqueles que procuraram trabalho, mas não estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência. A soma desses dois componentes forma a “força de trabalho potencial”. Finalmente, há os trabalhadores subocupados, que trabalham menos de 40 horas semanais, mesmo estando disponíveis para o trabalho. Os três elementos, quando somados aos desempregados e, posteriormente, divididos pelo total de trabalhadores no país, nos dão a taxa composta da subutilização da força-de-trabalho. No trimestre encerrado em maio de 2025, esse indicador, que cai desde 2021, chegou ao patamar de 14,9%, bem mais alto do que o 6,2% de desempregados.

A informalidade também deve ser incluída no exército industrial de reserva. É interessante à acumulação capitalista o trabalhador intermitente, rarefeito, que oscila entre um emprego e outro, pendulando de setor em setor, oferecendo sua força-de-trabalho a qualquer burguês que lhe ofereça o menor salário possível. Ele compromete o poder de barganha do restante do proletariado em suas negociações frente ao burguês que o contrata. Faz, portanto, com que a parcela destinada à remuneração do capital variável seja menor em proporção ao valor gerado no processo de produção. No trimestre encerrado em maio, a informalidade no Brasil chegou a 37,8% da população ocupada. Como o próprio IBGE admite, não é porque o desemprego stricto sensu está diminuindo que isso impede um alto nível de informalidade na economia brasileira, que continua próximo dos 40%.

Precisamos observar também com mais cuidado o próprio crescimento econômico recente. Mais do que o simples número de 3,4% no acumulado de 2024, é necessário entender o que os economistas burgueses querem dizer com um “crescimento acima do potencial” da economia brasileira. Em linhas gerais, trata-se de uma situação na qual o PIB efetivamente realizado é maior do que o produto que deveria ser atingido numa situação de plena utilização dos chamados “fatores de produção” (meios de produção; materiais e objetos de trabalho; força de trabalho). Forma-se um “hiato do produto” positivo. É diferente da situação na qual a economia opera em capacidade ociosa, ou seja, subutilizando sua infraestrutura instalada. Segundo o relatório de política monetária do Banco Central, do 1º Trimestre de 2024 ao 1º de 2025, a média do hiato foi, respectivamente: 0,62%; 1,25%; 1,43%; 1,17% e 1,38%.

E, então, o economista talhado pela vulgaridade burguesa levanta-se e anuncia em alto e bom som: “há um descompasso entre oferta e procura que provoca aumento dos preços!” Como já é feito há quase 150 anos, ele toma como explicação fundamental apenas o fenômeno aparente. Não questiona, porém, o que provoca esse desequilíbrio. Ou seja, não se indaga acerca do caráter da relação capitalista no Brasil, a qual é pautada pela extração de mais-valia absoluta em sua indústria de transformação. A regra é a produtividade baixa e em décadas de estagnação. Vejamos no gráfico abaixo, elaborado pelo IBRE-FGV com fontes do IBGE, a evolução da relação produto/trabalho e produto/capital:

Notem que as duas métricas apresentam cenário de estagnação desde 2015, quando o Brasil passou pela recessão. Apesar de oscilações positivas no Lula I e II, o valor adicionado por trabalhador nunca assumiu um patamar de crescimento sustentado capaz de elevar a produtividade do país e, consequentemente, as tendências de crescimento de longo prazo da economia. Quando olhamos, por outro lado, o valor adicionado por unidade de capital, duas observações vêm ao nosso encontro. Primeiro, só é possível falar de uma “produtividade do capital” quando o produtor direto vira um apêndice vivo dos meios de produção. É só no capitalismo, onde o trabalhador, força criadora de valor novo, é dominado pelas suas condições de produção invés de dominá-las, que sua produtividade social aparece como do capital. Tendo isso em mente, nossa segunda observação vai justamente no sentido de pontuar que uma “produtividade do capital” estagnada dificulta a elevação da composição orgânica do capital (razão entre meios de produção e força de trabalho, respectivamente, capital constante e capital variável). Com isso, dificulta a elevação da mais-valia por trabalhador mediante maior aplicação de maquinário e demais objetos de trabalho. O aumento da COC, ao contrário, indicaria que menos trabalhadores conseguem, com uma maior proporção de máquinas e matérias-primas, adicionar valor à economia, tornando-a mais produtiva.

Essa condição é decisiva. Marx expõe no capítulo I do Livro I d’O Capital que um aumento na força produtiva do trabalho humano socialmente necessário diz respeito a uma mudança no trabalho concreto, útil, destinado a uma finalidade específica. Assim, ela não afeta o caráter do trabalho que se expressa no valor, mas diminui o tempo necessário para produzir um valor de uso, aumentando sua quantidade total produzida e vendida se considerarmos uma dada jornada. Como resultado, o valor da mercadoria singular diminui. Sua difusão num dado ramo da economia, por outro lado, redefine as necessidades sociais do mercado, regulando o tempo de trabalho necessário e o rumo dos preços. Tomemos o caso em que o autor discute o problema da mais-valia extraordinária, momento no qual o desenvolvimento tecnológico e produtivo ainda não foi espalhado por todo um ramo econômico. Em situações assim, o tempo de trabalho socialmente necessário (vinculado às necessidades sociais do mercado) seria maior do que aquele dispendido pelo capitalista mais produtivo. O valor de sua mercadoria, y, portanto, seria menor do que o valor socialmente válido naquele ramo, x. Como não há um “valor individual”, ele deve vendê-la por x. Com isso, obtém um excedente maior, extraordinário. Essa condição se encerra quando o novo patamar tecnológico e produtivo se torna a regra daquele setor, redefinindo as necessidades sociais do mercado e, portanto, a quantidade de trabalho humano indiferenciado e socialmente necessário.

Aí está a chave para entender o problema da inflação brasileira recente. Depois de anos operando em capacidade ociosa, o Brasil chegou a um ponto no qual não há produtividade suficiente para absorver o crescimento econômico. Como resultado, a variação do IPCA para o mês de fevereiro de 2025 foi de 1,31%, terceiro maior número para qualquer mês da série desde janeiro de 2019 (os outros dois foram 1,62% em março de 2022 e 1,35% em dezembro de 2020). Nos meses seguintes até junho, os índices foram 0,56%, 0,43%, 0,26% e 0,24%.

No acumulado de cada ano, o IPCA aumentou 4,62% em 2023 e 4,83% em 2024. Considerando os doze meses até junho, já chegamos a 5,35%. Ressaltemos, no entanto, que o índice considera o consumidor com renda de 1 até 40 salários mínimos. Quando observamos a evolução dos preços dos “chamados produtos básicos” no ano fechado de 2024, os números são bem diferentes. Esses “produtos básicos”, na realidade, são as mercadorias que compõem os meios de subsistência da classe trabalhadora, definindo o valor de sua força de trabalho no mercado.

Como se vê, com exceção do feijão carioca, da farinha de trigo e do macarrão, todos os demais itens que compõem a força de trabalho do proletariado brasileiro encareceram substancialmente no ano passado e alguns continuam esse movimento em 2025. O acumulado da inflação do café em junho de 2025, por exemplo, chegou a 86,5%. O óleo de soja, por sua vez, acumulava alta de mais de 20% em fevereiro.

A baixa produtividade, incapaz de absorver um crescimento acima do potencial da economia brasileira, se traduz no aumento dos preços, mas também se expressa nas condições de trabalho do proletariado do país.

Lembremos que, num quadro de extração da mais-valia em sua forma relativa, a jornada de trabalho está fixada. Não é possível aumentar o excedente obrigando o proletário a trabalhar mais horas do que o permitido por lei. O desenvolvimento tecnológico e a ampliação da força produtiva do trabalho social cumprem, então, um papel fundamental. Eles tornam possível aumentar a taxa da mais-valia ao reduzir o denominador do quociente mais-valia/valor da força de trabalho. O custo de subsistência do trabalhador médio diminui, de modo que a parcela de trabalho necessária à sua reprodução é reduzida em benefício da parcela de mais trabalho. Daí a tendência estrutural da economia capitalista de diminuir os salários relativos, que dizem respeito ao tamanho do capital variável dentro do capital total e que, por isso, expressam mais claramente o conflito de classes imanente à produção de mercadorias. Mesmo que um trabalhador tenha um salário real satisfatório, o avanço da produtividade alavanca o impulso de valorização, de modo que ele cria um excedente proporcionalmente muitas vezes maior do que o de um colega que trabalha num ramo menos desenvolvido.

Ora, mas e o caso brasileiro? Temos uma jornada de trabalho regimentada e fixada por lei, mas nossa produtividade pouco avançou nas últimas décadas, especialmente se considerarmos a indústria de transformação. Como satisfazer, então, as necessidades de valorização? Entra em cena a intensificação do trabalho, que leva o trabalhador à exaustão física e mental. Também surge, em auxílio ao capitalista, a remuneração abaixo do valor da força de trabalho. O emprego está alto, a economia cresceu. Palmas para o governo! Mas palmas, principalmente, para a burguesia. Esta, sim, surfou na onda e conseguiu elevar suas taxas de lucro que, nos últimos anos, patinavam em meio à tormenta política. Por trás da cena, porém, está o trabalhador, que toca as cordas da peça em silêncio, cada vez mais exausto e mentalmente desmotivado. Parte disso é a generalização da jornada 6×1 nos serviços e na indústria, do trabalho intermitente, da jornada 12 horas de trabalho x 36 de descanso. Não há mais um final de semana normal, as folgas estão diminuindo. A pressão aumenta a cada mês.

Existe, portanto, uma combinação de inflação, exaustão e baixos salários que se expressa, hoje, na desaprovação a Lula. Ela tem, no entanto, potenciais de tensão muito maiores na própria estrutura econômica, esgarçando e aprofundando as contradições entre trabalhadores e capitalistas.

O governo, que percebeu um quadro que compromete a sua sobrevivência política para o pós-2026, “agiu” contra a inflação. Zerou as tarifas de importação de carne, café, açúcar, milho, óleo de girassol, azeite de oliva, sardinha, biscoitos e massas. Brilhante ideia! O Brasil, que já é um dos principais exportadores de café e açúcar, diminuiria impostos de mercadorias que ele praticamente não importa e com preços dolarizados cuja dinâmica se regula num mercado internacional. Por outro lado, óleo de girassol e sardinha são componentes menores na cesta básica e que, por isso mesmo, trazem pouco impacto na formação do valor da força de trabalho.

Por outro lado, o Ministério da Fazenda decretou em maio de 2025 um aumento da alíquota do IOF (Imposto de Operações Financeiras) alegando a necessidade de compor o caixa da União (evitando corte de despesas sociais) e a urgência de uma maior “justiça distributiva” entre ricos e pobres. O IOF incide sobre uma série de transações e aplicações financeiras, desde compras no crédito e financiamentos até operações cambiais, compras de títulos e investimentos empresariais. Após troca de tiros entre Congresso e Planalto, com este alegando uma defesa “dos ricos” por parte daquele e aquele acusando este de tributação excessiva, o STF deferiu em favor da manutenção do decreto, excluindo apenas as operações de risco sacado, que são antecipações de pagamento de empresas a fornecedores utilizando-se de intermediação bancária.

Quanto à redução de impostos de importação, trata-se de mais uma tentativa do Estado de controlar os preços, algo recorrente na história da política econômica brasileira. No fim, servirá somente para alterar a repartição da mais-valia, com uma parcela menor da riqueza apropriada pelo governo. Permitirá, inclusive, uma ampliação das margens de lucro dos capitalistas que utilizam tais mercadorias como matérias primas em suas cadeias produtivas, assim como das empresas que as exportam para o Brasil.

Já a querela do IOF, que serve bem a Lula na sua corrida pela popularidade entre a classe trabalhadora e os mais pauperizados com o discurso “ricos versus pobres”, passa longe de entrar na raiz das lutas de classes no Brasil. Enganam-se aqueles que acham que a exploração vai diminuir porque mais imposto é pago em variadas operações financeiras que engordam os bolsos da burguesia e de seus principais guarda-costas (economistas-chefe, diretores, CEOs, financistas de todo tipo). Um imposto significa, no limite, uma fração do valor adicionado que entra para os cofres da União, uma repartição da mais-valia entre o Estado e os capitalistas. Ela já ocorre depois da sangria da exploração que se passou na produção e na circulação das mercadorias. Para a classe trabalhadora, nessa hora a “festa” já acabou, já voltamos esfolados para casa. É uma negociação que se passa somente no andar de cima do sistema, a portas fechadas.

É verdade que, se olharmos para as pesquisas num recorte bem mais recente, o governo apresentou uma melhora nos índices de aprovação. Como abordamos em outro editorial, Lula aproveitou as trapalhadas de trumpistas e bolsonaristas no tarifaço de 50% para lançar o discurso nacionalista de “independência do povo” e “soberania nacional”. Houve um relaxamento das tensões entre os poderes, procurando unidade de resposta ao decreto americano. Até mesmo a burguesia do agro, apoiadores de Bolsonaro há anos, acenam ao governo numa tentativa de evitar compressões de suas taxas de lucro após as tarifas. Isso não significa, porém, uma reversão completa do quadro que descrevemos aqui. A aprovação geral do governo segue minoritária, muito em função dos fatores econômicos abordados neste texto.

A redução de impostos de importação de certos alimentos, o aumento do IOF, o nacionalismo da “soberania popular” contra os 50%, nada disso toca na raiz dos problemas da classe trabalhadora. Para sua vanguarda política, que deve ser a liderança de esquerda do proletariado, não cabe esperar do governo a solução mágica para a inflação, a exploração e o subemprego. Ganha ainda mais atualidade e importância, na conjuntura atual, a agitação pelas escalas móveis dos salários. Ela precisa ser combinada com a escala das horas de trabalho, já que não é só a inflação que tira o sono do proletário, mas também a jornada exaustiva e infernal de trabalho. O café, o óleo, o pão e o ovo estão caros? Que as empresas reajustem mensalmente o salário para que o poder de compra não seja perdido. O capitalista está tirando o couro do peão porque precisa aumentar a produção? Que contrate mais pessoas, hoje desalentadas e/ou subutilizadas, e recomponha as horas de trabalho entre todos os funcionários de acordo com as necessidades sociais.

Não deve ser nosso papel aplaudir o governo por suas medidas superficiais e seu nacionalismo. Tampouco podemos esperar dele a solução. O caminho passa pela própria luta de classes e pelo desdobramento de suas contradições imanentes.