Analisamos o que está por trás dos resultados eleitorais de Lula e de Bolsonaro no 1º turno. Ainda que o presidente tenha mostrado resiliência (cujos motivos explicamos), é exagerado dizer que houve uma “onda bolsonarista”, como em 2018. Também o PT mostrou bastante força nesta eleição. Já a chamada “esquerda socialista”, faliu miseravelmente.
“É a economia, estúpido!” (sobre a “onda bolsonarista”)
O primeiro turno da eleição majoritária nacional terminou com Lula à frente, com cerca de 48% dos votos válidos (57 milhões de pessoas) contra cerca de 43% (51 milhões de votos válidos) do presidente Bolsonaro. Entretanto, muito se falou sobre uma nova “onda bolsonarista”, dados os expressivos resultados do presidente e seus apoiadores. De fato, o PL de Valdemar Costa Neto, atual partido de Bolsonaro, obteve 99 dos 513 assentos na Câmara dos Deputados. Além disso, ganhou 13 das 27 cadeiras sob disputa no Senado. O PP e o Republicanos, atualmente na sustentaçãpo do governo, terão 88 deputados federais e 10 senadores. Os partidos que hoje apoiam Bolsonaro ganharam nove estados (governadores) no primeiro turno. Do PL é também o youtuber mineiro Nikolas Ferreira, o deputado federal mais votado no país, com 1,4 milhões de votos.
A nossa “esquerda”, afeita a adjetivações simplórias – “fascista!”, “genocida!” –, nega-se a explicar um fenômeno social complexo e sustenta que parte significativa da população encaminha-se para a “ultradireita”. Ela não nota, entretanto, que essa maioria da população (trabalhadora) está bastante descolada dos debates sobre moral, costumes ou polidez no trato cotidiano (o “politicamente correto”). Na realidade, a situação econômica é uma das principais na explicação da sustentação de Bolsonaro. Ao contrário do que muitos acreditavam, não foi a preocupação com a situação sanitária – o descalabro da COVID – que norteou a eleição, mas, outra vez, a necessidade de colocar prato de comida na mesa da família.
Veja-se o gráfico abaixo, sobre abertura de empregos nos últimos anos:
O “ascenso da economia brasileira” (recuperação das taxas de lucro da burguesia), iniciado sob Michel Temer, seguiu com Bolsonaro. É verdade que não se trata de habilidade própria de Bolsonaro, Guedes et caterva na condução econômica, mas de um ciclo econômico normal, operado pelas leis imanentes da produção capitalista (como a lei geral da acumulação capitalista, descrita por Marx). Entretanto, a maioria da população não compreende isso e atribui a relativa melhora ao governo (como antes fez, com Lula). Outros dois gráficos, que complementam o primeiro, podem ser vistos abaixo. Eles tratam da taxa de desocupação, segundo a Pesquisa Mensal de Empregos (PME) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. É preciso combinar os dois pois a metodologia de aferição mudou no período. Eles se complementam temporalmente:
Como se vê, em meados do governo Bolsonaro, após a crise da COVID, a taxa de desocupação seguiu a tendência de reversão iniciada (devagar, é verdade) sob o governo de Temer.
A “economia brasileira” (leia-se: aumento do grau de exploração, de lucros capitalistas, absorção da força de trabalho, ampliação do consumo) ainda não “anda bem”, mas podemos observar uma relativa recuperação sob o governo Bolsonaro. Tal aquecimento relativo, somado ao “Auxílio Brasil”, explica mais o resultado eleitoral de 02/10 do que a narrativa dos petistas e auxiliares sobre o rumo “à direita” da população. Não são os únicos elementos, mas são importantes.
O PT cresceu proporcionalmente mais do que Bolsonaro
Ainda que se possa falar de uma consolidação do “bolsonarismo”, a maioria das análises ignora a consolidação do PT. Na realidade, proporcionalmente, o PT cresceu mais do que Bolsonaro nesta eleição, pois partiu da terra arrasada dos anos anteriores.
Alguns exercícios numéricos feitos pela revista Deutsche Welle ajudam a esclarecer o dito acima. Lula teve 57 milhões de votos neste primeiro turno. Bolsonaro, 57 milhões no segundo turno de 2018. Considere-se que nesta eleição houve 11 milhões de votos válidos a mais do que na anterior. Se comparado com Haddad no primeiro turno de 2018, Lula agora ampliou a votação do PT em 25 milhões de voto. É mais do que a população de muitos estados brasileiros e de importantes países da Europa. Além disso, Lula recuperou espaço para o PT em importantes estados. Por exemplo, no RJ, berço do bolsonarismo, Haddad teve apenas 14% dos votos válidos no primeiro turno de 2018. Lula, agora, 40%.
O PT elegeu quatro senadores (ampliando sua bancada para 9), e, em sua coligação com PCdoB e PV, fez 80 deputados federais. Segundo a Folha de São Paulo, Bolsonaro teria menos governabilidade do que Lula na Câmara. Somando todos os deputados eleitos pela coligação do presidente, mais os afins (provindos de partidos diferentes), um governo de Bolsonaro teria uma base governamental de 198 deputados. Lula, pelos mesmos critérios, uma base de 223 deputados. A rigor, Lula fez a melhor base para a Câmara desde 2002, e, no Senado, como demonstrou a mesma Folha, a situação não é muito diferente.
O PT também foi o partido que, sozinho, mais elegeu governadores no primeiro turno (3) e está em mais disputas de segundo turno (4). Além disso, elegeu o deputado estadual mais votado no país (Eduardo Suplicy). Também a chamada “esquerda radical” (coligação PSOL-Rede), pró-PT, cresceu, fazendo 14 deputados. Guilherme Boulos (PSOL) foi o deputado federal mais votado em São Paulo, ultrapassando Eduardo Bolsonaro. Até o MST elegeu, pela primeira vez, seis deputados federais e estaduais.
Assim, argumentar apenas que houve uma “onda bolsonarista” nesta eleição é analisar a realidade de forma simplista. Ao PT interessa analisar assim, pois mantém melhor a militância no frisson, eletrizada, temerosa frente o “risco iminente de golpe”.
As perdas de voto de Bolsonaro
Há dados que praticamente ninguém comenta. A bancada evangélica perdeu votos e terá, com esta eleição, a menor representação dos últimos 20 anos. Ademais, segundo o cientista político Fernando Meireles, Bolsonaro perdeu votos em praticamente todas as capitais e grandes cidades brasileiras (se comparado a 2018). O “bolsonarismo” se “capilarizou” nos pequenos municípios, mas ao mesmo tempo diminuiu seu apoio nos setores de maior concentração urbana, ou seja, nos setores mais dinâmicos do processo de politização social. Na verdade, diferentemente do que diz a narrativa petista, Bolsonaro perdeu mais votos no Sudeste e ganhou mais no Norte e Nordeste.
É verdade que a região do Sudeste deve ser a definidora do segundo turno. Mas como se portarão seus eleitores? A ausência de segundo turno em eleições estaduais (para governador) afeta localmente o segundo turno do Executivo federal, pois as máquinas locais se desmobilizam e um número maior de eleitores não comparece. Em dois dos mais importantes colégios eleitorais do Sudeste, Minas Gerais e Rio de Janeiro, não haverá segundo turno. Para piorar (para o presidente), os candidatos aí eleitos, Romeu Zema e Cláudio Castro, são bolsonaristas lights; fizeram parcialmente campanha para Lula/PT no primeiro turno (ver aqui, aqui e aqui) e já disseram que, pesar de declarar voto, não farão campanha aberta por Bolsonaro. Ao que parece, será decisiva para o resultado final a mobilização no estado de São Paulo, entre Tarcísio e Haddad.
É bipartidarismo, não “fascismo”. O “bolsonarismo” ocupou o lugar dos tucanos
Os tucanos fizeram 13 deputados federais. Menos do que a coligação do PSOL com a Rede. O PSDB por pouco cruzou a cláusula de barreira. Em São Paulo, perdeu a máquina estadual pela primeira vez desde 1994 e fez apenas nove deputados estaduais. O partido não fez nenhum governador no primeiro turno deste ano, (embora ainda esteja na disputa em dois estados). A título de comparação, em 1994 o PSDB fez 6 governadores; em 1998, 7, em 2010, 8. Após 2013, começou a sua queda. No estado de São Paulo, José Serra fez agora cerca de 80 mil votos para deputado federal e foi eleito como suplente. Em Minas Gerais, Aécio Neves por pouco não teve o mesmo destino (e, ainda assim, fez menos votos do que o pífio feito em 2018).
Cremos que mais do que considerar um verdadeiro “avanço da extrema-direita”, cabe observar que o chamado “bolsonarismo” ocupou o tradicional espaço do PSDB e aliados (ou da chamada “direita tradicional” brasileira). A possível eleição de Tarcísio de Freitas no “tucanistão” é o maior símbolo disso. Lula, muito ciente desse processo desde o início, trouxe Alckmin para dentro de sua chapa, visando a disputar a base tucana.
Antes do PSDB, esse polo do bipartidarismo era ocupado por outras forças. Em 1989, Collor fazia ataques “anticomunistas” ao PT que pouco ou nada deviam aos atuais, de Bolsonaro. Assim, muito mais do que argumentar sobre “fascismo”, os analistas e a nossa esquerda deveriam buscar explicar porque se forma e mantém um certo bipartidarismo no Brasil. Na realidade, como se estuda à exaustão nos cursos de ciência política, o sistema político bipartidário, formal ou informal, é tradicional na maioria das “democracias” baseadas em eleição majoritária para cargos executivos. O modo de escrutínio e a forma específica de construção de polarizações políticas (oposições), nele expressa, atua pela manutenção de duas tendências principais.
O grupo de Bolsonaro mostra força porque ocupou o espaço dos tucanos e porque está coligado ao centrão. O último elemento (vinculação ao “centrão”) é um fenômeno de todo governo que está no poder no regime democrático – ocorreu com FHC (mais no primeiro mandato do que no segundo), ocorreu plenamente com Lula, Dilma e Temer. Portanto, não é um necessário sinal de avanço de uma “ultradireita”. Quando os membros do “centrão” eram eleitos na cauda do PT e forneciam-lhe base política (da qual até Bolsonaro participava), ninguém trazia à baila tais argumentos. A rigor, o termo “bolsonarismo” é bastante vago, pois esconde diversos elementos do “centrão” e das igrejas evangélicas que, até ontem, estavam com o PT.
As manifestações de junho de 2013, com sua tendência antissistema, quase explodiram o relativamente estável sistema bipartidário brasileiro (assim como, na Espanha, as manifestações de 2011 explodiram o bipartidarismo pós-franquista, e, nos EUA, o Occupy Wall Street, também em 2011, abriu espaço para o candidato “antissistema”, Trump). Entretanto, agora, no Brasil, após a enorme fragmentação partidária dos pós-2013, vemos novamente uma concentração política nos níveis de 2007 e uma reconstrução das oposições no tipo do bipartidarismo. Isso tudo, a nosso ver, aponta para a retomada da estabilidade do sistema político democrático-burguês. A turbulência trazida por 2013 é finalmente contornada e o status quo ante, recuperado – muito embora sob novas faces e nomes. A democracia burguesa, com seus freios e contrapesos e válvulas de escape, mostrou que está funcionando.
Alguém poderia legitimamente perguntar: por que apenas um dos símbolos do velho sistema bipartidário desapareceu? Por que somente o polo do PSDB naufragou e o do PT se recuperou? Cremos que a resposta é a seguinte: era o PT quem estava no poder oficial da burguesia em junho de 2013. Como só poderia ocorrer então, a revolta antissistema se voltou antes de tudo contra ele. Ela ocupou primeiro o polo do “anti-PT”. Entretanto, sem poder ser consequente, sem poder ir além do antipetismo vazio – dado que toda a “esquerda socialista” se negou a dar ao antipetismo um caráter coerente e de classe –, tal revolta refluiu, deformou-se e foi parar dentro do próprio governo federal (com Bolsonaro). Dada a forma usual do escrutínio, o antipetismo vazio só pôde recriar seu polo oposto siamês, o petismo. Eis o que vemos hoje.
A “esquerda socialista” faliu graças à sua adaptação à narrativa petista de “golpe” e “fascismo”
Ignorando as lições de Marx e Lenin, a “esquerda socialista” viu em todo lugar uma tendência ao autoritarismo. Ela colocou como tarefa sua salvar a democracia burguesa dos riscos da própria democracia burguesa. Em vez de entender que esta é baseada num sistema de freios e contrapesos para superar momentos de instabilidade, com válvulas de escape naturais entre as suas frações, a “esquerda socialista” optou por ser apenas mais uma das vozes do coro democrático-liberal. Em vez de deixar a burguesia resolver os seus próprios problemas e apresentar outro caminho à classe operária, a “esquerda socialista” optou por rivalizar com o Jornal Nacional para saber quem era mais “antifascista”.
Marx sabia que os indivíduos não podem ser julgados pelo que dizem (como Bolsonaro e suas bravatas) e sim pelo que fazem. E afirmou claramente que a república democrática é o melhor regime para a burguesia. O regime democrático é o mais impessoal, portanto a forma política que melhor corresponde às relações impessoais (fetichizadas) da sociedade mercantil. A forma político-jurídica é derivada da econômica-mercantil e não o contrário. O Estado democrático é o que melhor representa a “burguesia ideal” (Engels), pois permite a maior participação das suas diversas frações. “A república democrática é a melhor forma possível para o capitalismo” (Lenin, O Estado e A Revolução, cap. 1).
A nossa “esquerda socialista”, pelo contrário, delira, acha que a burguesia dará um golpe de Estado hoje no Brasil contra ela própria. A burguesia já está no poder, bem representada por Lula ou Bolsonaro e com razão não vê nenhum real risco revolucionário entre trabalhadores (afinal, não há partido revolucionário no Brasil). As frações da burguesia brigam entre si, mas resolvem seus problemas pela via que melhor corresponde a seu sistema econômico: a “democracia”.
Assim, caindo na narrativa petista, tornando-se apêndice do democratismo-burguês, a “esquerda socialista” retira seu próprio chão, suprime seu propósito de existência, afasta-se da luta de classes e tem resultados eleitorais ridículos.
Os pífios resultados da “esquerda socialista” (UP, PCB e PSTU)
UP
É difícil falar da atuação da Unidade Popular (UP) nesta eleição, pois foi sua primeira participação num pleito federal. Seu resultado foi baixo, mas não desprezível, dada a sua jovem militância (e sobretudo se comparado ao resultado do PCB e do PSTU). A UP tem cerca de 3 mil filiados e o candidato Leonardo Péricles teve 53 mil votos. Assim, cada filiado conseguiu em média 17 votos para o candidato. Era visível que a UP, organização abertamente stalinista, fazia campanha nas ruas, escolas, universidades, pontos de ônibus, bairros. Em São Paulo, Vivian Mendes, candidata ao Senado, chamou a atenção: conseguiu mais de 280 mil votos. Ela obteve o sexto lugar, à frente de nomes tradicionais da política, como Aldo Rebelo. Nesta segunda, 10/10, a UP finalmente se posicionou com o esperado apoio a Lula para “derrotar o fascismo”.
PCB
A candidata do PCB, a Prof. Sofia Manzano, obteve 45,6 mil votos. Como o partido tem cerca de 13 mil filiados, supõe-se que cada militante obteve cerca de 3,5 votos para sua candidata presidencial. Apesar de o PCB praticamente não ter feito campanha, o número de votos desse partido mostrou-se relativamente estável: no último pleito de que participou com candidato próprio, em 2014, obteve cerca de 47 mil votos (em 2018 o PCB não teve candidatura própria, servindo ao lulista Boulos).
Durante todo o primeiro turno, Sofia Manzano negou-se a declarar como seria seu voto num eventual segundo turno. De acordo com ela, ela própria estaria no pleito final, ou o partido decidiria a posição após o 02/10. Como se a conjuntura fosse mudar significativamente entre os dois turnos! Como se o primeiro turno, neste ano, já não fosse o segundo em miniatura! Como se a polarização Lula-Bolsonaro não fosse a questão central da conjuntura, na “boca do povo”, há meses! Na realidade, o PCB torcia para que Lula vencesse no primeiro turno, pois assim não precisaria passar pelo desgaste de ter de chamar voto “crítico” no petista (o que sempre cria dissensos internos, mesmo que pequenos). Qual não foi a surpresa quando, menos de uma hora após o resultado final da eleição em primeiro turno, o PCB publicou uma declaração oficial argumentando – “autoritarismo”, “fascismo”, “responsabilidade” – pelo voto crítico em Lula. Sofia, em seu twitter, nem mesmo mostrou-se crítica ao PT. Afirmando que “é Lula já” para “enfrentar o agronegócio e o fascismo” e “lutar pela humanidade”, ponderou: “eleição não é tudo, mas garante um espaço”. Cabe perguntar: que “espaço” é esse que a economista Manzano quer garantir num futuro governo Lula? Uma vaga no ministério da economia de Meirelles?
PSTU
De longe, o pior e mais desmoralizante resultado foi o do PSTU. Apesar de ser numericamente maior do que a UP e o PCB, e de ter uma base sindical muito superior e economicamente relevante, o PSTU ficou por último. Sua candidata à presidência, Vera Lúcia, obteve 25,6 mil votos. Como o partido tem cerca de 15,5 mil filiados, cada um conseguiu cerca de 1,5 voto para a candidata. Isso mostra a completa paralisia do PSTU, o que explica a verdadeira ausência de uma campanha eleitoral. Não há como alguém olhar para isso e achar normal. O partido buscou mais apresentar sua candidata como pessoa “do povo”, humilde (com vídeos seus cozinhando, comendo bolo, cuidando de casa etc.) do que esclarecer a juventude e os trabalhadores sobre os verdadeiros dilemas políticos nacionais.
Num único momento, no início da campanha, o PSTU fez um discurso sério contra o PT (apresentando Bolsonaro como resultado deste). Por isso, ganhou grande destaque na mídia. Imediatamente em seguida, entretanto – pressionado pelos petistas –, o partido recuou e aliviou o tom das críticas ao PT. Em vez de equiparar Bolsonaro e PT e mostrar como se retroalimentam, o PSTU passou a centrar fogo na derrota de Bolsonaro, argumentando apenas que não seria possível realizá-la “conciliando com a burguesia”, como Lula. É a tese da “exigência e denúncia”, de quem tem ilusão no PT. Como se o problema da chapa Lula-Alckmin fosse o segundo, e não, desde o início, o primeiro! O PSTU encobriu sua política capitulacionista com a capa esquerdista, argumentando ser necessário criar “destacamentos de autodefesa” para lutar contra o bolsonarismo. Como se os últimos “destacamentos de autodefesa” do PSTU não tivessem sido destruídos por Alckmin na repressão à ocupação do Pinheirinho!
Sem propósito de existência, a candidatura de Vera passou então ao identitarismo vazio; focou-se em disputar com as demais candidaturas quem tinha mais “a cara do brasil” – se ela, mulher, nordestina e negra, com sua vice (Raquel Tremembé), mulher indígena; ou se Lula, nordestino mas com o branco paulista Alckmin; ou se Simone Tebet e Mara Gabrilli, ambas também mulheres, mas brancas…
Cada vez mais afastando-se da política de classe, capitulando ao identitarismo, ao nacionalismo e ao estatismo keynesiano, o PSTU vê seus votos decrescer no longo prazo (em 2002, 402 mil; em 2010, 84 mil; em 2014, 91 mil; em 2018, 55 mil; agora, 25 mil). Nem mesmo a criação do “Polo Socialista e Revolucionário” o salvou e fez colocar qualquer campanha na rua, pois o PSTU negou às demais correntes o espaço à vice-presidência, demonstrando não querer compartilhar espaço comum. Em parte por isso, as correntes do “Polo” focaram-se apenas em suas campanhas privadas, sem dar destaque à Vera Lúcia.
Durante o primeiro turno, o PSTU, assim como o PCB, usou de todos os subterfúgios para esconder que votaria em Lula no segundo turno. Assim como a direção do PCB, a do PSTU desejava a vitória de Lula já no primeiro turno, pois assim não teria de passar vergonha adaptando-se novamente ao petista (agora com Alckmin). Após o primeiro turno, a própria base do PSTU pressionou para que se posicionasse logo pelo apoio a Lula (o que parece demonstrar que essa base está mais à direita ou despolitizada do que em 2018). Finalmente, no dia 6/10, o PSTU publicou seu esperado apoio a Lula.
Sobram entretanto incoerências. Por que o PSTU não votará em Eduardo Leite no segundo turno da eleição estadual no Rio Grande do Sul? Lá esse tucano, mais moderado do que Alckmin, concorre com o bolsonarista radical Onyx Lorenzoni. Se vencer, este ajudará no “projeto autoritário” nacional de Bolsonaro. Por que no RS o PSTU é adepto do “sectário” voto nulo? Por que lá o PSTU não é “responsável com a classe”? Não há lógica! O PSTU, para usar uma frase de Marx na Crítica do Programa de Gotha, “move-se dentro do democratismo burguês, fazendo tudo o que é autorizado pela polícia e desautorizado pela lógica”.
Falamos em 2020, ao analisar o resultado eleitoral decrescente do PSTU, e repetimos: esse partido “não deverá mais ter um papel de destaque, relevante, numa nova aglutinação de revolucionários brasileiros (se é que terá). O PSTU escolheu afundar com o PT neste fim de ciclo histórico, não largando a alça do caixão mesmo quando não havia qualquer justificativa real para isso. Sobrou discurso, faltou ação (o determinante). Independentemente dos anseios e crenças do corpo de militantes e quadros da organização, o PSTU está sendo arrastado pela pequena-burguesia na contramão dos interesses históricos da classe trabalhadora. Engana-se quem acha que é somente o voto, como algo pontual.”
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Na realidade, se há “risco de autoritarismo bolsonarista” que justifique no segundo turno o apoio ao PT, a UP, o PCB e o PSTU não deveriam ter lançado candidaturas. Nada mudou na conjuntura entre o primeiro e o segundo turnos. Com suas candidaturas, tais partidos fizeram aumentar o mesmo “risco de autoritarismo” que dizem combater, pois as chances de Bolsonaro no segundo turno são maiores. De duas uma, ou UP, PSTU e PCB não deveriam ter lançados candidaturas, ou na verdade suas direções não acreditam na falaciosa tese petista do “autoritarismo” e apenas usaram a eleição para manter verbas do fundo partidário, segurar a militância e tentar justificar sua existência, sabendo que depois se lançariam seguramente no colo do PT.
Toda luta contra os ataques de um eventual governo Lula amanhã será mais difícil, pois UP, PCB e PSTU vendem a independência de classe hoje em nome de uma suposta amanhã. A resistência se iniciará num patamar mais baixo e a vanguarda da classe trabalhadora, submetida à confusão e ao oportunismo, estará menos apta a se contrapor à chantagem da maquina sindical e estatal lulista.
De forma vergonhosa, é olhando a cara de Lula e Alckmin, e chancelando o programa econômico de Meirelles, que os “socialistas” da UP, PCB e PSTU irão às urnas no dia 30/10. A crise do proletariado brasileiro é a crise da sua direção revolucionária!
No segundo turno, vote nulo!